Especialista em políticas urbanas e autor de diversos livros sobre o tema, Stephen Goldsmith esteve em Portugal no início de Novembro para participar no IV Encontro Nacional de Limpeza Urbana. Actualmente, é docente na Harvard’s Kennedy School, onde coordena o programa Data-Smart City Solutions, mas conta, no seu currículo, com a experiência de governação, enquanto mayor de Indianápolis e vice-mayor de Nova Iorque no executivo de Michael Bloomberg. Numa conversa sobre a inteligência urbana, o norte-americano sublinhou a necessidade de “expandir” formas de pensamento para inovar e de, através do uso dos dados, resolver problemas que assolam as cidades.
Há mais de duas décadas que falamos de cidades inteligentes [smart cities]. Já chegámos lá?
Penso que nunca vamos chegar lá. O movimento das smart cities está a amadurecer lentamente, com um longo caminho a percorrer. Cada cidade é diferente, mas há cada vez mais cidades focadas na intersecção entre a analítica, os dados provenientes de sensores e a utilização de dados para impulsionar o desempenho.
Creio que estamos a fazer progressos e a conversa que tivemos neste encontro é importante porque, dentro das áreas da limpeza urbana e da gestão de resíduos, há diferentes componentes, prestadores de serviços, actividades, etc., e a forma mais eficaz de fazer [este trabalho] é usando dados.
Perante os avanços tecnológicos, considera que ainda faz sentido usarmos o termo smart city?
Para dizer a verdade, penso que não. Coordeno um programa de smart data [dados inteligentes], mas não faz realmente muito sentido [manter o uso do termo].
Nos primórdios do e-government [governo eléctrónico], havia um governo e havia um e-government, e chegou-se à conclusão de que isso não fazia sentido, pois todos os governos deviam ser [também] digitais. Porquê, então, diferenciá-los? Nesse sentido, penso que o selo “smart city” ajuda a impulsionar a acção, mas, em última análise, as cidades não deveriam dividir aquilo que fazem entre o que é smart e o que não é.
O conceito tem uma componente corporativa muito forte, o que provoca alguns receios, em particular no contexto europeu. Podemos ter cidades inteligentes sem o sector privado?
Não, não podemos ter uma smart city sem o sector privado, [mas] o governo tem de o controlar – tem de controlar os temas, a segurança, a privacidade, os fins para os quais os dados são usados. As cidades estão por sua conta, não têm acesso suficiente a novas tecnologias e precisam de uma visão alargada da inovação. Uma cidade precisa de comprar tecnologia e inovação, e, depois, precisa de controlar a sua aplicação. Este é um exemplo clássico de uma parceria público-privada.
É reconhecido que as novas tecnologias podem ajudar as cidades a serem mais eficientes no uso de recursos e a cumprirem as metas de sustentabilidade, mas vivemos um momento complexo em termos geopolíticos. A tecnologia torna-nos mais vulneráveis, por exemplo, no que se refere à cibersegurança?
Cada ponto de conectividade representa uma oportunidade para ser hackeado, mas criar uma cidade que não está conectada é perder uma oportunidade de intervir, de resolver um problema. Temos apenas de ser muito realistas sobre quantos mais recursos e conhecimento são precisos para ter redundância, para acabar com os problemas. Nos Estados Unidos da América, e na Europa também, tem havido tantos ataques de ransomware…! E, à medida que vamos tendo mais sensores de IoT (Internet of Things), [embora] saibamos cada vez mais sobre como gerir cidades, o risco vai definitivamente aumentar.
“Temos de expandir o nosso pensamento sobre os activos de que dispomos e sobre como, quando estes são equipados com sensores, por exemplo, podemos tirar ainda mais partido da sua utilização.”
Participou como orador principal no IV Encontro Nacional de Limpeza Urbana. Como é que este sector pode beneficiar do que uma smart city tem para oferecer?
O interessante deste encontro [e da Associação Limpeza Urbana] é que define a sua missão não apenas como “apanhar lixo”, mas, sim, como a economia circular e como juntar as diferentes peças à volta do ambiente. Por isso, parece-me uma óptima forma de dizer “se nos focarmos apenas em recolher o lixo, vamos perder as partes nas quais se alteram os comportamentos dos residentes e as formas como estes usam as embalagens, o modo como as empresas fazem essas embalagens, assim como as partes em que se melhora o funcionamento dos camiões de recolha ou se optimizam as rotas, etc.” É um encontro interessante porque, ao juntar diferentes segmentos, oferece [múltiplas] oportunidades para o uso de dados.
O sector pode também contribuir para a inteligência da cidade: na sua apresentação, deu o exemplo de camiões de recolha que são, ao mesmo tempo, plataformas de sensores. Como podem as empresas e os municípios acelerar estas tendências?
O que temos de fazer é pensar que os activos com os quais tipicamente trabalhamos podem ter outros usos. Se pensarmos num parquímetro, talvez haja uma forma de este medir a actividade na rua; se pensarmos num camião de recolha de lixo, porque não equipá-lo com sensores que nos vão dizer quando há buracos na estrada? Temos de expandir o nosso pensamento sobre os activos de que dispomos e sobre como, quando estes são equipados com sensores, por exemplo, podemos tirar ainda mais partido da sua utilização.
Os fornecedores têm de ser mais criativos com as soluções que colocam no mercado?
Têm, sim. Há que pensar em formas de mudar as nossas abordagens. Como pode uma empresa sugerir inovações? As cidades, muitas vezes, lançam concursos de compras públicas muito limitados, quando o que deviam fazer era dizer “dêem-nos as vossas melhores ideias sobre como limpar melhor as nossas ruas”. Depois, definia-se um preço e negociava-se sobre esse valor. Tem de haver uma abordagem interactiva à inovação.
Referiu a importância da visualização [dos dados]. Como podemos usá-la para chegar às pessoas?
A comunicação com os cidadãos é muito importante e não podemos presumir que a forma como os governos falam é inteligível para o cidadão comum. Se mapearmos, através das rotas de recolha, a quantidade de resíduos gerada por comunidade ou bairro, ou as áreas onde há uma boa separação de biorresíduos, ou onde a limpeza urbana é melhor, e visualizarmos tudo isso com dados, vai tornar-se muito atractivo.
E pode levar ao envolvimento das pessoas?
Devia, certo? As pessoas tomam as decisões que são no seu melhor interesse. Se visualizarem os dados, isso irá ajudá-las a tomar as decisões certas.
Um dos seus livros – Governar em rede – está traduzido para português. Pode explicar–nos qual a ideia que está na base da obra?
Trata-se de uma rede de parceiros públicos e privados. Estes problemas [de governação] são demasiado complexos para os governos abordarem por si só, e não podem ser resolvidos apenas pelas empresas privadas. Se pensarmos na resposta em rede, a forma como juntamos os governos, as empresas, as entidades sem fins lucrativos e os indivíduos numa rede vai tornar as nossas cidades mais sustentáveis.
Em Portugal, há muitas cidades de pequena e média dimensão, em diferentes fases de implementação de soluções de smart cities. Que recomendações deixaria às cidades mais pequenas que estão a começar este caminho?
Devem procurar um fornecedor que preste serviços em várias cidades; devem avaliar como podem juntar-se para comprar ou implementar um serviço; devem pensar naquilo que é habitualmente chamado de serviços partilhados e que junta estas coisas. Mas o mais importante é escolher um problema na cidade e pensar como a solução para esse problema pode ser melhorada através do uso de dados.