No final de novembro do ano passado, Lisboa foi a cidade escolhida para arrancar com o projeto piloto de trotinetes elétricas: a Hive. Ao contrário daquilo que tem sido o comportamento corporativo mais usual, esta startup do grupo MyTaxi (aplicação líder na Europa para reserva de Táxis integrada no grupo Daimler), em vez de invadir a cidade, optou por colaborar com esta de forma a cocriar uma solução sustentável e replicável.

Encarada como um piloto para o negócio, Eckart Diepenhorst (CEO da MyTaxi) anunciou a prioridade estratégica: “que a cidade goste de nós!”. Na Alemanha, país de origem da MyTaxi, as trotinetes elétricas estão proibidas, mas brevemente esta lei vai ser alterada e, fruto de uma co-criação com o município de Lisboa, certamente que a Hive terá argumentos muito mais fortes para assumir o caminho da liderança europeia nesta solução de mobilidade. Por outro lado, o município de Lisboa e o vereador da mobilidade, Miguel Gaspar, primaram por desenvolver as condições necessárias quer para atrair, quer para fomentar o projeto.

Esta é uma demonstração da nova tendência nas smart cities: as Cidades Demo ou CAAD (City As A Demonstrator).

Na sua maioria, as empresas não querem inovar contra as cidades e as suas estruturas estabelecidas. Por sua vez, as cidades não têm sido eficazes a regulamentar as novas tecnologias e a inovação disruptiva. As manifestações dos condutores da Uber um pouco por todo o lado, quando retiradas as licenças, e os processos de quem contraiu empréstimos para reconstruir o prédio de família que seria um investimento com retorno rápido via Airbnb, mas que acabou, entretanto, inviabilizado, por limites legais de arrendamento de 60 dias, demonstram a ineficácia legal no passado bem como a emergência de uma nova ordem urbana.

A governança e liderança de uma cidade inteligente implica retornar à sua essência: usar o poder legislativo como motor de progresso da cidade!

A rede Europeia de Laboratórios Políticos

Foi neste sentido que a EIP-SCC, uma parceria pela inovação em Smart Cities e Comunidades da União Europeia, lançou a Rede Europeia de Laboratórios Políticos (European Network of City Policy Labs). Esta rede pretende equipar as cidades, os seus laboratórios urbanos e incubadoras, de ferramentas, processos e ambientes protegidos para lançarem soluções que, por serem verdadeiramente inovadoras, provocam desafios sociais e mudanças comportamentais, logo, consequentemente, necessitam de novos regulamentos (não confundir com políticas).

Em suma, a criação de um Laboratório Político é a instalação de uma estrutura capaz de atrair investidores e startups para demonstrarem os benefícios da sua inovação em ambiente real. Ao integrar essa estrutura numa rede global, a cidade está a garantir ao investidor a eventual escalabilidade da solução. Uma forma inquestionável das cidades e os seus municípios liderarem as soluções smart implementadas, garantindo benefícios para a sua população e economia local!

Principais áreas estratégicas para criar uma cidade demo

A rede Europeia de Laboratórios Políticos (Innovate.City) definiu os standards europeus para uma cidade demo. Estas melhores práticas consistem em quatro áreas de intervenção que transformam uma zona urbana num polo de atração de inovação, startups e investimentos privados no desenvolvimento da cidade:

  1. Infraestruturas e dados abertos

No novo paradigma urbano, as infraestruturas e dados de uma cidade são um bem comum. Por essa razão, a cidade deve ser uma plataforma aberta para a co-criação de melhorias e desenvolvimento desse bem comum. Trata-se de uma mudança de paradigma na governação das cidades que até agora são geridas por “pseudo-especialistas” de grandes corporações e pelo Município, comprador de todas as soluções. Este novo paradigma implica abrir, comunicar e divulgar os problemas comuns como desafios urbanos, de forma a permitir à sociedade e aos seus empreendedores cocriarem soluções. A título de exemplo, em vez de adquirir todos os sensores para a cidade, como fez a maioria que agora não sabe como lidar com tanta informação. Chicago lançou o “Array of Things”, um projeto modular aberto à instalação de sensores de muitas organizações e startups;

  1. Cidade-portefólio

Atrair soluções implica competir com outras cidades. Globalmente! Para tal, a cidade deve desenvolver a sua marca e pitch baseado no próprio ADN. O foco de maior atração são as “personas” que caracterizam as suas comunidades e de forma a garantir um perfeito Product Market Fit. O nível de “cool” dentro de um determinado estereótipo de “cool” vai definir o reconhecimento da cidade. As provas de eficácia de sucesso em determinadas áreas constituem o seu portefólio e dinamizam a sua capacidade de atrair os investimentos relevantes. A cidade de Singapura é disso um exemplo: conhecida como a capital financeira da Ásia, abraçou o Blockchain e os ambientes protegidos (conhecidos por sandboxes) para fomentar a Fintech do século XXI, oferecendo melhor portefólio nesta categoria e é a Smart City de 2018!

  1. Ecossistema co-criativo em vez de mercado consumidor

Quando uma empresa ou startup procura um projeto piloto numa cidade, a sua intenção não é vender, mas aprender! Desse modo, não procura consumidores, mas opiniões, sugestões e mesmo soluções. Fruto desta aprendizagem (processo conhecido como Customer Development na linguagem das startups) é que a marca ganha vantagens competitivas. Desenvolver um ecossistema co-criativo implica adotar rotinas de co-criação e ferramentas colaborativas de Social Engagement. Exemplos como o projeto Better ReyKjavik  e incentivos como orçamentos co-criativos e são essenciais para o sucesso de soluções smart. Isto porque, nas cidades inteligentes, a inteligência vem das pessoas!

  1. Laboratórios Políticos

Cada projeto de demonstração numa cidade deve ser alojado num ambiente protegido, eventualmente limitado a um número específico de utilizadores ou serviços e constantemente supervisionado ao nível de resultados e expectativas. Os impactos sociais e comportamentais devem ser regulamentados em processos interativos e experimentais (método conhecido como Anticipatory Regulations). Trata-se de um serviço que integra os interesses de Customer Development das soluções inovadoras com uma nova forma de regulamentar mais experimental e interativa que garante o interesse de ambas as partes.

 

Os resultados obtidos fomentarão o sucesso do empreendimento na própria cidade pois serão os próprios cidadãos a dinamizarem e disseminarem o projeto entre os seus pares. Integrado na rede de Laboratórios Políticos cujos procedimentos são estandardizados entre si, a solução inovadora apresenta não só a fórmula testada ,mas também as eventuais propostas de alteração nos regulamentos de forma a beneficiar as pessoas e a cidade.

Em suma, com os laboratórios políticos, a cidade colabora com o privado na definição do modelo de negócio e na escalabilidade deste. Uma verdadeira sinergia para ambos, uma oportunidade de ser smart city sem gastar biliões de retorno questionável!

 

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.