As mortes prematuras atribuíveis ao calor têm vindo a aumentar gradualmente no Alentejo e, se nada for feito, a mortalidade associada às altas temperaturas poderá mais do que quadruplicar até ao final do século. A projeção faz parte de um estudo de dois investigadores portugueses, realizado no âmbito da estratégia regional da adaptação às alterações climáticas no Alentejo e publicado na revista BMC Public Health, que traça dois cenários climáticos distintos.

O primeiro, mais moderado, tem em consideração um aumento na temperatura do Planeta de 1,8 graus Celsius até 2100, resultante de um maior controlo das emissões de gases com efeito de estufa. Como resultado, prevê que o número de mortes quase que duplique em relação às primeiras duas décadas do século, passando de 3,64% para 6,61%. Já o cenário mais extremo, baseado num aumento médio de 3,7 graus, prevê uma subida bastante mais drástica, para 15,88%, ou seja, mais de quatro vezes superior.

“As projeções são preocupantes em ambos os cenários e colocam em evidência a importância das medidas de mitigação, bem como a necessidade de não se subestimar os efeitos do calor na saúde. Mesmo o cenário mais gravoso, em que pouco ou nada seria feito, é tido por muitos como inverosímil, mas não nos esqueçamos que o Planeta já atingiu a marca dos 1,5 graus e ainda estamos longe de 2100”, lembra Dora Neto, que realizou o trabalho em conjunto com o cientista Miguel Bastos Araújo.

Em entrevista à Smart Cities, a investigadora da Universidade de Évora admite que a região não está a conseguir adaptar-se de forma eficaz ao crescente aumento do calor. “Na verdade, não encontrámos evidências, pelo menos a longo prazo, de uma redução de mortes associadas ao calor e, portanto, isso sugere que ao longo do tempo as medidas implementadas até agora não têm sido suficientemente eficazes para mitigar os impactos associados”, concretiza.

Face a esta realidade, os autores do estudo defendem um reforço de medidas conjuntas e integradas, a começar pelo planeamento urbano e pela construção sustentável, como, por exemplo, a priorização de espaços que favoreçam a ventilação natural, a eficiência energética e o isolamento térmico, numa ótica de redução da dependência do ar condicionado. Simultaneamente é necessário sensibilizar as populações, até porque, acrescentam, “em comparação com o frio, os efeitos do calor parecem continuar a ser subestimados e não totalmente compreendidos pelas pessoas”.

Ondas de calor agravam riscos

De acordo com o estudo, em duas décadas e meia, entre 1980 e 2015, houve 5296 mortes prematuras no Alentejo atribuíveis ao calor. O mesmo significa dizer que, em média, acontecerem cerca de 151 óbitos por ano devido às altas temperaturas, mas, lembra Dora Neto, convém ter em consideração que “as mortes foram evoluindo em termos quantitativos, ou seja, aumentando gradualmente ao longo do tempo”.

Além disso, uma parte considerável destes óbitos prematuros podem ser atribuídos a uma onda de calor que aconteceu em 2003, mais precisamente entre 27 de julho e 15 de agosto. Só nesse período, poderão ter morrido no Alentejo 289 pessoas devido ao calor extremo, o que, diz a investigadora, “traduz de forma muito direta o impacto de uma onda de calor, tanto mais que ela foi prolongada no tempo e muito intensa”.

Outra das conclusões do estudo revela que, de forma algo surpreendente, não há evidências de uma aclimatação fisiológica ao calor. Ou seja, ao contrário do que é mencionado nos planos de contingência da região do Alentejo, não se constata uma maior tolerância do corpo à medida que o verão vai avançando.

Os investigadores analisaram também as mortes associadas ao calor em quatro sub-regiões alentejanas – Alentejo Central, Alentejo Litoral, Alto Alentejo e Baixo Alentejo – e, no final, concluíram que “o padrão da curva que revela o risco de mortalidade é semelhante para todas, ou seja, surge em forma de J e é exponencial”. No entanto, também se observou que, para as mesmas intensidades de temperatura, os riscos são maiores no Alentejo Litoral. “Isto mostra que as populações de regiões mais frescas, pelo seu histórico de exposição, apresentam uma menor tolerância ao calor”, explica Dora Neto. Ao mesmo tempo, o maior número de mortes verifica-se no Alto Alentejo, provavelmente “devido a uma maior frequência de dias com temperaturas mais elevadas e com intensidades também superiores”, acrescenta a investigadora da Universidade de Évora.


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