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Jorge Máximo, diretor central no sector bancário e ex-vereador da CM Lisboa (2013-17), e Januário Rodrigues, investigador Doutorando em Sistemas de Energia Sustentável.

Numa discussão típica entre amigos, acerca das prioridades e desafios das cidades inteligentes, a habitação, a mobilidade, as alterações climáticas, o turismo de massas, e a regeneração urbana, são frequentemente abordados, relegando o envelhecimento e a qualidade de vida na velhice para segundo plano. Contudo, o envelhecimento progressivo das cidades é inegavelmente uma questão de emergência, especialmente grave em Portugal.

Os dados do último censo de 2021 revelam uma situação alarmante na população portuguesa. Pela primeira vez no século, houve um decréscimo populacional. Além disso, os jovens até aos 14 anos diminuíram mais de 15%, enquanto a população em idade ativa (15-64 anos) decresceu mais de 5%. Contrariamente, a população idosa com mais de 65 anos aumentou mais de 20%. O índice de envelhecimento atinge agora 182 (número de idosos por cada 100 jovens), comparado com 98,8 no início do século. Esta realidade, embora global na Europa, coloca Portugal numa posição particularmente delicada, superada apenas pela Itália.

Com a população envelhecida a reforçar a sua importância eleitoral, as decisões sobre as cidades percebidas e valorizadas pelo público sénior, ganham importância estratégica e também política pela força do voto. No entanto, e ao contrário do que acontece na população mais jovem, que valoriza inovações tecnológicas que agilizem a sua vida quotidiana e transformam o modelo de funcionamento das cidades, para a população sénior, uma governação inteligente é essencialmente centrada em respostas personalizadas e de proximidade, capazes de reforçar o sentimento de bem-estar e integração social.

Com as dinâmicas de vida e as relações familiares, de vizinhança e associativa a mudarem, as respostas tradicionais estão em declínio, substituídas por serviços privados muitas vezes inacessíveis à maioria da população. Neste cenário, a responsabilidade das cidades perante os cidadãos seniores não deve ser reconhecida apenas como uma prioridade estratégica, mas também como um imperativo moral e ético.

Muito se tem discutido sobre novas soluções, sobretudo ao longo dos últimos 30 anos, mas a verdade é que as respostas sociais, inscritas no Instituto da Segurança Social, são praticamente as mesmas, ao longo de todo o período desde que somos uma democracia. Tipicamente tentamos encaixar todos os grupos de seniores em valências do tipo centros de convívio, centro de dia, universidades seniores, e claro os lares de idosos.

As medidas e políticas de envelhecimento ativo são positivas, mas insuficientes, nomeadamente pela sua reduzida aplicabilidade nas camadas mais idosas ou com maiores limitações de saúde e autonomia. Os riscos de segurança, isolamento e mau tratamento de idosos são crescentes, enquanto a oferta de serviços de apoio domiciliário para combater o isolamento e solidão é insuficiente, agravada pela dificuldade em contratar profissionais qualificados.

Além disso, as respostas territoriais públicas ou subsidiadas são muitas vezes redundantes, desintegradas e caritativas, carecendo de um mapeamento integrado das necessidades e uma visão holística e estratégica. Neste contexto, a governação estratégica para o envelhecimento nas cidades, deve ser abrangente e sensível, promovendo a autonomia, participação comunitária e cuidado personalizado, diferenciando-se para melhor atender às necessidades específicas de cada idoso.

O desafio reside não apenas na oferta de soluções habitacionais inovadoras, mas também na criação de um ambiente propício para uma vivência ativa, segura e significativa. A população idosa não deve ser vista apenas como beneficiária de cuidados, mas como um componente vital e ativo na construção de comunidades mais inteligentes e inclusivas.

Neste domínio, distinguem-se, essencialmente, dois grupos-alvo:

– o primeiro, composto por idosos autónomos e com poder de compra, que espera uma governança urbana que facilite uma vivência ativa e de qualidade;

– o segundo, que inclui a população em situação de dependência ou fragilidade social, que requer respostas integradas para um envelhecimento digno e uma vivência comunitária saudável, conforme se exemplifica na matriz seguinte:

Não sendo possível abordar todas as dimensões da matriz neste artigo, salientamos o conceito de Habitação e de Comunidades Colaborativas como uma das boas apostas para criar ambientes que não só atendam às necessidades práticas, mas também promovam uma vida rica em significado e interações sociais para os idosos.

A promoção da Habitação Colaborativa representa uma resposta inovadora e integrada para enfrentar os desafios do envelhecimento da população. Este conceito, originado na Dinamarca há cerca de sessenta anos, ganhou destaque em Portugal com o recente ajuste legislativo através da Portaria n.º 67/2012, de 21 de março, relacionada com a “ERPI – Estrutura Residencial para Pessoas Idosas”.

Essa abordagem oferece espaços que podem ser privados ou partilhados, com áreas comuns que incluem salas, cozinhas e espaços exteriores. A sua filosofia central é preservar a autonomia dos residentes, integrando suporte dentro do ambiente habitacional. Isso promove o convívio sociocultural e possibilita uma resposta integrada e multidisciplinar, abrangendo até mesmo cuidados de saúde no domicílio. A flexibilidade destes espaços permite a integração de diversas soluções, como serviços de limpeza, alimentação e cuidados de saúde, proporcionando uma vida segura e enriquecedora, com espaços verdes e áreas de convívio diferenciadas conforme a autonomia dos moradores.

Exemplares notáveis e próximas desse modelo, surgiram em Portugal nas últimas décadas. Um caso durante a década de 90, liderado pelo Padre Jesuíta Domingos Costa, resultou na Aldeia Social da Mexilhoeira Grande, apresentando soluções criativas que incluem um lar de idosos, um bloco habitacional em formato de aldeia com tipologias variadas, jardim de infância, refeitório, espaço de saúde e áreas para atividades comunitárias. Outro exemplo é o projeto da associação “Os Pioneiros”, em Águeda, distrito de Aveiro, que utiliza casas pré-fabricadas de madeira, proporcionando espaços para casais ou duas pessoas do mesmo sexo.

Acreditamos que essas soluções podem ser adaptadas a vários bairros em grandes cidades. É crucial reconhecer que idosos autónomos não devem ser direcionados para lares, que deveriam evoluir para unidades de cuidados continuados ou paliativos. Soluções integradas, com o foco na mobilidade, em atividades culturais, na limpeza e segurança dos espaços, podem atrair idosos autónomos a deixarem as suas casas, onde muitas vezes se sentem isolados, para integrarem comunidades seniores modernas, com serviços inteligentes específicos para um envelhecimento ativo.

A Portaria nº 269/2023, de 28 de agosto, trouxe enquadramento e financiamento para soluções de habitação colaborativa, podendo ser geridas exclusivamente por IPSS ou entidades legalmente equiparadas. Estas residências, vão desde o tipo T0 e visam integrar idosos e outras pessoas com vulnerabilidades e necessidades especiais. O atual Aviso de Cobertura em concurso até o final de janeiro (Concurso – N.º 10/C03-i01/2023 – Habitação Colaborativa e Comunitária), financiado pelo PRR, representa um passo positivo. Porém, é crucial complementar esta medida com uma abordagem integrada de outras respostas sociais. Isso garantirá que os idosos que optem por esta nova habitação colaborativa não se deparem novamente com o isolamento, destacando a necessidade de regulamentação abrangente.

Em síntese, a urgência de atenção ao envelhecimento ativo torna-se evidente diante das mudanças demográficas e dos desafios associados. As cidades inteligentes do futuro precisam adotar uma abordagem sensível, diferenciada e abrangente para atender às necessidades específicas da população idosa. Desde a promoção de autonomia até ao estímulo à participação comunitária, as respostas devem ser personalizadas e inovadoras para todas as fases do envelhecimento. Este é um caminho irreversível e claramente, uma opção Smart!

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 42 da Smart Cities – Janeiro/Fevereiro/Março 2024, aqui com as devidas adaptações.