O sector da água é uma das principais apostas da Madeira em matéria de sustentabilidade e aproveitamento de recursos e, para isso, o Governo Regional está empenhado em “priorizar a economia circular do ciclo urbano da água”. A garantia foi deixada pela secretária regional de Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas, Susana Prada, durante a conferência Internacional CEES 2023, que decorre até sexta-feira (dia 30) no Funchal.
De acordo com a governante, a estratégia do arquipélago passa por “gerir melhor a água que circula nas redes municipais e nas nossas casas, mas também a água residual que poderá ser utilizada para fins compatíveis”. É por isso que, na Madeira, “as águas residuais são 100% aproveitadas para regadio, garantindo a circularidade e o aproveitamento total do recurso”, acrescentou. Neste contexto, um dos documentos mais importantes para a região é a Agenda Madeira Circular, criada em 2021, com o objectivo de acelerar a transição para uma economia regional mais circular, assente numa melhor gestão dos recursos naturais e dos resíduos.
Susana Prada sublinhou a importância da gestão da eficiência hídrica e o “enorme investimento” que tem sido feito para combater as perdas de águas, numa região em que 70% deste recurso perde-se nas redes. Lembrou também que a água e a insularidade foram sempre um bom pretexto para o empreendedorismo na região, dando como exemplos a construção das levadas, “uma obra hercúlea da maior importância até aos dias de hoje”, e da central dessalinizadora do Porto Santo, a primeira em Portugal.
A secretária regional defendeu ainda a necessidade de valorizar os resíduos provenientes da construção civil, reduzindo o envio para aterro, e concluiu a intervenção reiterando que “a Madeira tem o melhor índice de qualidade ambiental do país”.
Das levadas seculares aos sensores inteligentes
A água serviu também de tema à apresentação de Amílcar Gonçalves, presidente da ARM – Águas e Resíduos da Madeira, que teve como título “Water management in Madeira: One Island, three systems, 180 sources” (“Gestão da água na Madeira: Uma Ilha, três sistemas, 180 fontes”). Numa retrospectiva histórica, o responsável desta empresa pública lembrou a existência de levadas desde os primórdios do povoamento, bem como de canais desenhados no início dos anos 40 do século XX, que ainda hoje são ainda a principal estrutura de abastecimento da ilha.
Trata-se de um sistema singular e com muitas particularidades, “desde logo porque tem uma rede muito capilar de levadas e levadinhas que levam a água até à pequena parcela, mas também porque o processo de recolha vai buscar imensa água a diversas fontes, como pequenas nascentes, riachos ou quedas de água. Daí as 180 origens”, explicou Amílcar Goncalves à Smart Cities, numa conversa telefónica realizada após a apresentação. Algumas destas origens são superficiais, mas também há muitas subterrâneas – “o interior da ilha funciona como uma barragem” – que estão interligadas com três sistemas principais: Canal do Norte; Calheta-Ponta do Sol e Tornos.
Uma vez que a ilha não dispõe de um grande manancial de água, nem de grandes albufeiras, “o sistema madeirense é em si um paradigma da sustentabilidade”, que tenta aproveitar ao máximo as águas que correm das ribeiras para o mar, transferindo-as do Norte para o Sul. Para isso, o sistema de telegestão e monitorização da rede exerce um papel fundamental, “contando com 500 quilómetros de fibra óptica que acompanham toda a rede, além de mais de 40 mil sinais, sensores de nível, de pressão, de temperatura e de caudal, por exemplo, que estão continuamente a alocar a água onde é necessária”. Ela é entregue (por esta ordem de prioridade) aos sistemas municipais de abastecimento, depois ao regadio e por fim à produção de energia.
O presidente da ARM diz que há um diálogo constante com os responsáveis dos sistemas urbanos, mas reconhece a necessidade de reduzir as perdas de água na ilha. Uma tarefa que, defende, passa em boa parte por uma maior sensibilização de autarcas e responsáveis municipais.
4 dias para debater a construção, a energia, o ambiente e a sustentabilidade
A sessão de abertura da conferência CEES 2023 terminou com a intervenção (por vídeo conferência) da ministra de Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, que realçou a importância de combater as alterações climáticas e acelerar a transição energética. Para optimizar a descarbonização da economia portuguesa, defendeu o imperativo de definir prioridades que acompanhem as políticas de coesão territorial e reduzam as desigualdades de desenvolvimento entre várias regiões. “Essas desigualdades não estão relacionadas apenas com questões socioeconómicas, mas também com a qualidade de vida que todos os territórios devem oferecer à população e que acabam, claro, por se reflectir nas nossas cidades e vilas”, afirmou a governante.
O primeiro dia do evento, organizado pelo Itecons, pela Universidade de Coimbra e pelo centro de investigação canadiano CONST-NRC, contou ainda com a intervenção de Umberto Berardi sobre materiais inovadores que ajudam a enfrentar as alterações climáticas. Já a apresentação de Nelson Lage, da ADENE, dedicada à literacia energética foi adiada para esta quarta-feira, 30 Junho. O programa do dia conta também com uma sessão sobre inteligência artificial e digitalização da sociedade, a cargo de José C. Príncipe, professor da Universidade da Florida. Já na quinta-feira, Francesco Asdrubali, da Universidade de Roma, vai falar sobre etiquetagem ambiental no sector da construção, enquanto Paulo Santos, da ADENE, abordará as ferramentas inovadoras que estão a ser desenvolvidas para promover a sustentabilidade e a circularidade nas organizações e no ambiente construído.
A conferência, que conta com cerca de 270 participantes (alguns à distância) de 28 países, termina na sexta-feira (30 de Junho), com um dia dedicado exclusivamente a sessões paralelas (muitas outras aconteceram nos dias anteriores). Entre os temas a discutir estarão, por exemplo, a valorização de resíduos naturais para melhorar o isolamento sonoro ou o estímulo de comportamentos eficientes do ponto de vista energética em famílias com crianças.
Fotografia de destaque: © ARM