Como será este Verão em matéria de vagas de calor, incêndios florestais, secas e cheias? Para a Agência Europeia do Ambiente (AEA) as “perspectivas gerais são pessimistas”. De acordo com um relatório divulgado na semana passada, os fenómenos climáticos extremos poderão tornar-se maiores, mais fortes e mais frequentes, mas também durar mais tempo e provocar piores consequências.

Para traçar este cenário europeu, o documento “Extreme summer weather in a changing climate: is Europe prepared?” tem como referência os dados dos últimos anos e dá como exemplo os eventos meteorológicos que aconteceram na Primavera e no Verão de 2021 e 2022. Portugal surge em destaque na análise aos incêndios florestais, por ter sido o segundo país mais afectado em 2022, com um total de 153 incêndios e uma área ardida de 949 km². Pior só a Espanha, onde houve 208 incêndios (com 30 ou mais hectares) e 2.754 km² destruídos, enquanto a França (que ficou no terceiro lugar) registou 74 fogos florestais e 465 km² ardidos. Nesse ano, por toda a Europa arderam em três meses – Junho, Julho e Agosto – mais de 5.000 km² (o dobro da área do Luxemburgo), o que representa o segundo pior ano desde 2000.

As previsões em matéria de incêndios são especialmente preocupantes para países como Portugal e Espanha. De acordo com o relatório da AEA “num cenário de alterações climáticas com emissões elevadas, o Sul da Europa, em particular a Península Ibérica, registará um aumento acentuado de dias com elevado perigo de incêndio”. Para os autores do relatório, poderá aumentar em 15 milhões (24%) o número de pessoas (a viver perto de terrenos selvagens) expostas a perigo de incêndio elevado ou extremo durante 10 dias ou mais, caso aconteça um aquecimento global de 3°C até ao final do século.

Associado a este problema surge também a seca. Até porque, recorda a agência, em 2022 aconteceu “a pior dos últimos 500 anos na Europa”. Além disso, “outro Inverno seco não augura nada de bom para este Verão e, por isso, as perspectivas são pessimistas”.  As projecções climáticas a longo prazo indicam que o Sul e o Centro da Europa serão ainda mais secos e quentes ao longo do século XXI, “com consequências devastadoras para o sector agrícola”.

Portugal é igualmente referenciado na parte dedicada às vagas de calor. O documento destaca as temperaturas acima dos 45°C registadas no nosso país durante o Verão de 2022 e lembra o excesso de mortalidade associado às temperaturas elevadas que aconteceu em Julho. Recorde-se que, de acordo com a Direcção-Geral da Saúde (DGS), mais de mil pessoas morreram em Portugal entre os dias 7 e 18 desse mês devido às altas temperaturas que se verificaram.

Mas este é um problema que se estende ao resto do continente europeu. Como explica a AEA, em 2022 as temperaturas médias em toda a Europa foram as mais elevadas de que há registo para o período de Verão, 1,4°C acima da média e “as alterações climáticas causadas pelo Homem tornaram o fenómeno das vagas de calor, em algumas partes da Europa Ocidental, pelo menos 10 vezes mais provável”. Também neste caso, o cenário para os próximos anos não é positivo: “no Sul da Europa, em especial, poderá haver mais de 60 dias de Verão em condições perigosas para a saúde humana, o que significa um maior número de mortes e internamentos hospitalares, especialmente entre os idosos e os doentes, a menos que sejam tomadas medidas de adaptação”, alerta a agência europeia.

O relatório aborda ainda os riscos de inundações na Europa, embora neste caso não haja uma referência directa a Portugal. O destaque é atribuído às grandes cheias de Julho de 2021 no centro da Europa, que afectaram sobretudo a Alemanha, a Bélgica, o Luxemburgo e a Holanda. Mesmo assim, faz questão de lembrar que no curto período entre os dias 13 e 15 desse mês aconteceram, em diversos países, mais de 40 eventos de cheias.

Perdas avultadas e medidas para a transição

Através de um grafismo, a Agência Europeia do Ambiente faz um cálculo das perdas humanas e financeiras resultantes de fenómenos extremos associados ao tempo e ao clima, entre 1980 e 2021. Neste período, mais de 182 mil mortes tiveram como causa inundações (4.161); vagas de calor (159.003); secas, incêndios florestais e vagas de frio (15.169); e tempestades e deslizamentos de terra (3.972).

Nestas três décadas, estes fenómenos extremos também provocaram 561 mil milhões de euros em perdas económicas, a maioria relacionada com inundações (258 mil milhões), seguindo-se as tempestades e deslizamentos de terras (183 mil milhões), as vagas de calor (77 mil milhões) e, por fim, as secas, incêndios florestais e vagas de frio (43 mil milhões). Do total, apenas 170 mil milhões (30%) estavam cobertos por seguros.

O relatório defende que “é possível fazer mais para ligar as políticas de adaptação às políticas sectoriais, por exemplo, no domínio da saúde” e acrescenta que se tornou urgente intensificar a aplicação de medidas de adaptação às mudanças climáticas, “como os planos de acção para a saúde relacionados com o calor ou o aumento do número de espaços verdes e azuis (árvores e água) nas cidades, que podem baixar as temperaturas e reduzir o risco de inundações”.

Para a AEA, este sentido de urgência aplica-se também ao sector da agricultura, cujos rendimentos poderão baixar se não houver uma maior transição. Mas há alternativas: ”os agricultores podem limitar os impactos negativos dos riscos de temperatura e de seca adaptando as variedades de culturas, alterando as datas de sementeira e modificando os padrões de irrigação”, diz o documento.

A Agência Europeia do Ambiente sublinha ainda que “o empenho das autoridades locais e regionais na adaptação é crucial” e dá os exemplos do Pacto dos Autarcas para o Clima e Energia, assinado por mais de 4.500 cidades, e da Carta da Missão Adaptação às Alterações Climáticas, que envolve mais de 300 regiões e municípios.

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