“Melhor cidade para viver” é como Viseu quer ser conhecida. Mas as ambições viseenses não se ficam por aí e o município quer também agradar aqueles que lá trabalham, estudam e que o visitam. A estratégia para o efeito está já em marcha, com a inteligência urbana a destacar-se como uma aposta clara da autarquia.
Quando, hoje, se fala de qualidade de vida nas cidades portuguesas, já não se pensa apenas em Lisboa e Porto. Nos rankings que vão sendo notícia, outros nomes começam a impor-se, escalando as posições de topo. É o caso de Viseu, que, em finais de Junho, constava no top 3 dos concelhos mais saudáveis, com mais segurança e com melhor qualidade de vida do país, num estudo da Escolha do Consumidor. Porém, esta não foi a primeira vez que a cidade de Viriato recebe distinções semelhantes e, em 2007 e 2012, o município tinha já sido eleito pela DECO – Associação de Defesa do Consumidor como a melhor cidade para viver.
Os títulos não são por acaso e reflectem aquela que tem sido uma das metas centrais definidas pela autarquia nos últimos anos: a qualidade de vida. Na verdade, a ambição viseense é ainda maior e, para além de “a melhor cidade para viver”, Viseu quer também ser a melhor cidade para trabalhar, estudar, visitar e, claro, investir. Os esforços feitos nesse sentido são também uma forma de a autarquia contrariar os efeitos das suas fragilidades, nomeadamente ao nível das acessibilidades, mas também de abordar três dos grandes desafios que afectam a maior parte do país e aos quais Viseu, com os seus cerca de 98 mil habitantes, não escapa – envelhecimento da população, despovoamento e baixa natalidade.

É preciso fixar quem ali vive e atrair novos residentes e, para isso, a Cidade Jardim tem-se focado na criação de um “ecossistema de qualidade que se preocupa com as pessoas desde o nascimento ao envelhecimento”, que se reflecte na oferta educativa, cultural e desportiva da cidade, explica o presidente da câmara municipal, António Almeida Henriques. Mas há outro factor igualmente importante para manter e atrair pessoas, o emprego. Nesse aspecto, três áreas estão a receber uma atenção especial da autarquia: ambiente, saúde e smart cities. No que se refere à inteligência urbana, a abordagem viseense assenta em duas vertentes. “Estamos a criar um verdadeiro cluster nessa área. No fundo, há uma lógica dúplice no que respeita às smart cities: por um lado, desenvolver a cidade enquanto living lab, nas suas diferentes dimensões, e, por outro, captar de investimento neste domínio”, diz o responsável. Juntando a isso o facto de haver a mão-de-obra qualificada na cidade, entre os jovens que saem do Politécnico de Viseu e outros que deixaram a cidade (ou até o país) para procurar novas oportunidades, mas que desejavam voltar, foi possível atrair empresas como a IBM, a Bizdirect, a Altice Labs ou a Critical Software, conta Almeida Henriques.
Em termos de população, só o próximo Censos permitirá dizer se a estratégia está a ser efectiva, mas, segundo o governante, nos últimos quatro anos, o desemprego no concelho caiu para “menos de metade”. Na área das smart cities, no último ano e meio, foram criados 200 postos de trabalho, mas as estimativas apontam para que, nos próximos anos, sejam precisos mais 300 engenheiros. Para albergar este sector emergente, o município criou a Vissaium XXI, que é, simultaneamente, uma incubadora e um centro de empresas, e na qual se está a ponderar a instalação de uma creche 24horas. Tudo isto, a pensar nos mais jovens e nas famílias que têm ou podem vir a constituir. “São pequenas mais-valias, que se juntam à mensagem de que, em Viseu, se vive melhor e com menos custo, já que o salário de um jovem em Viseu é incrementado em 40 ou 50% face a Lisboa e Porto”, argumenta.

“Mobilidade de A-Z”
Enquanto laboratório vivo, a cidade está a testar algumas soluções inovadoras na área da mobilidade, em particular no que se refere aos veículos não tripulados. É também na mobilidade que Viseu está a preparar uma grande mudança, numa iniciativa “mais estruturante, que vai de A a Z e que irá democratizar o acesso à cidade”, avança Almeida Henriques. O projecto Mobilidade Urbana de Viseu – MUV deverá estar completamente operacional em 2020 e vai incluir uma nova rede de transportes urbanos, 5,5 quilómetros de ciclovias dentro da cidade, bicicletas partilhadas (eléctricas e convencionais), uma nova Central de Mobilidade, o serviço de transportes on-demand para as freguesias periurbanas e um sistema de estacionamento com três novos parques e sensores instalados pela cidade. Para além disto, juntam-se ainda dois autocarros eléctricos que vão circular no centro histórico e o Viriato, o veículo não tripulado, também eléctrico, e que substitui o funicular. Tudo isto estará integrado numa única aplicação, a MUV, actualmente a ser desenvolvida pela IBM e que permitirá comprar bilhetes ou ter passes electrónicos, validar viagens, ligar ao Wi-Fi, saber os horários dos autocarros em tempo real ou a disponibilidade de estacionamento, abrangendo todo o circuito do concelho.
O coração deste novo projecto vai ser a nova Central de Mobilidade, que resultará da remodelação da actual central de camionagem e cujo projecto de modernização está em fase concursal. “É ali que chegam todos os transportes que vêm das nossas freguesias e dos concelhos limítrofes e é a partir dali que assumimos colocar todas as pessoas em cada ponto da cidade com seis minibuses, com passagens a cada 20 minutos. Numa cidade média como Viseu, isto é uma verdadeira revolução, para não falar na componente tecnológica, já que todos os veículos trazem Wi-Fi, GPS, plataformas elevatórias e suportes para bicicletas”, descreve.
Jovens e seniores são os públicos-alvo principais deste novo sistema de mobilidade, mas pretende-se também convencer aqueles que trabalham no centro de Viseu a abdicar do carro particular, até porque há uma grande ambição no longo prazo – “Não escondo que, quando tivermos todo o sistema de mobilidade a funcionar, quero retirar o tráfego do centro histórico”, afirma Almeida Henriques. O autarca admite que, embora esta seja uma “decisão radical”, terá de ser tomada, “mas só quando houver condições para o efeito”, daí a importância não só dos três novos parques de estacionamento que estão a ser construídos no centro histórico, mas do bom funcionamento de todos os elementos do sistema de mobilidade. Tal como aconteceu quando se proibiu o estacionamento no átrio da Sé de Viseu, é expectável que a primeira reacção dos munícipes seja negativa. “Hoje, todos reconhecem que foi uma boa decisão”.
Também a pensar no pedestre, foram implementadas algumas medidas para aumentar a segurança de quem circula a pé em Viseu, nomeadamente através da introdução de iluminação das passadeiras, sinalética dissuasora de velocidade, limitadores de velocidade, passadeiras acessíveis para quem tem mobilidade reduzida e também para invisuais.
Quando totalmente implementado, a autarquia espera que este sistema seja autossustentável, ou seja, que se pague a si mesmo. Para já, no total, o projecto representa perto de 15 milhões de euros de investimento, dos quais 10,5 milhões são só para o sistema de estacionamento e cerca de quatro milhões para os transportes. “Tudo isto quase sem investimento da câmara municipal, que é o mais interessante, pois é feito através de duas concessões, e algum desse investimento está no nosso PEDU [Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano]”, explica o autarca. Não obstante, a coordenação do sistema estará a cargo da câmara municipal, que se assume como a autoridade municipal de transportes.
A mobilidade é a área emblemática da transformação smart de Viseu, mas há também outros projectos que merecem destaque e colocam a cidade na transição para a economia circular. No que se refere ao ambiente, o concelho tem já instalada sensorização na maior parte dos contentores, sendo que as zonas de maior densidade dispõem de sensores mais sofisticados, o que permite a optimização das rotas dos camiões de recolha. Nos próximos três anos, será implementado o sistema de utilizador-pagador, aumentando também a recolha selectiva dos resíduos e encaminhando uma parte para que possa ser utilizada na central de biomassa. Outra das prioridades com vista a uma lógica mais circular é a gestão da água, em particular depois das dificuldades vividas pelo território no ano que passou. Para além do reforço da barragem do Fagilde e da criação de um sistema de abastecimento alternativo com origem no rio Balsemão, o município está a implementar um sistema de telegestão que tem já com contadores inteligentes instalados em mais de 460 clientes, numa iniciativa que começou, inclusivamente, na freguesia rural de Mundão. Em preparação está também a candidatura de um projecto ao programa comunitário Horizonte 2020 com vista ao aproveitamento das águas recicladas na ETAR de Viseu Sul. “No espaço de três anos, queria ter Viseu completamente autónomo do ponto de vista daquilo que são regas de jardim e água de limpezas de rua, isto é, que não utilizássemos um metro cúbico que fosse de água tratada para esse efeito e estimular isto junto das populações e das diferentes freguesias”, anuncia o edil.
Ainda no domínio ambiental e numa iniciativa em parceria com a Universidade do Minho e o Politécnico de Viseu, a Cidade Jardim georreferenciou o seu bosque urbano, contemplando 50 mil árvores. Com este levantamento exaustivo de todas as espécies arbóreas da cidade, é possível, explica Almeida Henriques, “ter uma lógica diferenciada, por exemplo, para as podas em alturas diferentes do ano, permitindo até fazer podas tardias que vão diminuir o efeito dos pólenes em pessoas com alergias, ou planear a replantação, retirando algumas espécies para integrar outras”.

Do rural à smart city
Viseu é uma cidade que vive lado a lado com o rural e isso torna-se mais evidente quando se visita as freguesias periurbanas. Poderá a aposta actual no centro deixar esquecidas as zonas mais rurais de Viseu? Almeida Henriques garante que não, mas admite que esta é uma “fragilidade” que tentam esbater, num esforço de aproximação ao território, que passará, por exemplo, pela criação do serviço de mobilidade on-demand, e de serviços municipais e para o cidadão itinerantes, que permitirão aos munícipes dos territórios de baixa densidade tratar dos seus assuntos, em dias específicos, sem ter de se deslocar ao centro. Para além disso, está também a incentivar-se a fixação de empresas nestas áreas, nomeadamente com a criação de parques empresariais, como o de Santos Evo ou a ampliação do de Mundão. Todavia, há uma dificuldade que persiste nesta matéria: as acessibilidades digitais. “Ninguém se fixa num território que não tenha Internet ou GSM”, afirma o autarca, “esta devia ser uma área que as políticas públicas nacionais deveriam olhar com mais atenção. Tem de haver uma conjugação de esforços [entre autarquias e o Estado central] e um desígnio nacional para assegurar a cobertura GSM e de fibra óptica, para que estes territórios deixem de ter esse handicap”.
As ambições do executivo municipal são claras: para além de ser “melhor cidade para viver”, pretende-se também “tornar Viseu numa das primeiras cidades médias inteligentes da Europa”. Na estratégia viseense, não se pode ignorar a forte aposta no marketing territorial que tem trazido crescente visibilidade à cidade. “Hoje, uma cidade que não comunica não existe e, portanto, [o marketing territorial] é importante e os frutos estão aí. Viseu é uma cidade da qual se fala hoje positivamente como uma cidade de qualidade, reconhecida por quem cá vive, mas também por quem nos visita”.
Na componente mais tecnológica, Almeida Henriques, que lidera também a secção de Cidades Inteligentes da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), sabe que, embora haja muitos projectos que se estão a desenvolver, só “vão ter mais-valia depois de as pessoas os sentirem”, algo que espera que aconteça já ao longo deste mandato. “Os objectivos destes projectos são qualidade de vida, captação de pessoas e de massa cinzenta. Não estamos apenas interessados em captar investimento e é preciso passar esta mensagem: há massa cinzenta nesta cidade média do interior do país; há massa crítica, porque é uma cidade com quase 100 mil habitantes; e há uma aposta na qualidade de vida associada à vertente tecnológica para optimizar a gestão do próprio município”, conclui.
