O financiamento é, muitas vezes, apontado como uma das principais barreiras à execução de projetos no âmbito das cidades inteligentes. No entanto, existem muitas oportunidades de financiamento disponíveis, tanto a nível nacional, como europeu. Saiba como aproveitá-las.
O conceito das smart cities tem ganho cada vez mais espaço no léxico municipal com um conjunto de cidades a apresentar novos projetos, muitos deles disruptivos, num espectro alargado de dimensões da política urbana e que tipicamente colocam o cidadão no seu centro. Uma simples busca na internet e verificamos que cidades, das mais distintas dimensões e geografias, reivindicam o título de smart city. Para além das cidades, encontramos também múltiplos fornecedores que apresentam novas soluções tecnológicas ou modelos de negócio inovadores que permitem sustentar o conceito.
Esta evolução tecnológica é uma excelente oportunidade para as cidades atualizarem as suas infraestruturas através da adoção em larga escala de tecnologias inteligentes que permitem melhorar a qualidade de vida da população, promover novos serviços e gerar emprego, no entanto, o desafio reside essencialmente no financiamento das soluções. Assim, e face aos constrangimentos financeiros das autarquias locais, estas necessitam de encontrar, por um lado, sistemas de incentivo nacionais e europeus que permitam alavancar projetos altamente inovadores e, por outro, modelos de negócios alternativos que viabilizem e atraiam financiamento privado.
Se, por um lado, as cidades concentram a maioria da população, da riqueza e das atividades económicas, e, por outro, temos sistemas de incentivo especificamente direcionados para projetos de smart cities e investidores privados ou institucionais que oferecem múltiplas linhas de financiamento e que procuram projetos bancáveis, porque será que não há mais projetos a ver a luz do dia? O problema reside exatamente na “bancabilidade” dos projetos, que é dificultada por um conjunto de fatores dos quais gostaria de destacar o risco tecnológico, a difícil valorização económica dos benefícios e a necessidade de rotura com o “business as usual”.
É conhecida a relutância de muitos dos investidores institucionais em tecnologias não maduras. Uma vez que estamos a falar à escala da cidade e com o forte desenvolvimento tecnológico a que assistimos, muitos são os projetos que preveem ser pioneiros a implantar uma determinada tecnologia, reduzindo assim a confiança desses investidores na desejável integração, maturidade e usabilidade da tecnologia pela ausência de demostração prévia de prova de conceito.
Por sua vez, o financiamento típico de projetos de investimento em infraestruturas (por exemplo com base em project finance) baseia-se nos cash flows gerados por estas, no entanto, em muitos projetos de smart cities é difícil monetizar os benefícios (i.e., traduzir os benefícios, por exemplo, sociais, qualidade do ar ou de saúde pública, em benefícios económicos e financeiros), demostrando assim os cash flows e possíveis retornos financeiros gerados para o promotor e consequentemente para o investidor.
Por último, as novas tecnologias estão, muitas vezes, associadas a novos modelos de negócio que esbarram em modelos e regras de contratação pública complexas e, por vezes, inflexíveis ou no justificado receio dos responsáveis técnicos e políticos das cidades em alterar os paradigmas e modelos adotados recorrentemente. Um bom exemplo desta barreira é a dificuldade que as cidades tiveram (e ainda têm) em implementar os contratos de desempenho energético, em que o investimento é realizado tendo por base as poupanças futuras geradas pelas medidas de eficiência energética a implementar.
Aproveitar o que existe
Então, como é que o seu município pode tirar partido das oportunidades de financiamento existentes? O primeiro (e fundamental) passo em qualquer tentativa de financiar um projeto de smart cities é o desenvolvimento de um plano estratégico, abrangente e integrado que permita contextualizar e capitalizar os pontos fortes da estratégia e dos diferentes projetos, evidenciando a sua relevância para a cidade e para os cidadãos. Na definição do plano estratégico, devem ser adotados processos participativos, envolvendo os diferentes stakeholders, como os cidadãos, as empresas tecnológicas e os investidores nas decisões.
Importa garantir que as soluções adotadas são integradas e abrangem áreas tão distintas como a mobilidade, a energia ou a habitação, tendo ao mesmo tempo em consideração os impactos locais das alterações climáticas ou políticas regionais e nacionais que possam influenciar os investimentos a realizar.
Na seleção das opções de financiamento para projetos específicos não devem ser descuradas as possibilidades existentes. Estas podem ter por base sistemas de incentivos ou fundos estruturais de base europeia ou nacional ou, em alternativa, modelos de negócio que permitam alavancar financiamento privado. Saliente-se que as duas opções não são incompatíveis, devendo ser vistos, sempre que possível, como complementares.
Em termos de sistemas de incentivo, mais do que sublinhar as oportunidades nacionais que advêm do Portugal 2020 ou do Fundo Ambiental (ainda que, por vezes, com a chancela da descarbonização ou adaptação às alterações climáticas), destacam-se as Urban Innovative Actions (UIA), que têm apoiado projetos muito distintos e inovadores, alguns, ainda que sob a égide de outros temas, são claramente impulsionadores de smart cities; ou o Horizonte 2020, que tem linhas de apoio, aqui, sim, específicas para smart cities, como por exemplo o programa “Lighthouse Projects”.
Pese embora, nos dois exemplos anteriores, estarmos a falar da “liga dos campeões”, as cidades e empresas portuguesas não deverão deixar de apresentar a suas propostas e, acima de tudo, não deverão ter receio da concorrência. O recente exemplo do “Aveiro STEAM City”, apoiado através das UIA, ou a participação de Lisboa no “Sharing Cities”, apoiado pelo Horizonte 2020, mostram que as nossas cidades, ainda que de diferentes dimensões, podem “competir” de igual para igual com qualquer cidade europeia!
Para 2020, está prevista uma revisão alargada dos sistemas de incentivo, no entanto, não se prevê, por parte da Comissão Europeia, uma redução do investimento neste sector, e, muito pelo contrário, alguns dos programas sairão reforçados, abrindo novas oportunidades.
Em termos de financiamento, os modelos a adotar podem apresentar distintos formatos, desde soluções que financiam o próprio projeto baseadas, por exemplo, em project finance, empréstimos tradicionais, equity ou crowdfunding, ou soluções que adotam estratégias alternativas através de, por exemplo, modelos baseados em receitas ou poupanças geradas. Neste modelo, existem múltiplas soluções, destacando-se o financiamento através das poupanças geradas, por exemplo, pelas medidas de eficiência energética que integram o projeto (o que acontece frequentemente com a iluminação pública, na qual a introdução de LED pode gerar 70% de poupança na fatura energética) ou o financiamento dos investimentos em infraestruturas/tecnologia através da partilha das receitas obtidas através de possíveis contratos de disponibilização de serviço com utilizadores finais (por exemplo investimentos em redes de informação).
Na preparação do projeto, deve ser tido em consideração possíveis esquemas de agrupamento de projetos através do agrupamento de diferentes tecnologias ou diferentes entidades adjudicantes num só projeto tendo em consideração os diferentes riscos dos mesmos por forma a aumentar a atratividade e confiança dos investidores através da redução do risco e (se possível) aumento do volume de investimento e consequentemente dos cash flows.
Após a definição da opção de financiamento, importa definir com clareza a estrutura de contratação a adotar, sendo que, dependendo do fim do projeto, esta pode assumir diferentes tipologias tão distintas como a simples aquisição de serviços ou empreitadas a parcerias público-privadas. A seleção da estrutura deverá ter por base a transferência de risco e a inovação do projeto, sem deixar de considerar as regras da contratação pública e alguns limites por estas impostas.
Assim, com o projeto já maduro, e apenas nesta fase, deverão ser contactados os investidores privados, tendo por base um resumo executivo e um modelo financeiro que inclua uma descrição de todos os requisitos mencionado anteriormente, bem como uma análise dos principais riscos do projeto e de sensibilidade, assegurando-se que a proposta de projeto é factual e realista e tem por base prossupostos bem documentados e suportados.
Para conhecer mais sobre as iniciativas disponíveis a nível europeu, recomenda-se uma visita ao “Marketplace of the European Innovation Partnership on Smart Cities and Communities” e ao “Smart Cities Information System”, onde pode encontrar a mais variada informação sobre casos de sucesso, linhas de financiamento, modelos de negócio ou eventos de “matchmaking” entre cidades, fornecedores tecnológicos e investidores.