Um processo que não deveria estar a acontecer, especialmente, quando se destaca a benignidade das democracias ocidentais para o progresso e prosperidade dos povos.
E, contudo, em cima dos 50 anos do 25 de Abril, correntes monotemáticas ocuparam o espaço dialético, político e mediático, não deixando margem para pensamento crítico ou reflexão mais aprofundada do que realmente está a acontecer na nossa sociedade e como pode a comunidade trabalhar em conjunto para resolver problemas e ultrapassar os desafios cada vez mais evidentes.
Claro que há sempre formas de introduzir novos tópicos no debate e promover a discussão saudável sem atritos nem desprezo por opiniões diferentes e visões alternativas do futuro. Contudo, esse esforço é cada vez mais oneroso para a reputação de quem ousa pensar diferente.
E foi, no entanto, essa condição de pensarmos diferente uns dos outros que fez evoluir a nossa sociedade de formas nunca antes imaginadas. É no debate e no pensamento crítico que se encontraram pontes e solucionaram, através da aceitação, argumentação, retórica e lógica, muitos dos desafios da Humanidade. Foi também, pela experimentação, pela disrupção, pelo conhecimento que se evoluiu em todas as áreas da ciência.
É no debate e no pensamento crítico que se encontraram pontes e solucionaram, através da aceitação, argumentação, retórica e lógica, muitos dos desafios da Humanidade
E se assim foi, por que razão, estamos a descer de patamar na Polis? Quais serão os motivos para que existam, atualmente, tantos atritos, resistências e inclusive insultos e depreciações mútuas? Quais os motivos que originam crispações e posições extremadas? Serão político-partidárias, académicas, económicas, sociais?
A meu ver, podemos estar perante o resultado de ausência de liderança e desresponsabilização dos atores políticos sufragados e avaliados nas urnas de quatro em quatro anos. Poderá estar aqui um dos motivos para esta “ligeireza” e pouca elevação no debate. Muitos destes líderes assumiram causas e incorporaram mensagens globais para os mais variados temas e consideram- se os embaixadores da “verdade” e, como tal, concedem ao espaço público de debate uma unanimidade total privando-o de qualquer oportunidade para uma visão diferente ou uma crítica, que, em boa verdade também surgem precisamente neste processo de gestão de armas políticas de arremesso sem qualquer intenção de encontrar soluções para os problemas. Muitos tendem também a procurar desresponsabilização nas tecnologias e na analítica dos dados que podem confirmar ou orientar decisões apenas e só porque um computador assim o determina.
O que deveríamos estar todos a pensar e a discutir era mesmo resolver os problemas de uma vez por todas e, todos os contributos são bem-vindos.
Vem esta reflexão a propósito da recente edição do Smart Travel, este ano, organizada pelo Município de Mealhada, nos dias 17 e 18 de Abril. O evento, no seu primeiro dia, procurou “desassossegar” as mentes através da filosofia e, nomeadamente, da “provocação” intelectual do professor José Alves Jana que deu um contributo riquíssimo para pensarmos as cidades no presente e não no futuro. Para Alves Jana, “a cidade pertence a todos e todos devem ter o direito e o dever de contribuir para a comunidade”.
O regresso à Polis, a discussão de temas de forma honesta e transparente e urbana é o segredo para ultrapassar desafios que estão a colocar-se a quem tem a missão de gerir os destinos tanto de empresas como de cidades como de países. Prosseguir, como a avestruz, enterrando a cabeça na areia e não enfrentando os problemas, apenas acenando com propaganda global e genérica inócua para as vidas dos cidadãos, afigura-se como um potencial desastre para as democracias ocidentais.
Enquanto isso, noutras latitudes, obviamente menos “democráticas”, os problemas resolvem-se, o progresso é evidente, o desenvolvimento económico e social consolida-se e os cidadãos começam a ter voz nas respetivas comunidades mesmo que não votem para eleger os seus líderes.
Mas é nas comunidades e no trabalho de resolução de problemas do dia a dia, que nascem os verdadeiros líderes, respeitados na sociedade e com méritos e qualidades humanas evidentes. E, naturalmente com exceções, é porventura isto o que está a faltar nas “fábricas de políticos” no ocidente.
“Esperamos todos que as nossas cidades do futuro sejam abertas, livres e prósperas. De 10, 15 ou 30 minutos, é irrelevante. O importante é que a liberdade prevaleça e se fortaleça. Caso contrário, teremos outra versão de Oppenheimer, desta feita para as cidades.“
Seja qual for a solução, deve ser sempre equilibrada. Se formos no sentido inverso e começarmos a ver apenas restrições, proibições e outros cortes na liberdade de movimentos dos cidadãos, apenas com intuito de controlar, então os fundamentos defendidos por Carlos Moreno serão subvertidos dando razão as teorias conspirativas, o que será um enorme dano para a nossa sociedade tal como qualquer outra invenção, opção estratégica ou inovação concebida para nos facilitar as vidas e contribuir para que sejamos mais felizes e tenhamos maior qualidade de vida. Julius Robert Oppenheimer também sofreu as agruras da alma dividida entre o progresso e o lado bom da ciência com o seu mau uso e nefastas consequências para o mundo e para a humanidade. Ficou celebre a sua frase: “Agora tornei-me a Morte, a destruidora de mundos”. Espero, pela grande amizade que tenho por Carlos Moreno, que ele nunca se sinta nesse papel de ter criado um conceito fantástico repleto de virtudes e que tenha sido mal-interpretado ou usado de forma errada numa sociedade que tem manifestado, cada vez mais, sinais complicados relativamente ao futuro das democracias e do mundo livre.
Esperamos todos que as nossas cidades do futuro sejam abertas, livres e prósperas. De 10, 15 ou 30 minutos, é irrelevante. O importante é que a liberdade prevaleça e se fortaleça. Caso contrário, teremos outra versão de Oppenheimer, desta feita para as cidades.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.
Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 43 da Smart Cities – abril/maio/junho 2024, aqui com as devidas adaptações.