Nos dias 3 e 4 de Novembro, a Associação Limpeza Urbana – Parceria para Cidades + Inteligentes e Sustentáveis (ALU) organizou a quarta edição do seu encontro nacional (IV ENLU). Loulé foi o palco escolhido e mais de 350 participantes de todo o país, entre representantes autárquicos e profissionais do sector, marcaram presença. Em conversa com a Smart Cities, o presidente da direcção da ALU, Luís Almeida Capão, fez um retrato do que tem sido a evolução do sector desde a criação desta entidade em 2019 e apontou oportunidades para o futuro, destacando o potencial para financiamento das actividades de limpeza urbana trazido pela transposição da Directiva dos Plásticos de Utilização Única que poderá representar uma poupança anual de 12 milhões de euros para as autarquias.
Desde a criação da ALU, em 2019, o que mudou na limpeza urbana em Portugal?
A meu ver, tudo. A ALU permitiu criar consciência nos decisores políticos governamentais da sua existência e importância, assim como do contributo que uma boa limpeza urbana dá para a competitividade do país, para a qualidade de vida nas cidades e também para a resposta aos desafios ambientais prementes do planeta, que se associam directamente aos desafios ambientais de Portugal e, por sua vez, das cidades.
Graças ao trabalho que a ALU tem feito, a limpeza urbana passou, de facto, a ser um factor de enorme atenção, mas, acima de tudo, passou a ser uma forma de resolver muitos dos problemas que temos na nossa sociedade – problemas relacionados com a falta de promoção da economia circular, com a poluição dos ecossistemas, com a segurança nas cidades, com a captação de investimento e com a atractividade das cidades, e, por último, mas não menos importante, com o potencial que todos estes factores juntos têm naquilo que é o nosso projecto de felicidade pessoal enquanto cidadãos e enquanto indivíduos.
A perspectiva sobre a limpeza urbana alterou-se também aos olhos dos decisores municipais?
Não tanto como a nível nacional, pois os decisores municipais já tinham essa responsabilidade diária, que é provavelmente um dos problemas mais prementes do dia-a-dia de uma sociedade, seja um município, seja uma freguesia. Qualquer autarquia local, independentemente da dimensão, tem, entre os seus principais problemas, a segurança, o tráfego, a educação e factores ambientais muito relacionados com a limpeza urbana – aqui não nos podemos esquecer da amplitude que a limpeza urbana tem nas suas mais variadas formas de expressão: a limpeza de terrenos e ribeiras, a componente dos graffitis, dos dejectos caninos, a recolha de resíduos sólidos urbanos, a varredura, a limpeza, a limpeza de praias quer na orla costeira, quer fluviais, etc.
O sector local já tinha essa sensibilidade; passou foi a ter uma maior noção de como é que as coisas são feitas para além do seu território. As cidades puderam ver como é que fazem as cidades vizinhas, como é que se faz fora de Portugal e [isso permitiu] perceber, por um lado, que fazemos bem, e, por outro, que há muitas oportunidades para aproveitar naquilo que as cidades vizinhas fazem bem ou melhor do que nós. Mas, claramente, o sector local estava muito mais sensibilizado e, aí, o grande desafio foi, de facto, fazer com que a limpeza urbana entrasse nos grandes instrumentos de regulamentação ambiental a nível nacional, seja no Plano Nacional de Gestão de Resíduos (PNGR), seja no Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU) 2030, pela primeira vez, e com linhas de financiamento e linhas de acção alocadas à limpeza urbana.
Aquilo que está previsto é suficiente para responder às necessidades ou é ainda um primeiro passo?
É um primeiro passo. Para nós, bastava haver só uma iniciativa para ser já altamente positivo, porque, antes da criação da ALU, não havia qualquer abordagem à limpeza urbana nos planos estratégicos, nem nos planos de acção, e passou a existir. Algo que nos deixa também bastante satisfeitos tem que ver com a capacitação dos quadros das autarquias. A capacitação técnica através de formação é algo que já está previsto no Fundo Ambiental.
Acho que ainda faltam as componentes de descarbonização do sector e de investimento em sistemas de informação que permitem tornar a forma como trabalhamos não só eficaz, mas eficiente. Mas é um bom pronúncio.
No programa do IV ENLU, há três temas que se destacam: a participação e o envolvimento do cidadão, a inovação e os desafios da legislação. Podemos indicar estes três tópicos como os temas quentes para o sector neste momento?
Penso que sim. As questões do cidadão e da inovação são críticas, mas não deixaria de apontar mais um tema que, para mim, é provavelmente o mais importante. [Trata-se de um estudo] aqui apresentado pela primeira vez, e que resulta de uma parceria entre a ALU e a Electrão [desenvolvido pela GIBB Engineering] que nos permitiu utilizar dados dos associados e das cidades associadas para uma caracterização dos resíduos de limpeza urbana, [analisar] que resíduos são provenientes das papeleiras, da varredura manual, da varredura mecânica e da limpeza das praias, em épocas estivais. Esse estudo permitiu-nos ter uma noção da tipologia de resíduos que são recolhidos nestas cidades, que, enquanto ALU, me parecem ser representativas, em grande parte, do panorama nacional global. E esta iniciativa dá-nos uma noção do potencial que a limpeza urbana tem na transposição da Directiva dos Plásticos de Utilização Única e que vai permitir financiar as actividades de limpeza urbana.
Pode explicar?
Segundo o estudo de caracterização de limpeza urbana que a ALU apresentou no ano passado, no III ENLU, o valor associado directamente à limpeza urbana relacionada com embalagens, nestas linhas que referi (limpeza de praias, varreduras mecânica e manual e a recolha de papeleiras), é de cerca de 300 milhões de euros anuais e os plásticos de uso único presentes nestas caracterizações têm uma representação de cerca de 12 milhões. Ou seja, nesta transposição desta Directiva dos Plásticos de Utilização Única, que está em processo a legislativo – a Agência Portuguesa de Ambiente já tem a adaptação do Unilex e da legislação pronta para ser aprovada e divulgada –, a responsabilidade alargada do produtor, principalmente de toalhetes, de beatas de cigarro e de balões, entre outros, permitirá alocar um financiamento de 12 milhões de euros às autarquias para suportar o trabalho que hoje é feito, mas que não é, de forma alguma, compensado. Com esta adaptação legal, neste caso, passará a ser compensado.
Qual vai ser o impacto que essa alteração terá no sector?
Vai ter um impacto significativo, porque são 12 milhões de euros estimados que, neste momento, estão a ser única e exclusivamente assumidos pelo orçamento de cada uma das autarquias, sejam câmaras municipais, sejam juntas de freguesia. Portanto, é uma primeira oportunidade de financiamento e de valorização da limpeza urbana. Para nós, isto dá-nos uma enorme satisfação: primeiro, por termos feito parte deste estudo; segundo, por termos usado a capacidade da própria ALU para, através dos seus associados, termos uma caracterização e, neste momento, sabermos exactamente o que é que é expectável que apareça nesses resíduos de limpeza urbana.
Sabendo o custo da limpeza urbana, conseguimos alocar o financiamento respectivo e, assim, socorrer as autarquias, que muito investimento têm feito na limpeza urbana, e [ajudá-las] a, eventualmente, poderem fazer mais e melhor investimento, ou então até a lidarem melhor com os desafios económicos e financeiros que surgem neste momento na nossa sociedade.
“Sei que há mais autarquias que assumiram a visão das tecnologias de informação ao serviço da limpeza urbana, mas também o contrário [a limpeza urbana ao serviço da smart city]. E isso é algo com cada vez mais potencial.”
A ALU tem, neste momento, 50 associados. O papel das juntas de freguesias, que têm cada vez mais responsabilidades nesta matéria e sentem as respectivas dificuldades, foi referido neste encontro. Como pretendem chegar a estas unidades administrativas?
Na minha opinião, o país não pode ser visto todo da mesma forma, quer na recolha de resíduos sólidos urbanos, quer na recolha de resíduos selectivos, quer na forma como é feita a delegação administrativa entre freguesias e autarquias [municípios]. Há situações em que a delegação de competências de limpeza urbana nas freguesias é uma mais-valia; há outras em que se comprovou ser um desastre em termos de decisões políticas.
Mas, respondendo à pergunta, o papel da ALU é cada vez mais o de exemplificar, com o trabalho feito, que [fazer parte da associação] é uma mais-valia, até porque a quotização é bastante reduzida e todo o financiamento que a associação recebe por essa via é totalmente reinvestido no próprio sector de limpeza urbana, por exemplo, na criação de um encontro nacional limpeza urbana, na criação de campanhas transversais que podem ser usadas por qualquer um dos associados, na obtenção de informação ou de pareceres específicos sobre a limpeza urbana ou na partilha de conhecimento e na promoção dos municípios pelo facto de pertencerem à ALU.
O que nós vamos continuar a fazer é trabalhar muito, apresentar resultados, ter as mãos em cima daquilo que são os assuntos mais prementes do sector e, a pouco e pouco, fazer ver às autarquias e às freguesias que têm uma enorme vantagem em fazer parte desta associação. Isso tem vindo a ser feito comprovadamente, através da inclusão da limpeza urbana nos instrumentos regulatórios, nomeadamente no PNGR 2030 e no PERSU 2030.
Ouvimos também falar das novas tecnologias e de como a limpeza urbana pode não só beneficiar do seu uso, mas também contribuir para a inteligência da cidade. Vimos o exemplo de um camião de recolha que era uma plataforma de sensores – isso é uma realidade em Portugal?
Claramente. [Respondo] Enquanto ALU, mas também enquanto responsável pela limpeza urbana no concelho de Cascais: desde 2013 que, em Cascais, temos as tecnologias de informação totalmente ao serviço não só da limpeza urbana, mas do município. Por exemplo, recentemente, foi feito um levantamento, através dos circuitos dos camiões de recolha de resíduos, de todas as anomalias que existiam em sinalética vertical no concelho. Numa jornada de 24 horas, conseguimos elencar um conjunto de necessidades de melhorias que existiam através de um camião de recolha de resíduos sólidos urbanos.
O mesmo já se faz também nos circuitos de recolha de resíduos sólidos urbanos para a identificação de outras oportunidades que possam surgir ou de problemas que têm de ser resolvidos. Isso é feito, por exemplo, com botões nos camiões que permitem aos assistentes operacionais identificar resíduos de construção e demolição abandonados, cortes de jardins abandonados, objectos fora dos abandonados, etc., e, depois, depurar juntamente com as linhas de contacto normais – o Contact Center, as aplicações, os e-mails – conseguir perceber exactamente onde é que estão os problemas e como podem ser resolvidos. Sei que há mais autarquias que assumiram a visão das tecnologias de informação ao serviço da limpeza urbana, mas também o contrário [a limpeza urbana ao serviço da smart city]. E isso é algo com cada vez mais potencial.
Em que medida?
Costumo dizer que, depois do carteiro, é o assistente operacional da limpeza urbana que tem a maior capilaridade junto de nós, cidadãos. Esse trabalho não pode ser desaproveitado, antes pelo contrário. Se nós queremos valorizar estes recursos humanos, estes homens e estas mulheres que trabalham no sector da limpeza urbana, uma forma de o fazer é perceber que eles têm competências e capacidades de prestar serviços adicionais às autarquias só pelo simples facto de estarem no terreno diariamente.
É sabido que nem o sector dos resíduos, nem o da limpeza urbana são sectores sexy e que, muitas vezes, os colaboradores não vêem o seu trabalho valorizado aos olhos da sociedade. A ALU tem alguma iniciativa para contrariar essa situação?
As autarquias percebem cada vez mais que há uma dificuldade de [encontrar] recursos humanos para o sector da limpeza urbana. À partida, será dos últimos sectores que são escolhidos, muito devido a um passado não muito longínquo de [parcas] condições que eram dadas a estes trabalhadores. Isso felizmente tem vindo a mudar não só pelo papel e pela imagem que as autarquias querem passar, mas, acima de tudo, pelas directivas europeias que têm saído e por uma maior competência e uma maior capacidade técnica dos dirigentes, dos encarregados, dos líderes políticos, para perceber que uma cidade limpa é uma cidade atractiva, que uma cidade limpa é uma cidade mais feliz, e que isso só se pode fazer com pessoas que se sintam representantes dos seus autarcas ou das suas chefias.
O investimento em recursos humanos é crítico pois, ao fazê-lo, estamos a investir na nossa capacidade de melhorar a qualidade de vida daqueles que nos visitam, daqueles que trabalham ou daqueles que vivem nas nossas cidades. Essa preocupação é cada vez mais evidente, mas, claro está, há uma possibilidade de melhorar a capacidade de retorno destes assistentes operacionais por via do aumento também das suas capacidades.
Pode dar um exemplo de como isso pode ser feito?
Há uns anos, quando instalámos a primeira papeleira inteligente em Portugal, em Cascais, os assistentes operacionais que estavam responsáveis por aquela zona do concelho receberam um smartphone para poderem ter acesso à gestão remota dessa mesma papeleira e optimizar ainda mais o seu trabalho. Foi uma forma de credibilizar e dar mais capacidade, competência e valorização a estes funcionários. E se, de facto, há um problema de falta e de fixação destes recursos humanos, não tenho dúvidas nenhumas de que esse problema acontece mais em autarquias ou organizações que não os valorizam.
As pessoas só se vão embora quando sentem que a porta está aberta ou quando se sentem empurradas para uma porta que, à partida, terá condições melhores. O papel da ALU passa por mostrar, provar, partilhar as melhores práticas junto das autarquias para que estas possam fixar esses colaboradores. A forma de fixar esses colaboradores não é achar que não há recursos humanos para a área, mas, sim, tratando-os bem, e, acima de tudo, valorizando-os diariamente, seja com equipamento, seja remuneratoriamente, seja com formação e motivação.
No que toca à inovação nos equipamentos, a indústria tem sido capaz de colocar soluções no mercado?
Sim, claramente. Aliás, o facto de, na ALU, termos o sector privado e o sector público em conjunto – algo que penso que é ímpar em Portugal – é a pedra de toque desta associação e o que a faz ser tão exigente para consigo mesma e com os seus associados privados, no sentido de devolver o investimento que estes fazem anualmente na associação.
Trata-se de um círculo virtuoso, no qual as autarquias exigem mais soluções para resolver os seus problemas e, ao mesmo tempo, o sector privado tem a capacidade de dar respostas ou de encontrar respostas para problemas que as autarquias levantam no dia-a-dia. Este IV ENLU foi um exemplo disso: o facto de termos estado dois dias e meio no mesmo espaço permitiu ao sector privado e ao sector público encontrarem-se e desenvolverem sinergias de benefício mútuo.
Como sai deste encontro?
Enquanto responsável da direcção da ALU, posso dizer que saímos daqui, de facto, com uma energia muito positiva, mas não é algo que nos surpreenda. Os dois primeiros encontros de limpeza urbana foram organizados, na altura, pela câmara municipal de Cascais, e, depois de criada a ALU, [organizámos] o terceiro, com a componente expositiva em Braga, [que] correu ainda melhor. Este quarto encontro mostra, agora, a nossa capacidade de olhar para o território como um todo, e não fazer sempre os eventos no mesmo sítio ou só em Lisboa ou só no Porto; quisemos ter esta dispersão territorial e vir até ao Algarve, com a nossa associada câmara municipal de Loulé, à qual temos de agradecer o apoio, assim como aos patrocinadores do encontro.
Qual o balanço final?
Nós tínhamos definido como target mínimo aceitável para este evento 400 inscrições; acabámos por ter 450 inscrições – não estiveram 450 pessoas ao mesmo tempo, mas sei que foram acreditadas 352 pessoas. Isto é, para nós, um factor de enorme regozijo. Estamos muito satisfeitos, mas, ao mesmo tempo, também sentimos o peso da responsabilidade de continuarmos a ultrapassar-nos diariamente, anualmente, no serviço que queremos prestar, quer aos nossos associados, quer a muitos outros que cá estiveram e que não são associados da ALU, mas que, poderão vir a sê-lo. E, mesmo que isso não aconteça, [queremos] que se sintam bem-vindos neste encontro.
Queremos que seja, acima de tudo, um espaço para troca de ideias, um espaço para debate, um espaço onde nos possamos sentir inspirados e onde, de facto, sintamos uma força adicional para enfrentar os desafios com que as nossas cidades, e as nossas sociedades, se deparam, ainda mais nesta fase de alguma incerteza geopolítica que temos no país e no planeta. Queríamos que saíssem daqui inspirados e penso que conseguimos fazê-lo, principalmente pela diversidade de assuntos que foram abordados no programa e pela forma como isso foi feito.