Numa semana em que se assinala o Dia da Criança e em que os direitos das crianças estão na ordem do dia, Ana Justino dá a conhecer o ProChild CoLAB, uma associação sem fins lucrativos que se dedica ao combate à pobreza e exclusão social na infância. Numa entrevista à Smart Cities, a directora executiva deste laboratório colaborativo, sediado em Guimarães, reflecte ainda sobre o papel que as tecnologias digitais, bem como os municípios, podem desempenhar neste desígnio.
Em 2020, 21,9% das crianças em Portugal estavam em risco de pobreza ou exclusão social. Este dado, avançado pela Comissão Europeia, alerta para uma realidade que coloca estas crianças numa situação de maior vulnerabilidade e de risco para o bem-estar presente e futuro. É perante este contexto que o ProChild CoLAB traça a sua ambição de “ser a entidade nacional de referência no desenvolvimento de soluções integradas e efectivas que permitam promover o desenvolvimento da criança, o seu bem-estar e contribuir para políticas públicas de defesa dos seus direitos”, refere Ana Justino.
Classificado como laboratório colaborativo, o ProChild CoLAB trava a batalha contra a pobreza e a exclusão social na infância através de uma “abordagem científica transdisciplinar que articula o sector público e o sector privado e vincula académicos e profissionais no terreno”, num intercâmbio academia-indústria capaz de “criar valor económico e social“. Como explica a responsável, esta visão atravessa toda a esfera de actuação do CoLAB, desde a identificação de dificuldades e necessidades das crianças, até aos processos de desenvolvimento, implementação, avaliação e validação de projectos científicos de “investigação-acção” e de programas e modelos de intervenção, produtos e serviços.
Todo este trabalho assenta na interligação de duas frentes: a intervenção social e o desenvolvimento tecnológico. Na primeira, o ProChild CoLAB procura congregar algumas das “respostas fragmentadas” da sociedade, actuando em torno de quatro eixos – saúde e bem-estar, desenvolvimento e educação, protecção, participação social. Na segunda frente, a iniciativa aposta nos eixos das nanotecnologias, aplicadas à saúde infantil, e das tecnologias digitais, por exemplo, com um projecto de machine learning para o matching na adopção de crianças na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Tecnologias digitais como “factor diferenciador”
Apesar do impulso digital alavancado pela pandemia de Covid-19, Ana Justino salienta que, na área social, ainda há muito trabalho pela frente. “Há uma carência de digitalização de processos e de sistemas na área social. Em particular, o combate à pobreza e exclusão social na infância é parco em desenvolvimento tecnológico e inovação” e isto, realça, levanta duas questões. Por um lado, condiciona a capacidade de escalar projectos e processos e, por outro, dificulta o acesso a informação, que, sendo recolhida por inúmeras entidades, está “pulverizada” e não se encontra sistematizada nem integrada.
Em linha com o carácter tecnológico dos laboratórios colaborativos, a aposta neste eixo das tecnologias digitais surge, assim, como “o casamento perfeito para uma missão como a do ProChild CoLAB”. Nas palavras de Ana Justino, para além de “ser um factor diferenciador de actuação” e facilitador da “criação de valor”, ajuda a promover a transformação digital nesta área e a colmatar o desafio de conhecer a realidade da criança em Portugal.
“Procuramos, em conjunto com os nossos associados e parceiros, desenvolver um repositório big data, capaz de integrar, processar e armazenar dados de fontes distintas que toquem a realidade da criança, apoiado em modelos inovadores de interoperabilidade de dados, e possibilitar a sua visualização e disponibilização através do nosso observatório [ProChild Data]”, descreve a directora. Esses dados ajudarão a desenhar “políticas públicas mais coerentes e orientadas para a criança” e a desenvolver “modelos de intervenção mais eficazes e integrados no apoio às crianças e às suas famílias”.
Municípios são “peças-chave”
Actualmente, entre os 16 associados – nove académicos e sete não académicos – do ProChild CoLAB, encontra-se a câmara municipal de Guimarães. Ao acolher também a sede da associação, a cidade-berço de Portugal é o território escolhido para desenvolver “muitos dos projectos-piloto”. É o caso do Moving Kids, um brinquedo desenvolvido em colaboração com a empresa Science4You com destino às cerca de duas mil crianças do 4.º ano do ensino escolar público vimaranense.
Este brinquedo físico, conceptualizado com bases científicas, integra um conjunto de cartões destacáveis que permite a construção, quer de elementos cénicos de espaços não qualificados de Guimarães, quer de veículos que complementam os cenários, e três contos inéditos do escritor infanto-juvenil Pedro Seromenho. A partir dele, as crianças são incentivadas a brincarem nos espaços e a interagirem com eles, estimulando a criatividade, a ludicidade e a imaginação. Em última análise, o Moving Kids permite às crianças reconstruir o espaço, requalificando-o como “um espaço de brincar, à sua imagem e para todos, o que potencia a inclusão”.
“É um bom exemplo de como os municípios podem interagir com empresas e com a academia, e do ADN colaborativo do ProChild CoLAB”, sublinha a directora, acrescentando que os projectos desenvolvidos são personalizados aos territórios, consoante as prioridades e as características locais.
Neste sentido, aponta também para o exemplo dos projectos enquadrados na metodologia Território de Aprendizagem, alguns dos quais desenvolvidos em Pevidém, uma zona de Guimarães “fortemente afectada por múltiplas crises na indústria têxtil, situações cíclicas de desemprego e elevados níveis de emigração”. No âmbito desta metodologia, que perspectiva o território como espaço comum que “pode e deve ser educativo, favorecer as aprendizagens e promover a cidadania e o bem-estar das crianças”, Ana Justino indica que a acção do ProChild CoLAB incide não só no interior das escolas, mas ao seu redor.
Realçando que “todos [os municípios] têm agendas associadas à missão do ProChild” e que “é na intervenção local e na interacção com as comunidades locais que os projectos acontecem”, Ana Justino acredita que estes actores são uma das “peças-chave” da sociedade para, “através de medidas activas de políticas públicas e locais e de acções concretas”, se quebrarem ciclos de pobreza e exclusão social na infância.