António Almeida Henriques, presidente da câmara municipal de Viseu e presidente da Secção Cidades Inteligentes da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), faleceu na manhã de ontem, no Hospital de São Teotónio, em Viseu. O autarca de 59 anos, que não resistiu às complicações respiratórias decorrentes da Covid-19, deixa um legado no Poder Local, marcado pelo combate às assimetrias territoriais, e um trabalho pioneiro na promoção do conceito das smart cities em Portugal.
“Tive o privilégio de poder ser amigo de António Almeida Henriques e testemunhar o papel que desempenhou enquanto verdadeiro obreiro da comunidade de inteligência urbana nacional, ligando o território às empresas e à academia, mas sempre centrado nas pessoas. A sua energia e boa disposição inesgotável eram uma fonte de inspiração para todos e o serviço público o seu maior propósito”, afirmou Miguel de Castro Neto, coordenador da NOVA Cidade – Urban Analytics Lab, em reacção ao desaparecimento do governante. “Percorremos o país, continente e ilhas e fomos além-fronteiras, sempre na convicção de que Portugal, com as suas cidades e vilas inteligentes podia ser um exemplo”, lembra o responsável da NOVA IMS, que, nos últimos anos, trabalhou com António Almeida Henriques na promoção da inteligência urbana em Portugal.

Almeida Henriques e Miguel de Castro Neto.
Almeida Henriques foi um impulsionador da temática das cidades inteligentes em Portugal, assumindo o papel de presidente desta secção temática na ANMP, criada em 2016, e defendendo o conceito “como uma forma de combater a interioridade do país”, fazendo da coesão territorial inteligente um dos seus cavalos de batalha. Nas várias iniciativas do sector em que participou, o combate às assimetrias nos territórios, a democratização do acesso ao digital e uma distribuição mais equitativa dos fundos comunitários eram propostas recorrentes. “Estamos a quebrar aquilo que era o estigma desta área das smart cities, que parecia ser algo só para as grandes cidades. Hoje, percebemos que a inteligência urbana pode ser aplicada às cidades médias, pequenas ou grandes e que pode ter uma lógica de interactividade e caminhar para os territórios felizes. E isto já não só no contexto da cidade, mas também no contexto da baixa densidade, do bairro, que são diferentes realidade, onde a tecnologia ajuda muito a chegar ao encontro das pessoas”, disse o autarca, numa entrevista à Smart Cities em 2018. A coesão digital enquanto “política pública” e a criação de um “ministério das Cidades” foram algumas das sugestões deixadas pelo autarca para o desenvolvimento da inteligência urbana em Portugal.
Na promoção do tema em território nacional, em parceria com Miguel de Castro Neto, organizou, anualmente e desde 2017, em nome da ANMP, o Smart Cities Tour, um conjunto de eventos e workshops dedicados ao debate sobre as cidades inteligentes e que tiveram lugar em vários pontos do país, culminando na Cimeira dos Autarcas – conferência que decorria na feira nacional do sector, Portugal Smart Cities Summit.
Em finais de 2019, enquanto falava à Smart Cities no âmbito de uma visita oficial à feira de Barcelona Smart City Expo World Congress, o autarca partilhava a intenção de apresentar um programa “Autarquias 4.0”, com vista à transformação digital dos municípios nacionais. Meses antes, durante a Cimeira dos Autarcas desse ano, Almeida Henriques dava a cara pelas 30 propostas desenvolvidas pela ANMP e a NOVA Cidade para aumentar a inteligência urbana em Portugal e divididas em cinco áreas chave: Identidade, Capital Humano, Infraestruturas, Conectividade e Dados.
Apesar da chegada da pandemia em 2020 e dos desafios que esta trouxe aos responsáveis municipais, Almeida Henriques continuou a fazer parte de iniciativas ligadas às smart cities. Durante os meses de Abril e Maio, participou no ciclo de conferências on-line SMART PORTUGAL Webinars – Conversas digitais sobre inteligência urbana em tempo de pandemia, organizado pela NOVA Cidade – Urban Analytics Lab, e, em Setembro, o município de Viseu estava presente na edição híbrida do Portugal Smart Cities Summit. Um mês depois, o responsável retomou ainda os trabalhos no âmbito do Smart Cities Tour, que assumiu o formato digital, à semelhança de outros eventos, tendo como tema “Desafios e Oportunidades para 2030”.

Comitiva portuguesa em visita à feira Smart City Expo World Congress em 2019.
Viseu, a “cidade média inteligente”
Esta visão reflectiu-se também na estratégia que o governante desenvolvia para o município a que presidia desde 2013 e ao qual se iria recandidatar este ano. Almeida Henriques queria fazer de Viseu “a melhor cidade para viver”, numa estratégia que passava pela melhoria da qualidade de vida da população e na qual a inteligência urbana era uma prioridade, com projectos de inovação nas áreas da mobilidade, ambiente, economia circular, apoio social, entre outros. “Estamos a criar um verdadeiro cluster nessa área. No fundo, há uma lógica dúplice no que respeita às smart cities: por um lado, desenvolver a cidade enquanto living lab, nas suas diferentes dimensões, e, por outro, captar de investimento neste domínio”, contou o responsável, em 2018.
Os resultados do inquérito sobre a qualidade de vida nas cidades portuguesas da DECO Proteste, divulgados na semana passada, que colocam mais uma vez Viseu como o município com mais qualidade de vida em Portugal ilustram a estratégia seguida pela cidade nos últimos anos. “Tinha um futuro imenso pela frente, em Viseu, onde demonstrava que a interioridade não é necessariamente uma fatalidade – foi consagrada na semana passada como a cidade com melhor qualidade de vida do país – e, em Portugal, onde estava destinado a ser protagonista”, lamenta Miguel de Castro Neto.
Antes de exercer funções como presidente da câmara municipal de Viseu, Almeida Henriques tinha já sido presidente da assembleia municipal viseense durante oito anos, nos mandatos de 2005/2009 e 2009/2013. Nessa altura, assumia ainda funções como deputado à Assembleia da República, nas IX, X e XI e XII Legislaturas e vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD entre 2005 e 2007 e 2010 e 2011. Entre 2011 e 2013, exerceu funções como secretário de Estado Adjunto da Economia e Desenvolvimento Regional do XIX Governo Constitucional, liderado por Pedro Passos Coelho.
O autarca encontrava-se hospitalizado desde 10 de Março, na sequência do agravamento de sintomas da Covid-19, à qual tinha testado positivo dias antes. As cerimónias fúnebres do governante acontecem esta tarde e estão reservadas à família e amigos próximos, mas não sem antes uma última despedida pela cidade que o viu nascer e à qual serviu nos últimos anos.