Depois da experiência do confinamento, na qual o ensino à distância ganhou relevância, o ano lectivo começa agora com muitas incertezas. Apesar do receio da pandemia, em todo o país, as escolas retomam o ensino presencial, mas nem por isso se coloca de lado o potencial de soluções digitais para maximizar aquilo que se aprende na sala de aula. A recém lançada plataforma BeeFluent da Teckies é uma das opções disponíveis. Patrick Götz, fundador e CEO desta start-up, explica em que medida a ferramenta pode ajudar alunos e professores a recuperar o tempo perdido.

Como funciona, na prática, a plataforma BeeFluent?

A BeeFluent é uma plataforma web based que permite ajudar as crianças com dificuldades na leitura a evoluir na aprendizagem, treinando de forma individualizada. Disponível para alunos e professores, a solução pode ser acedida através de qualquer dispositivo que disponha de um browser. Todo o processo de aprendizagem decorre em sete passos até que um exercício de leitura fique concluído pelo aluno: primeiro, o professor escreve um texto que considere adequado à capacidade de leitura do aluno. De seguida, o docente grava a leitura correcta do excerto e sincroniza o som e o texto, terminando com o envio do ficheiro para o aluno. Este, depois de ouvir o áudio que recebeu, treina a mesma leitura as vezes de que necessitar e, quando estiver satisfeito com o resultado, envia-o para o professor para que este possa avaliar e dar feedback, permitindo que, num próximo exercício, o aluno conheça os pontos a melhorar.

A plataforma surge na sequência dos efeitos da pandemia no ensino à distância ou já estava pensado anteriormente?

A plataforma já tinha sido pensada pela Teckies, mesmo antes da pandemia, uma vez que sempre existiram dificuldades relacionadas com a aprendizagem e a leitura e, até agora, não existia uma solução de génese nacional que ajudasse os alunos a resolver esta problemática de forma individualizada, uma vez que todo ensino é feito “igual para todos”. No entanto, e devido a todas as alterações que a situação pandémica veio trazer à educação, considerámos este o momento ideal para o seu lançamento, reforçando os mecanismos de aprendizagem em casa e através de ferramentas on-line. Apesar de possibilitar o ensino à distância, permitir que a aprendizagem da leitura não fique exclusivamente dependente das aulas, algo ainda mais importante no momento actual.

Como serão feitos os acessos à ferramenta para alunos e professores e aos conteúdos?

Existem várias formas de os alunos e professores terem acesso à plataforma. Primeiramente, a licença de utilização pode ser adquirida pelas próprias escolas ou agrupamentos – ou por municípios – que poderão, assim, levar esta funcionalidade a toda a sua rede de alunos e professores, tanto para eliminar dificuldades de leitura como para melhorar as habilidades linguísticas, independentemente dos ciclos de ensino que leccionam. Funcionando como uma ferramenta de apoio, a BeeFluent pode ainda ser adquirida pelos próprios professores ou explicadores que já dão aulas, por serem quem melhor conhece os seus alunos. Autonomamente, estes profissionais podem ter na aplicação um número limite de cinco estudantes, o que promove uma relação e contacto ainda mais próximos entre ambos. Os professores criam os seus próprios conteúdos adequados para os alunos. Estes poderão ser partilhados com outros professores de agrupamentos ou abertos consoante o que o professor criador quiser. À medida que o número de utilizadores for crescendo e as actividades forem sendo acrescentadas, a biblioteca poderá ser consultada pelos professores.

Qual será o papel dos professores? E os pais – têm aqui alguma missão?

A plataforma é apenas a ponte entre o aluno e o professor, uma vez que estes últimos são os únicos habilitados a ensinar. O objectivo é que estes, presencialmente ou à distância, pensem e tracem planos de leitura à medida de cada criança, definindo os exercícios a realizar. Depois, dão feedback e avaliam os trabalhos entregues, estando presentes durante toda a experiência na BeeFluent, de forma a garantir que esta é utilizada da forma mais correcta pelo aluno.  Como a BeeFluent funciona on-line e através de dispositivos electrónicos acessíveis a todos, o estudante pode trabalhar em casa, o que possibilita que os seus pais façam também parte do processo. A missão dos pais passa por acompanhar a evolução da criança e garantir que cumpre com o plano delineado pelo professor, apoio este que já ocorre em contexto de ensino presencial. Caso a escola dos seus educandos não esteja inscrita no BeeFluent, mas sim o seu professor ou explicador, é possível que os pais façam a inscrição dos seus filhos de forma particular.

De que forma a ferramenta se adequa às diferentes necessidades dos alunos (por exemplo, com necessidades educativas especiais)?

Desenvolvemos a aplicação para que o seu funcionamento seja adaptável a cada aluno, o que faz com que não haja experiências iguais entre as crianças e com que cada desafio possa ser o mais inclusivo possível. Primeiramente, é possível criar exercícios que sejam pensados para necessidades e objectivos específicos do aluno: nesta plataforma, não existe um exercício padrão. A isto, alia-se uma avaliação também individualizada, uma vez que ao professor só lhe é permitido dar feedback particularmente, sem avaliações automáticas ou generalizadas. Diferente do que acontece nas salas de aulas, em que um mesmo professor divide a sua atenção pelos vários alunos, no BeeFluent é investido mais tempo em cada criança, não atrasando o andamento da aula e do resto da turma, o que promove também uma evolução mais rápida, através de um processo de aprendizagem contínuo e autónomo. Estas mais-valias são ainda mais relevantes para alunos com necessidades educativas especiais, como dislexia. Nestas situações, o professor será aquele que habitualmente já os acompanha, tendo por isso as suas necessidades e especificidades em conta durante todo o processo, desde o momento da criação dos exercícios à avaliação, assegurando também todo o diálogo com o aluno.

Acredito que todo o paradigma da Educação vai transformar-se, com uma mudança drástica, onde teremos, por exemplo, uma obrigatoriedade de ter um tablet (ou outro instrumento) por aluno em vez dos habituais livros escolares.

O acesso às tecnologias é ainda um entrave para muitos alunos que, em situações como a que vivemos nestes meses, se viram condicionados e até impedidos de aceder ao ensino à distância. Como uma start-up, como a Teckies pode ajudar a contrariar esse fenómeno?

A exclusão tecnológica dos alunos portugueses já era, e continua a ser, um problema nacional, mesmo antes da pandemia, mas tem vindo a tornar-se cada vez mais impeditiva, devido às abruptas alterações no ensino e às consequentes novas exigências a professores e alunos. Na Teckies, temos como um dos objectivos levar a robótica e a tecnologia a todos os alunos, independentemente de terem acesso a computadores e outros dispositivos. Neste sentido, sempre que vamos a uma escola desenvolver uma acção, fazemos o trabalho prévio de perceber se esse estabelecimento tem computadores ou materiais informáticos para todos os alunos que nos permitam realizar a actividade. Caso isso não se verifique, colmatamos essa lacuna com a disponibilização de material próprio da Teckies, de forma a que ninguém fique de fora e todos possam aprender robótica e contactar com novas tecnologias, sem que haja diferenciação. A isto, alia-se o facto de trabalharmos cada vez mais para que todas as nossas soluções estejam disponíveis em diferentes formatos, desde computador a um simples telemóvel e até off-line. Para já, o Beefluent só vai funcionar on-line, mas no futuro pretendemos ter uma app off-line.  Acreditamos que existem mesmo princípios tecnológicos que podem, numa primeira fase, ser partilhados sem recorrer à internet.

Como vê a evolução da adopção de novas tecnologias e robótica no ensino em Portugal no futuro próximo?

Considero que a tecnologia e a robótica, nos próximos anos, irão entrar cada vez mais na educação, ajudando e facilitando os vários processos de ensino e o trabalho dos professores, que já se estão a adaptar lentamente a estas novas soluções, mas também ter um contributo positivo na aprendizagem dos alunos. No entanto, serão apenas um complemento ao actual sistema de ensino: as máquinas não vão substituir professores, mas vão agilizar o seu trabalho. Todavia, sem dúvida de que os professores com skills tecnológicas vão substituir professores que não as tenham. Acredito que todo o paradigma da Educação vai transformar-se, com uma mudança drástica, onde teremos, por exemplo, uma obrigatoriedade de ter um tablet (ou outro instrumento) por aluno em vez dos habituais livros escolares. Neste cenário, os materiais de ensino seriam criados pelos professores, que teriam um papel mais participativo nos manuais e estariam nas plataformas digitais. Relativamente à avaliação, vejo, na inteligência artificial, o futuro, ao permitir tirar conclusões muito mais detalhadas e individuais sobre os alunos. Além disso, ajudará os alunos no estudo, por exemplo, através de chatbots que possam simular perguntas. Nas próximas décadas, se tudo correr bem e estas renovações se verificarem, os jovens vão sair do sistema educativo com todas as ferramentas e competências necessárias para ter sucesso no seu futuro.