Até 27 de Novembro, Veneza é palco de mais uma Bienal. Mário Caeiro, investigador e docente na ESAD.cr, esteve na 15ª Exposição Internacional de Arquitectura e, durante estes meses, leva-nos numa visita guiada exclusiva por esta mostra.

Quanto à Alemanha, levou à letra o espírito lutador da Bienal (palavras da própria Ministra que inaugurou o pavilhão). Não será de estranhar, dada a posição central da Alemanha na questão global dos refugiados; mas espanta sempre a capacidade do Pavilhão Alemão tornar performáticos os seus argumentos. No forte tema ‘Making Heimat’, valoriza-se o facto de a Alemanha ter sido, ao longo deste último ano, o destino de sírios, albaneses,  afegãos, etc., e de essa situação ter sido encarada sobretudo como oportunidade.

O conceito urbano de Arrival City (retirado de um livro do jornalista canadiano Doug Sanders) – sendo cidade de chegada qualquer cidade feita de pequenos espaços comerciais, bons acessos a transportes públicos, redes de imigrantes da mesma cultura e um ambiente de tolerância que se traduz na aceitação de práticas informais – inspira uma oportuna reflexão dos alemães sobre os seus próprios núcleos urbanos. Algumas das questões lançadas são: Como podem estes novos ‘chegados’ tornar-se plenamente integrados membros da sociedade? Qual o contributo da arquitectura e do desenho urbano nesse processo?

Oliver Elser, o curador, em colaboração com o atelier Something Fantastic tornou estas questões palpáveis através de uma fortíssima intervenção: rasgar quatro amplas aberturas nas paredes do Pavilhão, transformando-o numa espécie de praça. A obra – ‘completada’ com uma fonte de água potável e o serviço de catering proporcionado por um Iibanês de… Mestre – obrigou a remover 48 toneladas de pedra, simbolizando o acto político da Alemanha ter deixado as suas fronteiras abertas para receber 1 000 000 de refugiados.

 

Particularmente interessante é a problemática de como no Pavilhão Alemão a atitude crítica integra o patrimonial. Se a ousada intervenção reúne e reflecte sobre as qualidades arquitecturais necessárias para que a cidade nos receba (a todos), a traça original (o layer da arquitectura pré-existente) é necessariamente colocada em cheque, o que implicou cuidadas negociações com as próprias autoridades italianas. Não nos esqueçamos que qualquer monumento deve a sua existência ao discurso societal. Assim, a forma actual do Pavilhão – reconstruído em 1938 e 2016 – exprime dois extremos da história alemã. Aliás, será o facto de a imagem da Alemanha perante o mundo se ter alterado que levou a que as autoridades de protecção do património em Itália aprovassem a intervenção – de resto, na condição de o processo ser reversível (poder voltar a tapar-se as aberturas!).

O que é facto é que, ao final do dia, quando todos os pavilhões fecham as suas portas, o Alemão lá fica, ‘escancarado’, atravessado pelo sol e a brisa. Quando em Veneza se rasgam assim (literalmente) horizontes, as possibilidades que se abrem obrigam sucessivos protagonistas a, nas suas acções, traduzir necessariamente uma posição ideológica perante os problemas levantados. Por isso é Veneza um gigantesca operação de comunicação, em tempo real, do ‘estado da arte’ das problemáticas urbanas. São poderosas imagens  como esta do Pavilhão da Alemanha que criam um público mais exigente. É ‘pegar ou largar’, como fica patente nas palavras de Andreas Hild: Apenas o tempo o dirá se as mudanças no Pavilhão Alemão terão força para sobreviver enquanto desenvolvimento arquitectural; é algo mais que tem em comum com as transformações que estão a ocorrer na Alemanha.

 

 Foto: ©Agata Wiorko