Está quase a ser conhecida a proposta para a Estratégia Nacional de Smart Cities. A preparação deste documento estratégico, que visa alinhar os esforços dos municípios portugueses e de empresas e agentes do sector com uma “visão nacional” para a inteligência urbana, está na recta final, mas terá ainda de passar pelo escrutínio da consulta pública.

 

A Estratégia Nacional de Smart Cities e o respectivo plano de acção deverão entrar em consulta pública durante o mês de Abril. Inicialmente prevista para Março, fonte da Estrutura de Missão Portugal Digital, entidade responsável pela iniciativa, confirmou, esta semana, à Smart Cities a nova data para a auscultação pública. Depois do arranque dos trabalhos em Julho passado, a elaboração dos documentos estratégicos está agora na recta final, prevendo-se que a publicação da versão definitiva aconteça em Maio.

Prevista no Plano de Acção para a Transição Digital, aprovado em Abril de 2020, a Estratégia Nacional de Smart Cities tem como propósito o desenvolvimento de “cidades inteligentes que proporcionem serviços mais centrados nas pessoas, inclusivos, sustentáveis e interoperáveis em todo o território nacional”. A iniciativa está a ser coordenada pela Estrutura de Missão Portugal Digital, com a colaboração da Agência para a Modernização Administrativa (AMA), da direcção-geral das Autarquias Locais e da direcção-geral do Território, tendo sido criado um grupo de trabalho, formalizado em Fevereiro através do Despacho n.º 1369-A/2022, para o efeito. Por ser considerada uma “reforma estrutural”, a elaboração desta estratégia beneficia do apoio do Instrumento de Assistência Técnica (IAT), da DG REFORM da Comissão Europeia, cuja implementação, após concurso público, cabe à equipa de consultadoria estratégia da PwC, em parceria com o CEiiA, a Porto Digital e o LARSyS.

Com uma duração de dez meses, a elaboração da Estratégia e dos restantes documentos, para a qual contribuem também a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e o Cluster Smart Cities Portugal, consistiu numa abordagem colaborativa que incluiu já a realização de diversas iniciativas de auscultação aos diferentes agentes – incluindo municípios, empresas e outros stakeholders interessados. O diagnóstico feito até aqui, e que foi acompanhado em exclusivo pela Smart Cities, permite já identificar algumas das questões a que os documentos finais darão resposta – desde a ausência de um modelo de governança e de planeamento integrado à escala nacional, à dificuldade na escalabilidade de projectos e a falta de competências e meios técnico-financeiros dos municípios.

Tecnologia e inovação ao serviço (do) público

Realidades e velocidades distintas fazem parte do retrato nacional no que diz respeito à implementação da ideia de smart cities. Com esta estratégia, o objectivo, revelou a secretaria de Estado para a Transição Digital, é “construir uma visão nacional”, que “contribuirá para melhorar a inteligência dos municípios nacionais e aprofundar a colaboração entre actores a nível local, regional, nacional e comunitário”.

Mas, nesta “visão nacional”, o que se entende por smart cities? “O conceito está a ser interpretado na sua forma mais abrangente, englobando todo o território nacional”, o que inclui as zonas urbanas, mas também as rurais, responde a Estrutura de Missão, acrescentando: “o desejo sentido globalmente, quer por via dos municípios, quer por via de outros interlocutores, incluindo do sector privado, é o de que os designados territórios inteligentes se sirvam da tecnologia e da inovação para proporcionar serviços centrados nas pessoas, sustentáveis e interoperáveis em todo o território nacional”.

Alguns dos desafios estão já identificados, começando pela diversidade das iniciativas existentes no país, à qual se espera que o documento traga mais “coerência”, permitindo, por exemplo, a expansão de projectos pilotos locais e a adopção de princípios comuns e de um quadro de interoperabilidade que poderão ser aplicáveis a qualquer iniciativa em território nacional. Nesse sentido, a estratégia pretende “endereçar conjuntamente diversas preocupações manifestadas pelos municípios, incluindo a capacitação em competências digitais, a interoperabilidade e escala das soluções, a promoção de sinergias entre iniciativas, a optimização da captação de financiamento e o aumento do poder negocial dos municípios portugueses”.

Outra das matérias em que a Estratégia poderá ser determinante, segundo a coordenação do projecto, é no fomento da exposição internacional do sector, de modo “a potenciar o acesso a um mercado global, à escalabilidade dos projectos e à atracção de financiamento nacional e internacional”. Há ainda a expectativa de que também os municípios possam beneficiar desta maior exposição internacional naquilo que é a sua aposta em iniciativas de inteligência territorial.

A futura Estratégia nacional vai estar organizada em seis níveis diferentes – políticas e regulação; governança; financiamento e finanças; dados, plataformas e normas; parcerias; e domínios. A par do documento central, estão também a ser preparados um plano de acção e uma arquitectura de referência. O primeiro, explica a Estrutura de Missão, vai estar associado a um modelo de governança e quadro de cooperação multinível, focando-se em temas prioritários, como a capacitação local em competências de smart cities e meios técnico-financeiros para a prestação de um melhor serviço público digital de índole local, a priorização de áreas de actuação em domínios estratégicos para o país, como a transição digital e climática, e a agilização da adopção de iniciativas através da utilização de normas, protocolos e políticas comuns”. Por sua vez, a arquitectura de referência vai propor uma base tecnológica comum, com vista a “fornecer os elementos-chave para orientar e delimitar o âmbito da implementação de plataformas urbanas a uma escala nacional”, alinhadas com os padrões europeus e o referencial nacional existente.

“Base colaborativa”

Para conseguir que a Estratégia cumpra estes desígnios, foi já identificada uma necessidade prioritária: “aprofundar a colaboração entre actores a nível local, regional e nacional”. Isto permitirá “identificar mecanismos que contribuam para uma eficaz preparação, implementação e expansão de iniciativas” nesta área, diz a mesma fonte.

O esforço de colaboração tem, aliás, marcado o processo de desenvolvimento da própria Estratégia, que prevê o envolvimento de entidades a nível nacional e internacional, entre elas diversas áreas governativas. Desde o arranque do projecto, foram já realizadas inúmeras acções para a auscultação de municípios, empresas e outros stakeholders. “Têm sido promovidas sessões com o objectivo de complementar o diagnóstico em relação à situação actual, apontando caminhos para o futuro”, avança fonte da Estrutura de Missão.

Com 42 organismos distintos representados em acções de focus group, o contacto com especialistas tem servido para “recolher contributos adicionais relativamente a planos, iniciativas e soluções smart cities que estejam em curso, bem como [para] identificar barreiras à criação e implementação de iniciativas e recolher sugestões de melhoria, tendo em conta o actual contexto”.

Sendo agentes centrais neste processo, o contacto com as autarquias é também uma prioridade do projecto. Um inquérito feito aos 308 municípios resultou em 135 respostas, com uma representatividade de 64% do total da população portuguesa e acima de 30% para todas as regiões. As regiões Centro, Lisboa e Algarve foram aquelas que mais participaram, com uma representatividade acima de 50%. Além disso, foram ainda organizados workshops de co-criação com 49 municípios representados.

Segundo a Estrutura de Missão Portugal Digital, estas acções permitiram identificar mais de 300 projectos smart cities “que serão priorizados de forma a serem seleccionados [como] projectos bandeira no contexto nacional”. Na fase de diagnóstico, foi ainda possível concluir que 50 dos 135 municípios que participaram no inquérito já implementaram iniciativas smart cities, sendo que apenas nove conseguiram escalá-las e outros 30 estão ainda a planear a sua implementação. O interesse no tema das smart cities não é, no entanto, generalizado, já que a maioria (61) dos municípios inquiridos revelou não ter nem planear desenvolver uma estratégia ou plano de acção nesta área.

Durante o mês de Janeiro, também o sector privado teve oportunidade de participar na elaboração da Estratégia, através do lançamento de um inquérito on-line, ao qual “mais de 50 empresas relevantes do ecossistema das smart cities, academia e cidadãos individuais” deram resposta. “As empresas, como implementadoras de projectos de inovação e agentes deste ecossistema, ganham com a criação de uma visão comum e um plano de acção que clarifique as necessidades públicas, capacite a contratação e facilite a adopção de soluções através de normas, protocolos e políticas comuns que permitem acelerar a implementação, a escalabilidade futura das soluções e a exportação das soluções desenvolvidas”, explica a Estrutura de Missão.

Cidades.pt

Para garantir que a Estratégia Nacional de Smart Cities é comunicada de forma “consistente e abrangente”, o projecto inclui também o desenvolvimento da marca “Cidades.pt” e que terá associada uma presença digital. Numa primeira fase, o sítio on-line vai disponibilizar informação sobre a iniciativa, sendo que irá evoluir, após a aprovação dos documentos, para uma plataforma digital de suporte à Estratégia.

A marca é acompanhada pela assinatura “From smart cities to a digital nation”, que, segundo a Estrutura de Missão, “representa o propósito de fomentar o desenvolvimento de cidades inteligentes integradas numa estratégia comum de nação digital”.

Uma estratégia, seis níveis: no que consistem?

  1. Políticas e Regulação: políticas e regulamentação actualmente existentes no contexto europeu e nacional, a sua relação e aplicabilidade no actual contexto de smart cities;
  2. Governança: papel e responsabilidades das entidades que compõem o ecossistema de smart cities e a forma como esta temática é introduzida na estrutura organizativa a nível europeu, nacional e local;
  3. Financiamento e Finanças: mecanismos de financiamento disponíveis e tipicamente utilizados para iniciativas de smart cities a nível europeu, nacional e local;
  4. Dados, Plataformas e Normas: processos de recolha, tratamento, armazenamento, utilização e partilha de dados, bem como a sua agregação em plataformas, e interoperabilidade dos sistemas existentes;
  5. Parcerias: Ecossistema de parceiros no âmbito de smart cities, com foco no tipo de parcerias tipicamente estabelecidas, bem como na natureza da relação entre as várias entidades;
  6. Domínios: Iniciativas levadas a cabo no âmbito dos domínios de aplicação de smart cities ‒ qualidade de vida inteligente, economia inteligente, ambiente inteligente, mobilidade inteligente, governança inteligente e sociedade.

(Fonte: Estrutura de Missão Portugal Digital)

 

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 34 da Smart Cities – Janeiro/Fevereiro/Março 2022, aqui com as devidas adaptações e actualizações.