Riscos e oportunidades, regulamentação e transparência, sustentabilidade e inclusão. Para Arlindo Oliveira, presidente do INESC e um dos maiores especialistas nacionais em Inteligência Artificial (IA), ela pode ser usada para o bem ou para o mal, mas são mais os benefícios que traz. Incluindo para as cidades, que diz terem muito a ganhar com o recurso à tecnologia na gestão urbana. Embora admita que o nível de inteligência de uma cidade venha a ser medido pelos dados que processa, também lembra que as smart cities são muito mais do que isso. E alerta que, apesar de todos os avanços tecnológicos, nunca devem deixar de priorizar os valores humanos.

Sendo a Inteligência Artificial (IA) uma tecnologia disruptiva, com grande impacto no futuro das sociedades, qual é a melhor forma de encontrar um ponto de equilíbrio entre os riscos e as vantagens que acarreta?
Como todas as tecnologias, a IA pode ser usada para o bem ou para o mal. O desenvolvimento de tecnologias mais robustas e poderosas, associado à criação de legislação que a enquadre, parece-me ser a melhor forma de garantir que as vantagens superam as desvantagens do uso da tecnologia.
Geoffrey Hinton, um dos pioneiros da Inteligência Artificial, defendeu que esta tecnologia pode representar uma ameaça mais urgente para a humanidade do que as alterações climáticas. O que leva vários especialistas, como ele, a alertarem para os riscos da IA?
A comunidade encontra-se algo dividida, de facto, mas a maioria dos investigadores da área não está de acordo com o Geoffrey Hinton, cuja avaliação da maturidade da tecnologia é considerada, pela maior parte dos especialistas, como muito otimista. Os resultados, por vezes surpreendentes, dos grandes modelos de linguagem, levaram os não especialistas, e alguns dos especialistas, a admitir que estamos mais perto da IA geral do que era expectável há alguns anos, mas essa não é uma oportunidade partilhada pela maioria da comunidade.
Quais os principais desafios e mais-valias que a Inteligência Artificial traz às cidades e aos territórios?
A análise de dados é uma tecnologia madura, que não mudou muito nos últimos anos, exceto na componente de análise de fotos e vídeos. As tecnologias tradicionais de análise de dados podem ser usadas para fazer uma gestão mais eficiente dos recursos urbanos, incluindo a otimização de sistemas de transporte, o fornecimento de energia, a gestão de resíduos, a mobilidade sustentável, a segurança pública e a sustentabilidade ambiental.
Como poderão as cidades assegurar uma implementação responsável e ética da Inteligência Artificial?
Através de regulamentação, transparência, educação pública e avaliação de impacto das tecnologias aplicadas.
Chegará o dia em que o nível de inteligência de uma cidade será medido, sobretudo, pela quantidade de dados que consegue tratar e pela Inteligência Artificial que incorpora?
É possível que o nível de inteligência de uma cidade seja medido, em parte, pela quantidade de dados que processa e pela IA que utiliza, à medida que a tecnologia avança. No entanto, outros fatores, como qualidade de vida, sustentabilidade e inclusão, também desempenharão papéis importantes na avaliação da inteligência de uma cidade.
Que tendências se perspetivam em matéria de inteligência urbana?
A busca por cidades mais sustentáveis, com foco na redução de emissões de carbono, energia limpa e transporte público eficiente; a incorporação de IA em sistemas urbanos para melhorar a gestão de tráfego, segurança, serviços públicos e tomada de decisões; expansão das redes IoT para coletar dados em tempo real sobre infraestrutura urbana, tráfego, poluição e muito mais; crescimento de soluções de mobilidade compartilhada, como carros autónomos, bicicletas elétricas e micromobilidade; maior envolvimento dos cidadãos nas decisões urbanas por meio de aplicativos, consultas públicas e ferramentas digitais; aumento da atenção à proteção de dados e questões éticas na coleta e uso de informações pessoais; adoção de práticas sustentáveis, como reciclagem e reutilização de recursos urbanos.
“Apesar do avanço da tecnologia, é crucial que as cidades priorizem as necessidades e valores humanos ao implementar de soluções de inteligência artificial e tecnologia urbana”
Apesar da importância que a Inteligência Artificial pode assumir para os territórios, o maior desafio para a construção das cidades inteligentes será sempre o ser humano?
Sim, o ser humano continua a ser o maior desafio na construção das cidades inteligentes. A aceitação da tecnologia, questões éticas, privacidade e inclusão são aspetos fundamentais que dependem do comportamento e das decisões humanas. Além disso, a colaboração entre os cidadãos, líderes municipais e outros stakeholders é essencial para o sucesso das cidades inteligentes. Portanto, apesar do avanço da tecnologia, é crucial que as cidades priorizem as necessidades e valores humanos ao implementar de soluções de inteligência artificial e tecnologia urbana.
Já há ou alguma vez haverá algum tipo de humanidade na Inteligência Artificial?
A Inteligência Artificial atual, incluindo as formas mais avançadas, não possui humanidade no sentido de consciência, emoção ou subjetividade. A IA é uma tecnologia baseada em algoritmos e dados, capaz de executar tarefas específicas de forma eficiente, mas não possui compreensão, intenção ou sentimentos como um ser humano. Mesmo com avanços futuros na IA, a questão da “humanidade” na IA implica complexas questões filosóficas e envolve desafios éticos e científicos significativos que estão longe de serem resolvidos.
Existe o risco de as máquinas alguma vez assumirem o controlo das decisões e, inclusivamente, anularem o efeito “botão vermelho” (desligar das máquinas) que muitos defendem ser a última fronteira na relação Homem-máquina?
O cenário em que as máquinas assumem o controle total das decisões, anulando a capacidade de desligá-las (desligando o “botão vermelho”), é uma preocupação levantada por alguns filósofos e escritores, mas não é um assunto central nas atuais atividades de desenvolvimento de Inteligência Artificial. Esta situação é muitas vezes referida como “singularidade tecnológica” ou “superinteligência”. No entanto, é importante observar que essa é uma preocupação puramente teórica e especulativa face ao atual estado da tecnologia.
Dar a volta ao mundo para fazer as máquinas aprenderem
Nasceu em Angola, mas foi no Montijo que Arlindo Oliveira passou boa parte da juventude e tomou a decisão de ir estudar para o Instituto Superior Técnico, que diz ser a instituição mais importante da sua vida. Afinal, foi lá que se licenciou, começou a dar aulas e tornou-se investigador, num percurso repleto de boas memórias que também inclui a presidência do IST.
Personalidade de horizontes largos e curiosidade refinada, correu o mundo para aprender e transmitir conhecimento, embora garanta que aprende mais com os alunos do que estes aprendem com ele. Viveu vários anos nos Estados Unidos, onde fez o doutoramento (Universidade de Berkeley) e foi professor visitante do MIT, também deu aulas no Japão (Universidade de Tóquio) e ainda fez investigação no CERN, da Suíça.
Hoje é presidente da INESC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores e tem três livros publicados, entre eles “Inteligência Artificial”, onde reflete sobre as consequências do desenvolvimento da IA e aborda a relação desta com a inteligência humana. Publicou também mais de 150 artigos científicos, muitos deles dedicados às temáticas dos algoritmos, bioinformática, arquitetura de computadores e a uma ideia essencial que há muito o fascina: como fazer as máquinas aprenderem a partir da experiência.
Fotografias: © Instituto Superior Técnico
Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 41 da Smart Cities – Outubro/Novembro/Dezembro 2023.