A estratégia está definida e por todo o país há projetos em curso, que vão das energias renováveis offshore à criação de novos produtos recorrendo à biotecnologia. Mas é preciso aprofundar o conhecimento sobre o oceano, protegê-lo das ameaças e assegurar que as boas ideias vão dar lugar a negócios e criar riqueza.

Produzir energia renovável offshore a partir do vento e das marés. Desenvolver aquacultura de forma sustentável. Construir embarcações tecnologicamente avançadas e que dispensam combustíveis fósseis. Extrair ingredientes de algas ou outros organismos marinhos para o setor farmacêutico ou cosmético. Rastrear bivalves. São exemplos do manancial de oportunidades que a economia azul representa, num país que tem uma linha de costa de 2500 quilómetros e uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas do mundo. Com 1,7 milhões de quilómetros quadrados, é a quinta maior da Europa e a 20.ª a nível mundial. 

Em Portugal, considera Nuno Lourenço, diretor da unidade de Oceano do CEiiA – Centro de Engenharia e Desenvolvimento, a economia azul, onde cabem “todas as atividades ligadas à exploração do mar que têm intrinsecamente aspetos de sustentabilidade social, ambiental e económica”, tem vindo a “crescer paulatinamente”. O país tem uma posição geoestratégica importante, um espaço marítimo significativo, com a extensão da plataforma continental, e uma grande riqueza de organismos marinhos. Já existe uma Estratégia Nacional e cresce a participação em fóruns estratégicos. Do ponto de vista da regulação do ordenamento do espaço marítimo e de licenciamento o país “evoluiu fortemente” e, na vertente tecnológica e de investigação também se registam “avanços”. O “grau de investimento tem aumentado” e há vários projetos em curso, mas é preciso conseguir alavancar a atividade em negócio. “Continua a haver um gap, que impede boas ideias de chegarem ao mercado”, alerta. 

No CEiiA, os investigadores têm vindo a desenvolver tecnologia para que o país ganhe maior capacidade de estudo do oceano. “É impossível ocupar o espaço marítimo sem ter um conhecimento cabal do que lá estava antes e como estamos a impactar com a ocupação. A própria ocupação carece de informação para dimensionar, para preparar, para saber se é relevante”, avisa Nuno Lourenço. 

Testes laboratoriais são fundamentais para desenvolver inovação. 

Afinal, não se vai colocar uma eólica offshore num sítio sem vento, pois não? “Para saber que o vento está lá temos que o medir ou modelar. O mesmo para a aquacultura, bivalves precisam de fitoplancton para se alimentar. Nós só podemos ser efetivos e, ao mesmo tempo, proteger o espaço marítimo, com conhecimento que decorre de informação que se obtém com estes instrumentos”, concretiza. 

Na unidade de Oceano, conta Nuno Lourenço, há um portfólio de equipamentos e sensores que permitem observar de forma integrada o oceano: “Desde o espaço, através de satélites, até veículos que permitem estudar a superfície e o fundo. Há equipamentos que funcionam como observatórios marinhos para monitorizar variáveis físico-químicas no fundo do mar. E sensores integrados que comunicam entre si. A informação é centralizada num sistema para estudar de forma integrada o oceano”.

Investigadores recorrem à ria de Aveiro para recolher amostras

Oportunidades de carreira

Álvaro Sardinha, do Economia Azul Centro de Competência, também considera que Portugal tem “a casa arrumada em termos estratégicos” e uma orientação clara do caminho a seguir, que não dispensa a proteção. “Se não tivermos um oceano saudável, não vamos ter sequer economia”, refere, apontado a moratória que foi aprovada no Parlamento sobre a mineração do mar (profundidade superior a 200 metros) até 2050, de forma a proteger ecossistemas que ainda são pouco conhecidos. 

No entender de Sardinha, considerando que cerca de “97% do território português é mar”, é “natural que o país tenha uma grande ambição. Não só para a economia, mas para a academia, para as carreiras profissionais”. O seu centro já deu formação em Angola e no Brasil e, na edição de novembro do programa de especialização em Portugal, houve participantes de quatro continentes. O programa é frequentado por pessoas da área da governação (municípios, organizações públicas), do setor empresarial, associações, fundos de investimento, instituições de ensino, profissionais e estudantes que aderem de forma individual, entre outros. Isto permite criar uma rede de networking da qual “já têm resultado parcerias e negócios”, sublinha Sardinha. 

Sistema piloto de recirculação em aquacultura visa melhor aproveitamento dos nutrientes

Por todo o país, há projetos em curso, empresas, laboratórios e centros de saber que se articulam para criar produtos e serviços. No Ecomare, um Laboratório para a Inovação e Sustentabilidade dos Recursos Biológicos Marinhos da Universidade de Aveiro, localizado junto ao porto de Aveiro, trabalha-se nas áreas da ecologia marinha aplicada, aquacultura sustentável e biotecnologia azul. Por lá procura-se, por exemplo, perceber a assinatura biogeoquímica dos animais marinhos (espécie de código de barras natural) para identificar o seu local de origem, rastreando-os para maior segurança alimentar, combater a apanha ilegal ou ajudar na criação de denominação de origem. Também se tenta conceber ingredientes alternativos para produzir rações de aquacultura (que podem passar por alimentar pulgas-do-mar com desperdícios agrícolas), entre muitos outros projetos. 

A terceira unidade do Ecomare avança por esta altura. Será um polo da rede Hub Azul que está a ser erguida por todo o país. Neste caso, vão dedicar-se à produção de aquacultura das espécies de baixo nível trófico, como algas, microalgas e bivalves, espécies mais sustentáveis de serem produzidas e têm um papel importante porque podem sequestrar carbono. 

“O mar tem um manancial de aplicações e os materiais de origem marinha estão a despertar o interesse de empresas que inicialmente não estavam ligadas ao mar. A biotecnologia foge do paradigma extrativo, podemos ir ao mar buscar compostos de interesse e usar essa riqueza em laboratório para criar novos produtos, processos ou serviços”, refere Ricardo Calado, do Ecomare. “Portugal tem condições fantásticas a nível de diversidade de espécies importante para a biotecnologia e uma massa crítica muito interessante”, que legitima a aspiração de se avançar com um centro internacional para a biotecnologia azul até 2027, considera ainda.

Pacto cria 51 produtos 

Há esforços para passar a inovação para a economia. As 83 entidades nacionais – entre empresas, centros de investigação, universidades e outros – que se juntaram para dar corpo ao Pacto da Bioeconomia Azul, são um exemplo. Vão investir 133 milhões de euros (94 milhões dos quais do Plano de Recuperação e Resiliência) para criar 51 novos produtos e serviços até 2025, ajudando a reindustrializar e descarbonizar a economia. Irão atuar em sete áreas, dos biomateriais aos bivalves, passando pelos têxteis, alimentação, algas, alimentação animal e pescado, a que se somam projetos de capacitação que incluem um biobanco, plataforma de valorização de produtos e internacionalização. Estão previstas resinas para o setor da cortiça, rações para animais, aproveitamento de algas e resíduos para produzir tecidos, entre muitas outras novidades. E as coisas estão bem encaminhadas, garante Miguel Marques, presidente do conselho de administração executivo da Inovamar, líder do pacto: “Já estão a surgir os primeiros sinais dos produtos, conseguimos erguer uma fábrica, contratar 640 cientistas”.

“O país tem uma enorme oportunidade. Tem muitos cientistas e temos a base, a matéria-prima. Temos um recurso enorme que é o mar, com ecossistemas extremamente variados”, acrescenta Miguel Marques. Estima-se que, até 2030, a indústria da bioeconomia azul valerá cerca de 200 mil milhões de euros no mundo e, com este piloto, “pretende-se garantir que Portugal tem uma fatia entre 5 a 10%”. Um dos parceiros do pacto é a Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa que, através do seu centro centro de biotecnologia e química fina, colabora com empresas para desenvolver vários produtos. Um, de valorização de rações para aquacultura, é de tal forma promissor, que uma empresa está a fazer um investimento de cerca de 15 milhões de euros numa nova fábrica. Outros estão ligados à área da alimentação (como conservas sustentáveis de alta inovação que podem incluir algas), criação de novos ingredientes e bivalves em aquacultura. A biotecnologia permite criar “novas soluções” e ajudar as empresas a tirar valor dos recursos marinhos, criando “alternativa às matérias-primas e produtos fósseis”, assegura a investigadora Manuela Pintado, da Escola Superior da Biotecnologia.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 43 da Smart Cities – abril/maio/junho 2024, aqui com as devidas adaptações.