A poluição atmosférica é uma ameaça incontornável e que está presente nos quatro cantos do mundo, atravessando classes sociais e afectando, até, cidades que são referências em matéria de sustentabilidade. É o caso de Copenhaga, na Dinamarca, onde uma organização não-governamental (ONG) implementou um projecto que não só melhorou a qualidade do ar como teve impactos positivos em todo o bairro de Ørestad.

Em Copenhaga, o elevado número de mortes prematuras causadas por poluentes leva à urgência nas acções de combate à poluição do ar. A partir de dados do Google Air View e Environmental Insights Explorer (EIE), iniciativas pilotos implementadas pela organização sem fins lucrativos Miljøpunkt Amager (MPA) reduziram em até 13% a poluição do ar na cidade dinamarquesa.

O projecto é financiado pelo ICLEI Action Fund (financiamento coordenado pelo ICLEI Local Governments for Sustainability e o Google.org) e conta com especialistas técnicos da Gehl Architects, do município de Copenhaga, do Studio Profondo e do Instituto Tecnológico da Dinamarca, entre outros parceiros. “A gestão da poluição atmosférica nas cidades precisa de uma visão integrada para proteger a saúde humana e melhorar os espaços públicos. Trabalhar com as cidades, a sociedade civil e os parceiros locais é fundamental, mas dados sobre qualidade do ar, movimento populacional, poluição de automóveis e outros componentes da vida diária também são necessários”, explicou Alis-Daniela Torres, oficial sénior de Recursos Sustentáveis, Clima e Resiliência no ICLEI Europe.

Com base em dados do Google EIE Air View, o projecto Thrive Zone Amager (TZA) construiu três espaços no bairro Ørestad como uma alternativa para os cidadãos passarem mais tempo ao ar livre protegidos da poluição: dois domos e um muro verde. A fim de criar um modelo para testar os impactos da poluição atmosférica e entender como a população se comporta em áreas específicas da cidade, o projecto baseou-se em dados demográficos, de mobilidade urbana e de qualidade do ar para criar as intervenções.

A medição dos poluentes no ar é feita através de sensores instalados à volta dos domos e do muro verde que captam a concentração de partículas ultrafinas e das partículas de matéria 2,5 micrómetros (as famosas PM 2,5) do lado exterior, enquanto sensores internos avaliam o ar interior. Após um mês de recolha de dados, os resultados preliminares da análise feita pela equipa mostram reduções significativas em ambos os casos.

sensores

O início dos pilotos aconteceu em Agosto de 2021, quando o TZA instalou um muro verde feito de madeira entre uma rua com elevada circulação de veículos e uma área verde residencial. De um lado, um muro de apenas uma coluna com plantas espalhadas por todos os lados. De outro, um muro duplo com duas colunas, a um metro de distância uma da outra, e com plantas ordenadas com mais proximidade entre si.

Enquanto o muro mais “grosso” registou uma diminuição de 3-5% na concentração de PM 2,5 entre o ar que vai da estrada em direcção ao parque, a verdadeira surpresa prendeu-se com o muro simples, que conseguiu uma redução de 3% dos poluentes. “É bastante surpreendente ver essa redução num muro com vários buracos entre as plantas, onde o ar tinha áreas de passagem livre. E a progressão do [muro] fino para o mais espesso também é interessante. Se tivermos um muro ainda mais grosso, podemos obter números muito maiores”, explica Rasmus Reeh, que faz parte da equipa de especialistas do projecto.

No mesmo mês, a equipa instalou dois domos feitos com pedaços de policarbonato: um de 5 metros de diâmetro num espaço verde entre edifícios residenciais, e outro de 3,5 metros de diâmetro cercado por um muro verde próximo a uma paragem de autocarro. O domo maior mostrou que o ar interior tinha 12% menos concentração de PM 2,5 e 13% menos partículas ultrafinas do que o ar exterior, enquanto o menor registou uma diminuição de 4% entre o ar que vai da rua para a área exterior ao domo. Os dados em questão são experimentais e indicam que instalações desse tipo podem ajudar a diminuir a concentração de poluentes no ar nas cidades.

Os especialistas consideraram vários factores ao fazer a avaliação dos dados, como os impactos causados pela própria estrutura instalada no local. “A monitorização segue uma perspectiva dupla: em primeiro lugar, os sensores em cada lado das instalações mostram-nos a visão sobre a diferença directa da qualidade do ar. Em segundo lugar, uma vez que as instalações também influenciam as condições gerais ao criar uma turbulência em torno do muro verde, um estudo de base deve ser realizado com e sem as instalações presentes”, explica Rasmus Reeh.

“Trabalhar com as cidades, a sociedade civil e os parceiros locais é fundamental, mas dados sobre qualidade do ar, movimento populacional, poluição de automóveis e outros componentes da vida diária também são necessários.”

Impactos na saúde e bem-estar

De acordo com a Agência Ambiental Europeia (EEA), a poluição do ar é o maior risco para a saúde ambiental na Europa. A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou recentemente um estudo em que associa a exposição pré-natal a altos níveis de poluição do ar à ansiedade, depressão e ao atraso no desenvolvimento da criança. Só em Copenhaga, cerca de uma em cada dez mortes prematuras é devida aos efeitos da poluição atmosférica.

Tendo em consideração os riscos cada vez maiores para a vida humana, as intervenções promovidas pelo TZA priorizam a saúde e o bem-estar da população. Contribuindo para as metas do governo local de reduzir a poluição e aumentar a qualidade de vida dos cidadãos, os domos e o muro foram pensados como espaços onde moradores podem passar mais tempo ao ar livre sem se expor a factores externos como poluentes atmosféricos, ventos fortes, chuva, entre outros.

Nesse sentido, as intervenções foram pensadas para serem aconchegantes e confortáveis. Nos domos, além dos sensores conectados em ambos os lados, a decoração interna faz mais do que agradar aos olhos. Vasos de flores e plantas cerosas, de folha larga, peludas e perenes, proporcionam um clima convidativo, ao mesmo tempo que reduzem o número de PMs no ar. No domo maior, os utilizadores podem ainda relaxar nas almofadas ou nas cadeiras de praia colocadas no cenário.

Os domos chamam a atenção de quem passa, à primeira vista, pelo seu formato incomum, mas também pelo visual sedutor, com exterior transparente que desperta a curiosidade para um olhar mais de perto. As crianças são as que mais parecem apreciar o lugar. Depois de ver a novidade de longe, os gémeos Gustav e Ania, de dois anos, pediram à ama que os levasse mais perto do local. Ao entrarem, olharam curiosos para todas as plantas e sorriram. Quando questionados sobre o que achavam do espaço, os gémeos disseram que era “bonito”.

Quando não são arrastadas pelos pequenos, as pessoas adultas param para tirar fotografias ou ver o que há do lado de dentro. Há até quem planeie um piquenique dentro do domo no fim-de-semana. “Eu trouxe a minha filha de três anos e ela adorou. Estou a pensar fazer uns cupcakes e vir com ela no sábado de manhã”, disse a moradora Pernille Qwist. A ideia inicial era que os domos fossem temporários e permanecessem apenas um mês nos locais onde foram instalados para testagem dos modelos de análise, mas o projecto teve tanto sucesso que as associações locais mantiveram as duas instalações permanentemente no local.

muro verde em copenhaga ©iclei

Assim como os domos, o muro verde foi pensado para, além de melhorar a qualidade do ar, ser um local confortável para os moradores. Além dos sensores de qualidade do ar, o muro conta com tipos específicos de plantas para fazer o trabalho, como a Hedera helix (Ivy comum) com gerânios, anêmonas e vincas na base. A madeira também foi cuidadosamente seleccionada por ser um material orgânico de fácil construção, proporcionando flexibilidade para estruturas personalizadas e, o mais importante, criando uma atmosfera convidativa na qual as pessoas gostam de ficar.

E a resposta da população também foi positiva. Berit Nielsen não mora em Copenhaga, mas costuma ir à cidade para visitar a filha, que mora no local, e levou o neto para brincar no parque improvisado. “Quando cheguei, a minha filha disse-me que havia uma novidade na área e que eu deveria trazê-lo aqui. Achei uma óptima ideia e penso que pode servir de exemplo para outros espaços. Espero que este se torne permanente”, disse ela.

A equipa considera a iniciativa um sucesso. “O melhor cenário que esperávamos era uma redução entre 10 e 20%, e foi isso que obtivemos com os domos. Se pensarmos nessas instalações de forma maior e específica, podemos ter cada uma com uma configuração diferente, outros tamanhos, outros tipos de ventilação. E essa é a intenção para o futuro: dimensionar e replicar os modelos em locais relevantes, como passagens subterrâneas, barreiras de som, etc. A equipa do projecto está já a trabalhar para ampliar os testes da caixa de ferramentas Thrive Zone”, concluiu Rasmus Reeh.

Escutar a comunidade

Algo que não se vê, não se toca e não se cheira, a qualidade do ar não é o tópico de conversa mais comum. Apesar de muitos desconhecerem o termo e o impacto sobre a saúde e o quotidiano da população, a comunidade desempenha um papel importante na implementação de projectos e acções ambientais. Nesse aspecto, o TZA inovou ao fazer uso de um processo participativo, sensibilizando e envolvendo a população local.

A escolha do bairro que receberia os pilotos teve como base resultados de uma pesquisa on-line feita com a população das ilhas Brygge e Ørestad. Quase 800 participantes responderam a um questionário digital sobre a forma como se movimentam pelos bairros e como utilizam os espaços urbanos disponíveis. O objectivo foi reunir dados sobre o papel que os espaços da cidade desempenham no dia-a-dia das pessoas e como isso influencia as prioridades e os desafios enfrentados pela comunidade.

domos em copenhaga © iclei

Mais da metade dos participantes que vivem ou trabalham em Ørestad mostrou-se preocupada com a qualidade do ar. Quando questionados sobre qual o factor que mais desejavam em espaços urbanos, a qualidade do ar ficou em segundo lugar. Ao mesmo tempo, 49% das pessoas responderam que mais espaços verdes poderiam fazê-las passar mais tempo ao ar livre. Os moradores de Ørestad ainda citaram vento, superfícies duras e falta de vida na cidade como desafios.

Além de contribuir com dados demográficos que facilitaram a implantação do projecto, envolver a comunidade no processo de criação dos pilotos foi essencial para aumentar a conscientização sobre o tema. “Estamos muito satisfeitos com o grande interesse da comunidade no nosso projecto. Ao todo, quase mil cidadãos participaram nas pesquisas, workshops e eventos [do projecto], partilhando as rotinas e os problemas em relação à qualidade do ar. Estamos muito orgulhosos”, disse a directora da MPA, Dorte Grastrup-Hansen.

No final do projecto, a análise dos dados ambientais e os impactos das intervenções no espaço público estarão disponíveis (em dinamarquês) na página on-line da Miljøpunkt Amager.

A publicação deste artigo faz parte de uma parceria entre a Smart Cities e o ICLEI – Local Governments for Sustainability, e foi originalmente publicado na edição de Outubro/Novembro/Dezembro 2021 da Smart Cities.