A poucos dias do início da Semana Internacional da Compostagem, assinalada entre 5 e 11 de maio, a Smart Cities falou sobre o tema com Ismael Casotti Rienda, mentor do programa Zero Waste City e membro da associação ZERO. O especialista em resíduos diz que os projetos de compostagem doméstica e comunitária têm avançado com “pouca convicção” por parte dos municípios, mas lembra que o processo não os deve assustar, até porque é possível encontrar apoio externo.

Conheça os dados disponíveis, um bom exemplo em pleno interior do país e um webinar que promete revelar “3 lições chave para o sucesso da compostagem descentralizada/doméstica e comunitária”.

A recolha seletiva de biorresíduos começou atrasada em muitos municípios mas, aos poucos, tem vindo a ganhar expressão. Já a compostagem doméstica e comunitária parece ser ainda pouco significativa. O que justifica esta realidade?

Sim, é verdade. Aos poucos os municípios têm vindo a implementar a recolha seletiva dos biorresíduos para cumprir a lei e acredito que os dados de 2023, uma vez sejam disponibilizados, mostrarão um claro aumento comparativamente com 2022. No que diz respeito ao tratamento na origem, ou seja, à compostagem doméstica e comunitária, os projetos têm avançado com o apoio de financiamento do Fundo Ambiental (ou outras fontes), mas com pouca convicção por parte das equipas municipais.

Por um lado, existem metas muito ambiciosas de tratamento na origem, elaboradas pela Agência Portuguesa do Ambiente em conjunto com outras entidades (câmaras e comunidades intermunicipais) e que também estão refletidas nos planos de ação municipais para cumprimento do PERSU 2030 (PAPERSU). Todavia, essa ambição não se traduz para já em investimentos suficientes e também não se traduz numa clara aposta pela capacitação técnica dos interessados.

A compostagem, ou seja, a degradação dos restos alimentares e resíduos de jardim, é um processo natural e muito simples, mas é preciso garantir determinadas condições (temperatura, humidade, arejamento, revolvimento da pilha, etc.) para que o processo decorra da melhor maneira, sem odores e sem causar incómodos à população. Para isso, os municípios deverão ter (ou contratar) uma equipa que faça esse serviço, e ao mesmo tempo, criar as condições para que os cidadãos queiram aderir (incentivos, formações, controlo do processo).

Ismael Casotti Rienda é membro da direção da associação ambientalista ZERO.

Há alguma estimativa sobre o número de municípios que apostou na criação de ilhas de compostagem comunitária? Quais os melhores exemplos?

Os dados da ERSAR referente a 2022 indicam que havia 15 entidades (municípios, empresas municipais e uma associação de municípios) que tinham mais de quatro unidades de compostagem comunitária. Se bem que há exemplos por todo o país (e mais ainda em 2023), muitos dos municípios que apostaram pela compostagem descentralizada encontram-se nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, onde a aposta pela recolha seletiva de biorresíduos tem acontecido mais cedo, se comparamos com o resto do país. Os dados de 2023 deverão incluir mais municípios com unidades de compostagem em ativo, mas resta saber também os quantitativos efetivamente tratados.

Todavia, é importante ressaltar que há outros municípios que estão a realizar um trabalho muito relevante nesta área, até porque numa fase inicial todos trabalham numa ótica de implementar, aprender com os erros, e depois melhorar o sistema. Temos também alguns municípios do interior, como é o caso de Fornos de Algodres, onde a aposta pela compostagem comunitária, suportada pela recolha porta-a-porta dos biorresíduos (não havendo, portanto, entrega direta pelos cidadãos) tem um impacto maior, reduzindo custos de viagens (viaturas pesadas) até a central de triagem, evitando a deposição em aterro de matéria orgânica, e evitando emissões de CO2 (transporte e gestão dos resíduos) e metano (degradação em aterro).

Ao nível da compostagem doméstica, o que é preciso fazer para que os portugueses adiram mais?

Creio que não vale a pena gastar muitas palavras em explicar a importância da compostagem comunitária, principalmente em zonas de baixa densidade populacional, e afastadas dos grandes núcleos urbanos. É necessário começarmos a refletir sobre quais são as motivações que levam os cidadãos a não aderirem à separação dos biorresíduos (seja para compostagem, ou para recolha).

O foco deverá ser na fração resto. Se continua a ser fácil e barato entregar os resíduos misturados no contentor do indiferenciado, não há incentivos para as pessoas criarem mais um fluxo de resíduos a gerir nas suas habitações. Deverá haver uma mudança de paradigma muito clara, sempre apoiada por campanhas de sensibilização, para que a entrega da fração resto seja residual (no máximo 2 vezes por semana) e com custos associados, enquanto a fração orgânica beneficiará de incentivos económicos e elevada frequência de recolha (no sistema porta-a-porta) ou acessibilidade generalizada (no caso dos contentores de proximidade).

Um pormenor a não esquecer para que a adesão aumente é fornecer as ferramentas certas para a compostagem, desde o contentor mais adequado para as cozinhas, até à entrega de material estruturante para evitar odores e presença de animais indesejados.

Na próxima segunda-feira (6 de maio), a ZERO organiza um webinar sobre compostagem descentralizada, com a presença do especialista Pedro Carteiro, que vai apresentar “3 lições chave para o sucesso da compostagem descentralizada/doméstica e comunitária”. Que lições poderão ser essas?

No fundo, queremos mostrar que a compostagem descentralizada não nos deve assustar, sendo um processo simples e natural, mas que ao mesmo tempo requer de alguns condicionantes. É importante desmistificar o processo de compostagem que, a decorrer normalmente (em termos de temperatura, humidade, material estruturante) não deverá trazer problemas nem causar incómodos à população. A ZERO tem vindo a defender o tratamento na origem dos biorresíduos, mas também entendemos que existem umas condições a respeitar, e queremos mostrá-las a quem assistirá ao webinar para tomar depois uma decisão consciente sobre como implementar a compostagem no seu concelho, na sua empresa ou na sua instituição.

Como está Portugal em matéria de compostagem, comparativamente com os outros países europeus?

Gostaria de terminar com uma nota positiva. Não querendo entrar em pormenores de como se encontra Portugal em matéria de compostagem, os municípios têm ao dispor todas as ferramentas das quais precisam para desenvolver a compostagem descentralizada como método complementar e melhorar sensivelmente os resultados atuais.

Primeiro, já se encontra disponível online o documento “REGRAS GERAIS, Compostagem comunitária de biorresíduos urbanos”, elaborado pela APA, e que já se encontra em vigor. Segundo, a implementação das medidas que os municípios colocaram nos PAPERSUs terá um claro efeito sobre a gestão dos biorresíduos, sempre que haja vontade política e apoio técnico, seja interno ou externo. E, terceiro, é fundamental que os municípios procurem apoio externo, seja para capacitação técnica, para desenho e dimensionamento do sistema, para operacionalização do mesmo, ou para externalizar a operação completa, às empresas ou profissionais individuais que apoiam este tipo de iniciativas.