Como acelerar a sustentabilidade através das tecnologias digitais foi o desafio lançado aos mais de 300 líderes nacionais e internacionais que marcaram presença no Digital with Purpose Global Summit, realizado em Lisboa entre 27 e 29 de setembro. Do encontrou nasceu um manifesto de ações a desenvolver nas áreas da biodiversidade, cidades inteligentes e educação, enquanto o prémio Digital with Purpose Global Award foi atribuído ao projeto Analytics4Vegetation.

Em entrevista escrita à Smart Cities, Luís Neves, CEO do GeSI, fez um balanço muito positivo desta segunda edição e adiantou que o evento regressa a Portugal no próximo ano, em parceria com a Câmara Municipal de Cascais.

Que balanço faz desta segunda edição do Digital with Purpose Global Summit?

A Cimeira Global Digital With Purpose visa colocar a inovação e as soluções digitais no centro da agenda de sustentabilidade, e a sustentabilidade no centro da agenda digital. Temos provas suficientes de que o digital é a chave para enfrentar os desafios de sustentabilidade mais prementes e para capacitar os líderes mundiais na construção de um futuro mais sustentável.

Mas ainda nos faltam as ferramentas, os modelos de negócio, os modelos de talento, as competências e as colaborações para explorar plenamente a oportunidade do digital – assegurando ao mesmo tempo fatores cruciais como a confiança, a equidade e o controlo sobre os dados pessoais dos nossos cidadãos e, acima de tudo, a centralização no ser humano. Para libertar todo o potencial da digitalização, temos agora de ousar olhar para além das melhorias no sistema atual e colocar as necessidades humanas e a sustentabilidade global no centro do que fazemos.

O DWP Global Summit deste ano que contou com a participação de cerca de 300 oradores e peritos de alto nível e mais de 3.000 participantes, representou uma oportunidade única para empresas dos setores público e privado, indústrias verticais e cidades mostrarem os benefícios das soluções Digitais e Sustentáveis.

O balanço é extremamente positivo na medida em que saímos da Cimeira mobilizados, com um plano de ação global, centrado na tecnologia como fator fundamental para assegurar o desenvolvimento sustentável e com uma visão clara de como esta Cimeira pode ser o ponto de encontro de todos aqueles: setor publico, privado e sociedade civil  que juntos, numa dinâmica credível e transparente, trabalharão para assegurar a sustentabilidade do planeta, garantindo a melhoria das condições de vida dos cidadãos e uma sociedade mais justa.

Hoje encontramo-nos numa situação em que a humanidade enfrenta múltiplas catástrofes simultâneas: a ameaça existencial das alterações climáticas, o colapso da biodiversidade, a crescente desigualdade de rendimentos e de oportunidades. A nossa trajetória de crescimento não é sustentável e não beneficiou todos da mesma forma. O nosso “capital natural” está num sério ponto de viragem, colocando em risco todos e cada um dos nossos ganhos.

A Cimeira mostrou como podem as tecnologias digitais preservar e proteger todas as formas de vida e ajudar a gerir os recursos de uma forma mais eficiente, como podemos transformar digitalmente as cidades e como podemos utilizar a tecnologia para proporcionar acesso universal à educação e à aprendizagem, perturbar um sistema educativo obsoleto e elevar o potencial das nossas gerações futuras.

Durante a cimeira, um grupo de peritos liderado por Georg Kell traçou um roadmap de ação para a sustentabilidade. Quais as ideias essenciais deste documento e em que medida poderão vir a ser úteis para empresas, municípios e outras entidades?

A Cimeira aprovou um roadmap de ação à volta dos três temas centrais: Biodiversidade, Educação e Cidades Sustentáveis. Na área de Biodiversidade foi aprovado um extenso documento programático, coordenado pela Prof. Helena de Freitas, Presidente da Cátedra da UNESCO para a Biodiversidade, com o título: SOLUCOES DIGITAIS PARA A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE-Prioridades e recomendações para uma agenda partilhada de ação”, que contém um conjunto de mensagens-chave sobre a Crise da Biodiversidade, que chama a atenção para o facto de as atividades humanas terem tido um impacto significativo na biodiversidade do planeta, com um milhão de espécies em risco de extinção; a Urgência para agir que realça a necessidade de, com apenas sete anos para cumprir as novas metas para 2030, serem necessárias medidas urgentes para enfrentar a crise; o papel da tecnologia, as tecnologias digitais serem fundamentais e desempenharem um papel crucial na compreensão, monitorização e conservação da biodiversidade, oferecendo diversas soluções, desde sensoriamento remoto até aplicativos de ciência cidadã, bem como novas ferramentas para esforços de conservação; e finalmente Oportunidades e desafios que se centra nas preocupações sobre a acessibilidade da tecnologia e dos dados, o impacto ambiental e as limitações técnicas, bem como a necessidade de colaboração e comunicação eficaz.

O documento sugere um extenso número de ações e recomendações que irão ser postos em prática, e que está disponível online. Na área de educação foi aprovado um documento de ação como título “DIGITAL COMO FACILITADOR DE MELHORIA DO SISTEMA EDUCATIVO – Prioridades e recomendações para uma agenda partilhada” coordenado por Veerle Vandeweerd e Pedro Santa Clara. Este documento contém uma mensagem clara: num mundo em rápida transformação digital, existem desafios e oportunidades. O desafio é garantir que evoluímos para um mundo justo, sustentável, centrado no ser humano e equitativo, utilizando tecnologias digitais novas e emergentes. A oportunidade é a possibilidade de elevar toda a humanidade no processo. A educação, um pilar fundamental das nossas sociedades, deve estar no centro desta mudança. O documento contém os seguintes pilares/recomendações fundamentais:
1. Transformação Imediata do sistema educativo: Os pais, os governos e os estudantes devem reconhecer e defender a necessidade imperiosa de reformar os nossos sistemas educativos.
2. Colmatar o fosso da inovação: Métodos inovadores de ensino e aprendizagem estão a surgir em várias partes do mundo. É nossa responsabilidade partilhada garantir que nenhum canto do globo seja deixado para trás, evitando uma divisão social baseada no acesso a competências e ferramentas relevantes.
3. Além da memorização: O mundo de hoje exige mais do que aprendizagem mecânica. Requer indivíduos dotados de inteligência emocional, adaptabilidade social e conhecimento digital competente. Devemos identificar e incutir, de forma colaborativa, as competências que promovam a resiliência, o discernimento da verdade a partir da desinformação e a harmonia num mundo diversificado e em ritmo acelerado.
4. Os governos como catalisadores: Os países que defendem a metamorfose educativa moldarão o futuro. Os governos têm a responsabilidade de liderar a inovação, promover a experimentação e preparar o caminho para um ecossistema revolucionário de aprendizagem ao longo da vida.
5. Acesso universal à educação de qualidade: As novas tecnologias trazem a promessa de aprendizagem personalizada e contínua. Ao aproveitar estas ferramentas, as experiências pedagógicas individualizadas e de classe mundial podem tornar-se uma realidade para todos os alunos, em qualquer lugar.
6. Abraçar a evolução da IA: Assim como a calculadora transformou a matemática, a Inteligência Artificial como o ChatGPT está preparada para revolucionar a educação. A IA promete novos modelos pedagógicos, trajetórias de aprendizagem melhoradas e um apoio inestimável tanto para educadores como para alunos. Devemos aproveitar o seu potencial de forma responsável, garantindo considerações éticas e assegurando que a inclusão orienta a sua utilização.
7. Um apelo ao setor privado: Aos produtores de hardware e software educacional, pedimos que se alinhem com o espírito Digital com Propósito. Inovar, envolver-se e enfrentar o desafio, defendendo a visão de uma comunidade global justa, sustentável e equitativa.
8. A jornada começa em Lisboa 2023: A Cimeira DWP de 2023, em Lisboa, iluminou o caminho a seguir. A mudança transformadora na educação não é um sonho distante, é uma realidade contínua e convidamos cada pessoa a juntar-se a esta missão vital.

O Programa Cidades Inteligentes e Sustentáveis foi ​​liderado por Massamba Thioye, Executivo de Projeto do Centro de Inovação Global para Mudanças Climáticas das Nações Unidas (UNFCCC) e contou com a colaboração do GcoM (Global Covenant of Mayors) e do ICLEI (Local Governments for Sustainability). As mensagens focaram-se na identificação e implementação eficaz de tecnologias, políticas, instrumentos financeiros e modelos de negócios inovadores, bem como em abordagens cooperativas e produtos das indústrias culturais e criativas.
As conclusões, que estão sumarizadas mais a frente, tinham dois objetivos específicos:
1. Ativar e galvanizar o interesse das cidades na aplicação de abordagens de inovação sistémica para a satisfação das necessidades humanas essenciais dos seus cidadãos e alinhadas com os objetivos climáticos e de sustentabilidade.
2. Gerar ideias sobre como transformar necessidades selecionadas de soluções climáticas e de sustentabilidade das cidades e dos seus fornecedores em oportunidades de mercado.

Entre as mensagens e estratégias trazidas pelas centenas de oradores presentes na cimeira, houve alguma que tenha considerado especialmente marcante e disruptiva?

A Cimeira constatou que nas últimas décadas, surgiu uma nova tendência que nos proporciona novas oportunidades – por vezes desafios – a digitalização. As conclusões das três áreas centrais da Cimeira: Biodiversidade, Educação e Cidades Sustentáveis, são todas elas extremamente disruptivas, tendo como centro a digitalização e a sustentabilidade. Cada uma delas, à sua maneira, representa uma forma completamente diferente de abordar a resposta aos enormes desafios com que estamos confrontados. Em todas as intervenções está presente o sentido de urgência sobre a implementação de uma Agenda de Ação ficando, ao mesmo tempo, claro que as pessoas estão fartas de palavras e promessas e esperam que os setores público e privado se comprometam seriamente com uma Agenda de resposta aos grandes desafios com que estamos confrontados.

No caso específico das cidades e dos municípios, que papel poderão desenvolver no contexto da interligação entre o digital e o processe de transição para a sustentabilidade?

O Programa Smart and Sustainable Cities do Digital with Purpose Global Summit tinha como objetivo acelerar a identificação e a implementação efetiva de tecnologias, políticas, instrumentos financeiros e modelos de negócio inovadores e soluções climáticas e de sustentabilidade transformadoras para responder à procura atual das cidades. Este programa resultou num conjunto de recomendações em três áreas de ação:
1. Foco nas necessidades: não construir o que é possível, construir o que é necessário. Concentrarmo-nos nas pessoas e no planeta e utilizar a inovação orientada para as necessidades e para soluções de sustentabilidade.
2. Abordagem sistémica: objetivos a longo prazo traduzidos em objetivos a curto prazo. Adotar uma perspetiva holística, ultrapassando as fronteiras tradicionais, em conjunto com a ação local.
3. Ação audaciosa: agir rapidamente através da capacitação. Transformar o desenvolvimento interior de cada indivíduo, ajudando a desbloquear a sua capacidade de ser um agente de mudança e de contribuir para o progresso.

A cimeira fica também marcada pela entrega do Digital with Purpose Global Award ao projecto Analytics4Vegetation. Que méritos valorizou o júri ao distinguir esta solução?

A Analytics4Vegetation é uma solução desenvolvida para garantir a segurança da infraestrutura elétrica, que identifica as intervenções necessárias com maior precisão e reduz, assim, o risco de contacto entre a rede e a vegetação circundante, mantendo a integridade das áreas florestais. Esta solução vem reafirmar a importância estratégica das redes elétricas inteligentes. A atribuição do prémio à Analytics4Vegetation não é apenas o reconhecimento do valor desta solução, mas também a afirmação de que este é o caminho que queremos seguir, num mundo onde a tecnologia tem o poder de proteger a biodiversidade e onde os recursos para as cidades são geridos de forma mais sustentável.

Esta solução vem ainda ao encontro dos critérios de elegibilidade, onde as empresas deviam apresentar uma solução digital que contribuísse para pelo menos um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estivesse implantada no mercado e fornecesse uma solução específica e eficiente em termos de recursos e de custos.

Em 2024, o Digital with Purpose Global Summit estará de volta a Portugal? Se sim, o que poderemos esperar da próxima edição?

Posso confirmar, desde já, que em 2024 o Digital With Purpose Global Summit estará de volta a Portugal e será realizado em parceria com a Câmara Municipal de Cascais. É ainda cedo para projetar o que se vai passar em 2024, mas há uma coisa que se pode esperar: o anúncio do que se prometeu em 2023 e o que se conseguiu realizar até à abertura da Cimeira, em 2024. O Digital With Purpose Global Summit, como temos muitas vezes referido, tem de ser uma Cimeira de impacto. Assim, e para concluir a resposta, poderemos esperar da próxima edição resultados e compromissos de que, em colaboração com todos os setores de atividade, trabalhamos para a sustentabilidade do planeta, o que significa garantir um lugar seguro para as gerações vindouras. É este o nosso compromisso e responsabilidade.

Fotografias: © SYNCVIEW