As tecnologias tornaram-se essenciais para trabalhar os campos, ajudando quem assume a tarefa de alimentar uma população mundial crescente a medir a quantidade adequada de nutrientes e fitofármacos e a evitar desperdícios de água, tornando-se mais sustentável. Vários agricultores já seguem este caminho, mas ainda há barreiras a derrubar em prol de uma maior democratização e massificação do uso.

Na Herdade da Azinheira, na Vidigueira, Christophe Gameiro  conta com a ajuda de um drone com uma câmara  multiespectral com infravermelhos para “voar em cima da  parcela” e “saber a saúde das plantas”. É uma ajuda na produção  de olival e vinha e poderá ser uma mais-valia importante  na “experiência com maracujá” que começou a fazer.

Em Aveiro, João Loura salvou da degradação as marinhas de  sal do avô e dedicou-se ao cultivo de salicórnia, uma planta  que é considerada uma alternativa saudável ao sal. Mas  para cultivar nos campos “salgados e lamacentos”, teve de  conceber protótipos de máquinas de corte e outros sensores  e equipamentos específicos – alguns desenvolvidos com  a Universidade de Aveiro. Também recorre a análises laboratoriais,  drones para acompanhar a evolução da planta a  partir do ar, sondas em terra para colher informação sobre  condutividade, PH, salinidade, potencial oxidação-redução,  temperatura, pressão, resistência, entre outros. Só assim a  “Horta dos Peixinhos” conseguiu produzir, no ano passado,  60 toneladas de salicórnia e tornou-se um dos finalistas do  melhor ingrediente do ano nos IFE Manufacturing Ingredientes  Awards, em Londres.

São exemplos de como a agricultura de precisão está a ganhar  terreno, mas ainda há muito a fazer. Ricardo Braga, professor  do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, afiança que já  existe um “conjunto grande de ferramentas que estão a ser  usadas pelos agricultores, mas está-se longe do potencial e do  que pode vir a ser o impacto da digitalização no setor”. Estamos  num momento em que “o agricultor tem consciência dos  desafios e de como estas ferramentas os ajudam a ultrapassá-los”, mas há barreiras a dificultar a transição.  Barreiras do lado do produtor, no que diz respeito à procura  de serviços, ferramentas de digitalização. Para isto contribui  a idade elevada dos agricultores (em Portugal, a idade  média do agricultor está acima dos 60 anos), literacia digital,  falta de agregação (a dimensão média das explorações  ronda os 15 hectares, mas há delas muito mais reduzidas) e  a organização da produção.

Barreiras que têm a ver com o mercado. Isto prende-se com  a falta generalizada de conectividade no meio rural, – se não  há ligação à internet na zona rural, o agricultor não pode ter  acesso à informação em tempo real e a imagens de satélite  -, alguma “desadequação e falta de apoios”, que se têm ficado  mais na compra de equipamento e não na componente  dos sistemas de informação para saber processar os dados.  E, ainda, barreiras do lado da oferta de soluções. O mercado  é pequeno e isso faz com que, do ponto de vista dos fornecedores,  haja dificuldade em prestar o devido apoio, o que  provoca retração de quem investe. Também nem sempre há  um ajuste das soluções, que não são adaptadas à especificidade  da agricultura.

Investigadores do SFCOLAB e técnicos da Cooperativa Agrícola de Beja e Brinches

Atraso tem custos

“Há um caldo, um conjunto de circunstâncias que fez com  que ainda não se desse o click para a massificação da adoção  de tecnologias”, resume Ricardo Braga. Mas se não se der,  “o risco é enorme” e o “atraso tem custos”. A agricultura de  precisão “é qualquer coisa de virtuoso”, porque responde a  uma série de necessidades do setor, garante o professor de  agronomia, indicando três áreas fundamentais para o futuro:  o melhoramento genético dos organismo, o conhecimento  agrotecnológico e a componente digital (os sensores  e outros equipamentos, assim como a robótica), que permite  reduzir custos dos fatores de produção como a rega e fitofármacos  ou até mão de obra, aumentar a produtividade e  diminuir o impacto ambiental.

As alterações climáticas põem, atualmente, uma pressão  enorme na atividade agrícola a vários níveis. Por um lado,  a mitigação (a eficiência dos fatores reduz as emissões de  CO2 dos sistemas agrícolas, cria menos desperdícios, reduz  consumo de combustíveis fósseis, as emissões por otimização  do uso dos fertilizantes, etc.). Por outro, a adaptação, a  capacidade de reagirmos ao impacto das alterações climáticas.  O facto de se ter uma exploração digitalizada, com sistemas  de informação diversos, permite uma gestão adaptativa  das culturas e mais rigor no uso eficiente da água, um  bem cada vez mais escasso.

Ao clima, juntam-se outros desafios. A necessidade de se  produzirem mais alimentos face ao aumento da população  mundial. Estima-se que a população mundial atinja os 8.8  mil milhões até 2050, antes de começar a decair, ao mesmo  tempo que é preciso reduzir o impacto ambiental.

“Um sistema de produção agrícola munido das ferramentas  adequadas, com monitorização, conhecimento do que  está a acontecer no terreno, com capacidade preditiva, está  melhor apetrechado para responder a estes desafios todos”,  conclui o professor do Instituto Superior de Agronomia  de Lisboa.

A aposta na precisão também poderá ajudar a “atrair jovens”  para a terra e “talento para desenvolver novas ferramentas”  para o setor, assim como ajudar a transformar  áreas que antes não eram produtivas. Se Portugal abandonasse  a agricultura, não só perderia riqueza, mas existiria  um “assilvestrar da natureza e, com isso, a degradação da  paisagem e maior risco de incêndios”, alerta Ricardo Braga.

Preparação de terreno para cultivo de salicórnia em Aveiro

Financiar e transferir saber

Cada vez mais, explica agora Nuno Serra, Secretário-Geral  da CONFAGRI – Confederação Nacional das Cooperativas  Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal, “a agricultura  tem de produzir mais e melhor com menos recursos e isso  só é possível com a incorporação de tecnologia ao longo de  toda a cadeia de valor”. Segundo refere, já existem “alguns  agricultores que utilizam diariamente tecnologia, mas ainda  estamos muito longe de ter uma maioria a utilizar tecnologias  avançadas na produção”. Entre as maiores dificuldades  de digitalização da agricultura contam-se a “falta de  informação no sector acerca de novas tecnologias e também  de instrumentos financeiros de apoio ao investimento que  permitam ao agricultor, de uma forma fácil e desburocratizada,  ter financiamento dedicado ao investimento tecnológico  na agricultura”. Daí que a CONFAGRI defenda que  o investimento em sede do Plano Estratégico da Política  Agrícola Comum “deve ser uma prioridade”.

É para ultrapassar algumas das barreiras que dificultam a  introdução das tecnologias no setor que foi desenvolvido o  DigiFarm2all, um projeto financiado pelo Plano de Recuperação  e Resiliência e liderado pelo Smart Farm Colab, um  laboratório colaborativo para a inovação digital na agricultura.  Reúne 20 parceiros – entre cooperativas, empresas,  confederação de agricultores, centros de inovação e de competências  – para enfrentar o desafio da democratização da  Agricultura 4.0, maior acesso a tecnologias digitais e a sua  utilização em prol de uma agricultura sustentável.

Para Cátia Pinto, diretora executiva do Smart Farm Colab,  as cooperativas são entidades fundamentais para fazer chegar  a transição digital ao setor, adaptar a casos concretos e  ajudar a “capacitar” quem trabalha a terra. “As cooperativas  agregam associados de pequenas dimensões. Se criarmos  uma malha de informação para aquela região, ficam todos  a ganhar, fazendo destas um serviço em vez de cada um ter  de adquirir o seu equipamento de monitorização”.

Através do DigiFarm2all, foi instalada tecnologia em 17 locais  por todo o país. São “demonstradores tecnológicos para  monitorizar as condições agroambientais dos sistemas  produtivos” que incluem, por exemplo, estações meteorológicas  que avaliam a intensidade e direção do vento, precipitação,  radiação, temperatura e humidade do ar, assim  como sensores no solo que medem a temperatura, humidade  e conectividade elétrica. São usados sensores de baixo  custo, adaptados a cada situação específica. Os parceiros  têm depois acesso a uma plataforma que compila os dados,  em tempo real. No futuro querem evoluir para recomendações  automáticas, por exemplo, para a rega e fitossanidade.  “A tecnologia existe e há empresas com muitas soluções,  mas nem sempre temos uma solução à nossa medida ou se  percebe qual é a melhor para o nosso problema. Outra dificuldade  é a interoperabilidade dos dados, ou seja, como  agrupar num único ponto os dados recolhidos pelas diferentes  plataformas, de diferentes empresas, para a tomada de  decisão. E como integrar isto no dia-a-dia da gestão agrícola,  pois muitas vezes não há tempo”, acrescenta Cátia Pinto.  Em vinhas e plantações de kiwi de associados da Cooperativa  Terras de Felgueiras está um dos demonstradores e  o técnico Nuno Abreu garante que a recolha de dados atmosféricos,  do solo e as “armadilhas” para ajudar a detetar  pragas têm ajudado na gestão das culturas. “Em função  dos dados, podemos fazer controlos mais precisos das regas  (quando e que quantidade devemos regar) e dos tratamentos.  Ou seja, não tratar por calendário mas pelas condições  que existem no terreno a nível meteorológico, atuando de  forma preventiva e não curativa, com menos carga toxica”.  Instalar este tipo de tecnologia, “implica investimento e  nem todos os agricultores conseguem” fazer esse investimento  e tratar dados sem apoio técnico, explica agora Leonor  Novais, da Adega Cooperativa de Cantanhede, que monitoriza  equipamentos do DigiFarm2all instalados numa  vinha. “Esperamos que no futuro possamos instalar muitos  mais, não sei como conseguíamos trabalhar antes. A partir  dos dados e com as observações no campo, emitimos alertas  para que, preventivamente, os agricultores conseguiam  fazer os tratamentos fitossanitários”.

Ana Paula, da Cooperativa Agrícola de Beja e Brinches, que  usa esta tecnologia em olival, também garante que “faz falta”.  A estação meteorológica piloto foi instalada há cerca de  um ano. Com base em observações e nas informações que  a estação dá, conseguem perceber, por exemplo, “se estão  reunidas as condições para o desenvolvimento de uma determinada  praga e devem agir preventivamente”, havendo  igualmente ganhos em termos de “poupança na rega”.

Drones e robótica

O uso da tecnologia para otimizar culturas não é assim tão  recente. Há já duas décadas que Pedro Santos, da Agrodrone,  recorre a drones com câmaras para fazer mapeamentos  multiespectrais em culturas e sensores de diversos tipos para,  entre outras coisas, “medir o estado fisiológico da planta  no momento atual”. Depois, a empresa processa os dados,  para dar “um significado entendível ao agricultor e indicar  as quantidades de produto que têm de aplicar para corrigir  culturas”. “Com uma fertilização de precisão, atuamos para  nutrir e, organismos saudáveis e bem nutridos, não ficam  doentes”, sublinha Pedro Santos.

As inovações continuam a surgir. No Instituto de Sistemas  e Robótica da Universidade de Coimbra, por exemplo, o  investigador Cristiano Premebida tem-se focado nos ganhos  que as tecnologias podem trazer a diversas culturas.  No projeto europeu AIGreenBots (programa EU HORIZON  MSCA-DN), que coordena, instituições de Portugal, França,  Holanda, Espanha e Reino Unido procuram desenvolver  robótica e aprendizagem automática para aplicações  agrícolas digitais.

Este projeto vem na continuidade de outros dois, o Green Botics  e o AI+Green, igualmente focados nos principais desafios  da agricultura de precisão, aplicados sobretudo em vinha e  cereais. Estes trabalhos permitiram, entre outras coisas, “explorar  o processamento de imagem multiespectrais em drones  e imagens de satélite e machine learning”, para “explorar  índices de saúde da planta”, conta Cristiano Premebida.  Também se procurou “automatizar uma ceifeira”, acrescenta  o investigador, sublinhando que estes são “pequenos passos  para levar mais automação, mais tecnologia para os produtores  incorporarem nos seus negócios”.