Nos últimos anos, a NOS tem vindo a reforçar a sua posição como um dos principais agentes do mercado nacional de inteligência urbana. Foi parceiro estratégico do Portugal Smart Cities Summit (PSCS), que decorreu em Outubro passado, e, nas palavras de João Ricardo Moreira, administrador da NOS Comunicações, a operadora assume hoje os papéis de “curador, agregador e integrador” de soluções tecnológicas junto dos municípios portugueses, encarando como “um dever” o fomento da adopção das tecnologias. Numa realidade tão assimétrica como a portuguesa, a “gestão activa” das diferenças será fundamental para termos cidades mais inteligentes, considera o responsável, sendo que a administração pública será um dos sectores que mais beneficiará da disrupção trazida pelo 5G.
O crescimento do mercado nacional das smart cities tem sido acompanhado pelo crescimento da NOS neste sector. Qual é o vosso posicionamento?
Tomo a pergunta quase como um elogio, na medida em que nos posicionamos como quem quer criar precisamente este mercado. [Enquanto operador] Temos uma vocação democrática e transversal, já que os operadores de comunicações são aqueles que têm de chegar a todos os portugueses e a todo o país. Somos agnósticos às utilizações que se possam fazer das redes e das comunicações e, de alguma forma, temos uma posição privilegiada para poder servir de curador, agregador e integrador de uma solução de smart cities.
Em que medida?
Curador, porque estamos constantemente atentos à tecnologia e a avaliar parceiros e soluções. Temos muitas referências nacionais e internacionais e [por isso] estamos numa posição de poder recomendar as que consideramos melhores, mais fiáveis, mais económicas ou com melhor performance, dependendo também dos requisitos que os nossos clientes nos colocam. Agregador, porque uma solução isolada dificilmente dará resposta às necessidades; é preciso juntar diferentes tecnologias e soluções e ter a capacidade de agregá-las num conjunto que faça sentido. Finalmente, temos o papel de integrador, porque, mais do que só fazermos o trabalho de apontar direcções tecnológicas, colocamo-nos na posição de desenhar as soluções técnicas e de implementá-las e geri-las no terreno.
Quem tem este tipo de funções muito transversais, e diria também muito completas, acaba por ter um dever acrescido de cidadania, [um sentido de] orgulho de vivermos e de trabalharmos neste país. Por isso, sentimos o dever de fomentar a adopção dessas mesmas tecnologias em nome de que serão boas para os municípios, para a gestão dos territórios e, em última instância, para as pessoas, seja enquanto cidadãos, seja enquanto consumidores.
Uma vez que os municípios têm sido os motores deste sector, assumir esses papéis foi intencional e estratégico ou foi o mercado que assim acabou por determinar?
Temos a visão de longo prazo – que já tem vários anos e na qual temos sido muito consistentes – de acreditar que falta, à gestão das cidades, um conjunto de tecnologias baseadas na sensorização e na produção de informação que possa, depois, ser usada para processos de [tomada de] decisão baseada em dados. Sentimos também o dever pedagógico de mostrar aos outros o potencial que as diferentes tecnologias têm. Talvez um exemplo disso seja o facto de nos termos colocado do lado de quem mostra a todos o potencial do 5G e que este não é só uma tecnologia que funciona em laboratório, mas que, aplicada ao contexto de uma escola, de um porto, de um estádio ou de uma fábrica, acrescenta valor não por si só, mas na medida em que é a base de suporte de um conjunto de soluções.
Sempre tentámos alargar horizontes e promover a adopção dessas mesmas tecnologias, mas, em última instância, são os municípios os decisores. Temos de ter noção de que são eles que têm de tirar o máximo partido dos recursos disponíveis, de gerir um orçamento, de tomar decisões que politicamente façam sentido a cada momento, pelo que não me espanta que sejam os municípios os responsáveis pelo avanço efectivo das coisas – o que também não é incompatível com o facto de alguns players terem antecipado alguns desses ganhos. Foi esse o nosso papel, que assumimos com gosto e que continuamos a assumir.
O que preocupa mais, neste momento, os municípios portugueses?
A gestão de recursos é seguramente um dos grandes temas. [Depois de] Um ano [2022] em que tivemos uma seca extrema, naturalmente que a água está na ordem do dia, mas a [preocupação com a] gestão deste recurso é algo que vai ter de estar presente nos próximos anos. E quem diz a gestão da água diz também a gestão da energia, que tem uma relevância particular no ano em que vivemos. A gestão da energia não é um “nice to have” ou algo que, se for conseguido, é bom; é, sim, uma necessidade.
A pressão que os custos da energia colocam sobre os orçamentos dos municípios faz com que se tenha mesmo de tomar decisões, muitas das quais implicam soluções que têm tecnologia para gerir a energia de forma a não gastar recursos desnecessários no consumo de um recurso que tem os preços unitários com oscilações muito significativas.
Além da gestão de recursos, há outro bloco que, dependendo do município, também [se impõe]: a mobilidade. Este tema é absolutamente central para os municípios mais urbanos, mas diria que, de forma generalizada, perceber os padrões de mobilidade é fundamental para conseguir planear a localização de equipamentos municipais, para perceber o tipo de utilização dos espaços, etc. Depois, há áreas como a gestão de resíduos e a melhoria da eficiência dos serviços operacionais que uma câmara presta aos seus cidadãos – e a resposta para isto está na sensorização.
Não menos importante é a relação com os munícipes, que estão hoje habituados a ter uma interacção digital com todos os serviços e que exigem isso aos serviços municipais. Há uma ligação digital e uma disponibilização do acesso aos serviços de informação, de agendamentos vários, etc., que podem, e devem, ser feitas com recurso às aplicações que estão disponíveis no bolso ou na carteira de qualquer cidadão ou cidadã. A [principal] questão é que a integração disto nas operações de uma cidade precisa de ser feita de forma a não frustrar expectativas. Não me interessa ter um website ou uma aplicação com muito bom aspecto se, depois, os serviços não dão a resposta necessária.
São coisas muito variadas, mas a característica de um município é que este é, de facto, a confluência de diversos sistemas. De certeza que as prioridades diferem de município para município, mas diria que estas áreas são incontornáveis.
Olhando para os projectos no terreno, já passámos a fase dos pilotos?
A resposta é sim, mas, como em tudo, não de forma homogénea em todo o território. Sim, na medida em que vemos projectos de investimento que, pela sua dimensão e pelo seu horizonte temporal, já são “a sério”; são projectos a cinco ou dez anos e na casa dos milhões de euros. Já não podemos chamar a isto um piloto. Em contraponto, há uma heterogeneidade na adopção [das soluções]; há aqueles que vão mais à frente, que passaram essa fase e que estão, de facto, a investir em soluções mais duradouras, e há aqueles que ainda estão a validar hipóteses, conceitos e a testar soluções tecnológicas.
A falta de competências tecnológicas faz parte das fragilidades dos municípios. A NOS presta algum apoio nesta matéria?
Sim, [mas] depende de como se olha para essas fragilidades. Do que conheço dos municípios e dos decisores, quer políticos quer técnicos, estes estão preparados para avaliar e decidir sobre soluções. Podem não ser especializados ou ter os conhecimentos técnicos mais aprofundados das diferentes áreas – nem é suposto que assim seja – mas vejo neles capacidades, e não uma lacuna.
Onde vejo, sim, uma lacuna é no facto de que pode não haver um dimensionamento suficiente das equipas técnicas para implementar qualquer tipo de soluções. Mas [isso] seria usar mal os recursos que estão disponíveis no mercado, porque há um sem-número de parceiros – e falo de parceiros tecnológicos que têm escala global, nacional e local –, que, no seu conjunto de competências, têm seguramente a capacidade para ajudar a implementar as soluções. Vejo isso como uma oportunidade de tirar partido de um mercado que, felizmente, existe.
“Temos um conjunto de condições únicas para que o agora possa ser o momento de agir. Para chegarmos ao ponto que falta, são precisas decisões – de política pública e de política pública local –, mas estão reunidas as condições de maturidade quer da tecnologia, quer dos parceiros, e o conhecimento (…).”
Aguardamos a publicação de uma estratégia nacional de smart cities. Quais são as vossas expectativas para o documento e o que era imprescindível que este visasse?
Um documento que tenda a recolher as melhores práticas e a identificar algumas referências que ajudem os municípios mais atrasados a ganhar tempo, na medida em que não precisem de fazer investigação individual, maturada, sobre todos os temas, e que, no fundo, tire partido da experiência dos que vão mais à frente e partilhe com aqueles que vão mais atrás é algo de valor, sempre. Há uma enorme heterogeneidade na realidade dos municípios, portanto, dificilmente haverá uma estratégia nacional que dê resposta, como uma receita única, a todas as necessidades.
Se for um documento que crie algumas boas práticas e diretrizes, mas que mantenha a capacidade de decisão dos decisores políticos locais para a sua realidade, penso que teremos seguramente um ganho. Se, no âmbito da elaboração de um documento desses, começarmos a ter uma perspectiva mais centralista, definindo, a partir de um único ponto, uma perspectiva para 308 municípios, diria que não estaremos a fazer um tão bom serviço no sentido da aceleração da adopção do espírito e de arquitetura que as smart cities trazem.
Por várias vezes já ouvimos membros do Governo falar no desígnio de ter uma “nação inteligente”. Essa visão à escala nacional pode dificultar o trajecto para cidades com tantas diferenças?
O conceito da coesão territorial espelha precisamente esse desafio. Um país que se desenvolve de forma assimétrica será um país melhor se corrigir algumas dessas assimetrias e se criar algum reequilíbrio das forças que existem na gestão do território. Nas smart cities, é igual. Há municípios que estão claramente mais à frente, têm uma visão mais integrada, já fizeram mais caminho de avaliação e de implementação de soluções. A forma de corrigir estas assimetrias não é tanto atrasando os mais avançados, mas acelerando os que estão mais para trás.
Tudo o que se possa fazer no sentido de aprender com os que vão à frente, nomeadamente em termos de disponibilizar incentivos financeiros que permitam queimar etapas, de produzir informação técnica que faça com que os municípios não tenham de investigar por sua conta, vai contribuir para um desenvolvimento mais harmonioso [das smart cities no território].
A visão de um país inteligente, na verdade, não é a soma de municípios inteligentes. É mais do que isso; é, acima de tudo, assumir que as cidades são diferentes e [há que] tirar o máximo partido dessa diferença. Quando nós tendemos a querer criar uma estratégia única, monolítica, tendemos a achar que somos mais rápidos a fazê-lo, mas seremos surpreendidos com muitas realidades em Portugal de municípios que vão mais à frente em vários aspectos – talvez nenhum deles em tudo, mas há muitos que se destacam em várias coisas. Em vez de optar por uma estratégia monolítica e centralizada, tirar o máximo partido das experiências de quem já vai mais à frente vai fazer com que os que estão mais atrás possam aprender mais rápido. Acredito que é a gestão activa destas diferenças que nos fará andar mais rápido.
Que barreiras existem hoje ao sector que são, efectivamente, entraves a territórios mais inteligentes?
Temos um conjunto de condições únicas para que o agora possa ser o momento de agir. Para chegarmos ao ponto que falta, são precisas decisões – de política pública e de política pública local –, mas estão reunidas as condições de maturidade quer da tecnologia, quer dos parceiros, e o conhecimento sobre o potencial das tecnologias, os modelos de negócio, os ganhos potenciais, tanto do ponto de vista económico, como em termos de qualidade de vida dos cidadãos.
Muitas destas coisas são conhecidas, [embora] não de forma igual em todos os municípios. O que falta então? Podemos dizer que falta investimento público, mas sabemos que existem actualmente instrumentos de financiamento público nunca vistos, nomeadamente com financiamento europeu cuja escala anula completamente essa barreira.
E que estão muito direccionados para estas áreas, tanto da transição digital, como da transição ecológica.
Estão totalmente alinhados com os objectivos de sustentabilidade e de transição digital, que, se pensarmos, são outras palavras para dizer smart city. Portanto, não é o financiamento público que é uma barreira; o que falta é o sentido de urgência de que é este o momento para avançar, para capitalizar todo o conhecimento acumulado e avançar com mais escala para ter mais impacto e para que este possa ser sentido pelos cidadãos. No fundo, [trata-se de] criar todo um círculo virtuoso de adopção da tecnologia.
Como olham para o futuro próximo?
A nossa perspectiva é muito optimista. O 5G ajuda-nos a achar que há uma inflexão e que há condições, do ponto de vista tecnológico, para que determinadas coisas tenham uma escala que provavelmente não poderiam ter há dez anos.
O 5G não fará tudo, mas garante uma estrutura com segurança e resiliência para que todas as soluções funcionem. O 5G quebra uma era. [No futuro,] Vamos olhar para trás e dizer “foi isto que o 5G trouxe” – não directamente, mas na medida em que permite que muitas outras coisas sejam possíveis.
Estamos, de facto, muito optimistas, com a noção realista do que é o país, das suas limitações e das barreiras que possam existir, mas [confiantes de] que estão reunidas as condições dos pontos de vista tecnológico, de financiamento e de consciência pública para que objectivos como a transição digital e a sustentabilidade se atinjam com alguma disrupção e algum investimento em tecnologia.
Em que áreas é que essa grande transformação trazida pelo 5G vai ser mais evidente?
Temos feito questão de demonstrar que o 5G é aplicável às mais diversas realidades. Se olharmos para as tendências que alguns consultores mundiais antecipam, o sector da indústria é apontado como um dos que terá mais potencial. Não por acaso, a administração pública, nomeadamente a local e o ecossistema das smart cities, é outra das áreas onde o 5G pode ter mais impacto, mas [não só]. Há um sem-número de sectores onde a tecnologia pode ter impacto.
Vamos sentir a mudança?
Sim, e senti-la-emos provavelmente não na relação entre o operador e o cliente residencial, mas nas do consumidor e do cidadão perante os serviços que as empresas e a administração pública lhes prestam. Esse é, talvez, um dos segredos [para compreender o futuro]: perceber que há muita coisa a acontecer no 5G, mas que, à dissemelhança do que aconteceu com o 3G ou 4G, em que, enquanto consumidores, vimos as coisas a acontecerem a partir do telemóvel e dos serviços que o operador nos prestava, desta vez, veremos muito provavelmente este impacto a surgir dos serviços que as empresas nos prestam.
O operador tem, por um lado, uma omnipresença, mas, por outro, é invisível. [Nós, operadores,] Estamos cá precisamente para garantir que se acrescenta valor, sabendo que o 5G é um enabler e uma plataforma sobre a qual se constrói.
Este artigo foi originalmente publicado na edição de Outubro/Novembro/Dezembro de 2022 da Smart Cities, aqui com as devidas adaptações.