A forma como transportamos os alimentos que comemos e o desperdício alimentar tornaram-se grandes desafios ambientais e sociais a enfrentar pelas cidades. Produzir localmente, fortalecer circuitos curtos e criar redes de proximidade são algumas das soluções para sistemas mais sustentáveis. Municípios, especialistas e associações mostram projetos em marcha.
Não é preciso recorrer a números ou estatísticas para se afirmar que é nas grandes superfícies comerciais que se desencadeia, em maior escala, o consumo alimentar nas cidades. Os percursos demasiado longos, intercontinentais, percorridos pelos alimentos, os produtos sazonais disponíveis todo o ano nas prateleiras e a massificação das cidades, sem terrenos férteis para produção agrícola, ajudam a percecionar a realidade que é agravada pelo elevado preço a pagar pelo ambiente. Consumimos batatas que chegam do Egito por via marítima, ou bananas que são produzidas no Brasil e que fazem o longo percurso até Portugal. Mas são vários os fatores que explicam as tendências de consumo.
Basta olharmos para o ordenamento do território e para as duas grandes cidades portuguesas. As grandes áreas metropolitanas, como o Porto e Lisboa, têm percentagens muito baixas de solo rústico, o que significa pouca produção agrícola na periferia destas grandes cidades. Segundo o Relatório do Estado do Ordenamento do Território 2024, no município de Lisboa, a área rústica é praticamente nula e os dados mostram uma grande expansão urbana, acompanhada da impermeabilização do solo – fator que afeta os terrenos agrícolas férteis e põe em risco a biodiversidade. Em Lisboa, assim como na Amadora, Porto, São João da Madeira, Odivelas e Matosinhos, o solo não impermeabilizado – fértil para a agricultura – é muito inferior a 60%. Isto significa que a produção alimentar principal dificilmente ocorre nas cidades metropolitanas e que a maior parte dos produtos vêm de outras regiões e países.
Face a esta realidade, os responsáveis da Alimentar Cidades Sustentáveis Associação sugerem que as autarquias portuguesas integrem a agricultura e a alimentação nos Planos de Adaptação às Alterações Climáticas e nas estratégias de planeamento do território. A cofundadora e presidente, Cecília Delgado, diz ser necessária uma ação concertada da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Assembleia da República, para acabar com a perceção generalizada por parte dos decisores, técnicos e urbanistas de que não existe uma relação entre a crise climática e a ausência de ações locais para a combater. “A alimentação e a agricultura são responsáveis por 30% das emissões de carbono. O meu estudo com base em 14 Planos e Estratégias de Adaptação Climática concluiu que pouco mais de 10% das medidas e ações são referentes a este setor. Há uma lacuna e uma perda de oportunidade ao não contemplar o devido impacto deste setor nos Planos de Ação Climática”, defende a também embaixadora do Pacto Climático Europeu. Cecília Delgado propõe que os municípios implementem nos PDM a prevenção dos solos agrícolas para produção alimentar e que criem medidas de incentivo, incluindo a nível fiscal, para a utilização desses solos.
Portugal não produz, nem de perto nem de longe, aquilo que consome. Em 2023, o défice da balança comercial situava-se nos 5 500 milhões de euros de défice. Há vários motivos explicativos, entre eles o consumo acentuado de carne, peixe e ovos que não é suprido com a produção nacional. Já no caso dos cereais, por exemplo, Portugal produz menos 18% das necessidades de consumo, à exceção do arroz. O défice elevado é compensado com importações e, mesmo em setores em que se produz o suficiente para as necessidades, Portugal exporta uma boa parte para depois importar. No caso do azeite, a produção nacional ultrapassa os 200% do consumo interno, mas ainda assim Portugal importa azeite de outros países. “Há aqui uma redundância no sentido em que os produtos produzidos cá saem do país e acabamos por ter de comprar a outros países. Isto leva a que haja mais transporte de mercadorias, a maior parte por via rodoviária, mas também marítima. Transportar alimentos frescos de um lado para o outro representa uma pegada carbónica elevada”, afirma Pedro Horta, da associação ambientalista ZERO.
Da produção ao prato vão milhares de kms de distância
O Mercado Abastecedor do Porto é o principal polo de abastecimento de praticamente toda a zona Norte do país, de Viseu a Miranda do Douro. No que toca aos produtos hortofrutícolas, só no ano passado foram comercializadas cerca de 130 mil toneladas de produtos, que chegam de toda a parte para abastecer minimercados, mercearias, frutarias, mercados municipais, mas também cafés, restaurantes ou hospitais. Nas bancas dos comerciantes, há frutas e legumes para todos os gostos, que chegam dos vários cantos do Mundo para satisfazer os paladares mais exigentes. Desde pitaia de Angola, a mamão do Brasil ou morangos da Andaluzia, são vários os produtos que não são da época, mas que durante quase todo o ano são vendidos em Portugal.
Madalena Jesus é vendedora da Eurobanan Portugal, uma das empresas arrendatárias do mercado abastecedor, que importa várias frutas exóticas da Costa Rica, Colômbia ou Chile. “Temos vários pontos de venda por toda a Europa e por todo o Mundo. Há artigos que são mais vendidos em determinados países, mas cada vez mais o cliente quer produtos diferentes. Há cada vez mais procura pela variedade”, explica.

O Mercado Abastecedor do Porto tem cerca de 200 empresas do setor hortifrutícola
No outro lado do mercado, num dos seis pavilhões dedicados a produtos hortofrutícolas, está José Pereira, que há várias décadas comercializa alimentos que são plantados no estrangeiro, como Marrocos, Senegal e Egito, um dos países “mais agressivos” na produção de batata. “O Egito tem clima, tem terra e mão de obra barata, daí conseguir produzir tão bem. Em Portugal, já houve mais produção, mas hoje é insignificante relativamente ao consumo, principalmente de batatas e cebolas”, afirma. A Hortofrupal, só este ano, vai importar cerca de um milhão e meio de quilos de batatas, que em meados de fevereiro vão viajar milhares de quilómetros até chegar a Portugal.
Segundo o Mercado Abastecedor do Porto, a produção nacional representa cerca de 48% do total de produtos hortofrutícolas que são vendidos no mercado. O preço e a variedade de produtos são a principal vantagem competitiva dos alimentos que vêm além-fronteiras, mas ainda há quem prefira os produtos made in Portugal. José Ovelheiro vende frutas e legumes no Mogadouro e dois dias por semana faz duas horas e meia de viagem para chegar ao Porto. “Tento só comprar produtos nacionais, mesmo quando os produtos importados são mais baratos. O que é produzido cá tem mais qualidade, então prefiro”, afirma o sócio-gerente da Frutas Vanessa.
A pegada carbónica dos produtos importados vive escondida e camuflada nos baixos preços que são praticados nos supermercados e que não incluem a elevada fatura a pagar pelas emissões emitidas. Pedro Horta, da associação ambientalista ZERO, fala do fenómeno difícil de contornar e que é agravado pela concorrência. “Não existe uma internalização daquilo que são os custos ambientais, às vezes sociais, das condições de trabalho nos locais de produção. Este fator cria alguma injustiça na prática de preços na superfície comercial, quando existem impactes ambientais diferentes. Os produtos estão a concorrer diretamente com preços muito diferenciados”, diz o especialista.
Parte da solução está no fomento das cadeias curtas agroalimentares e na aproximação do produtor e consumidor. “Em termos estruturais era importante uma política concertada que apoiasse o consumo de proximidade. No quadro de financiamento do plano estratégico da Política Agrícola Comum, Portugal não tem uma medida concreta para as cadeias curtas, como já teve num quadro anterior”, diz Pedro Horta. No quadro de financiamento europeu anterior estava completada uma medida de apoio e incentivo das cadeias curtas agroalimentares que foi aplicada, em grosso modo, à renovação de mercados municipais. No atual plano, que vigora pelo menos até 2027, a ZERO apela o Governo a rever e consolidar medidas, uma vez que existe “margem para reconfigurar os apoios” destinados à agricultura.
O comércio de proximidade e os circuitos curtos de consumo são também uma preocupação para as empresas de comércio e serviços, representadas pela Confederação do Comércio e Serviços de Portugal. “A CCP há muito que defende o comércio de proximidade e os circuitos curtos de consumo, enquanto fator crítico do desenvolvimento sustentável das cidades e das vilas portuguesas, indo ao encontro das necessidades de bens e serviços, em convívio equilibrado com os recursos ambientais do mesmo espaço”, refere João Vieira Lopes, presidente da CCP em entrevista à Smart Cities. Para a confederação, a afirmação do comércio de proximidade está diretamente relacionada com as funcionalidades do espaço urbano em que se insere, bem como da mobilidade e dos fluxos de entrada e saída que se processam em torno dos mesmos espaços urbanos.
Hortas urbanas: no rooftop, na prisão e na varanda
Rita Prata aproveita a hora do almoço para subir ao topo da Factory Lisboa, no Beato Innovation District, e colher alguns legumes que, mais tarde, hão de servir para fazer uma “deliciosa sopa de produtos biológicos”. Estão todos à mão de semear numa horta urbana com vista para o Tejo, cheia de sol, instalada num dos maiores rooftops do sul da Europa. “Este cantinho verde veio revolucionar as minhas pausas no trabalho e tornou-se um verdadeiro momento terapêutico, ao mesmo tempo que representa um estilo de vida alimentar mais saudável”, conta-nos esta responsável museológica. “Ter uma horta junto ao trabalho, em plena cidade de Lisboa, ver como cresce e depois esperar pelo momento certo para colher os produtos da terra é um privilégio. Daqui tiramos curgetes, batatas-doces, beringelas e uns tomates supremos, tudo com muito sabor e total confiança no que consumimos”, acrescenta, enquanto arranca umas ervas e amanha a terra com as mãos.

No topo de uma antiga fábrica militar de massas e bolachas plantam-se agora vegetais, aromáticas e flores
Mesmo tratando-se de poucas dezenas de camas de cultivo, é com experiências como esta que a capital quer investigar e demonstrar a viabilidade da produção de alimentos na cidade, eliminando ou reduzindo a necessidade de logística e de transportes longos. Neste caso, o projeto não serve apenas para abastecer os frigoríficos de quem trabalha no centro de inovação do Beato, já que, ao mesmo tempo, está disponível para os restaurantes do espaço e, inclusive, vai fornecer lúpulo (ainda por plantar) para a produção da cervejaria Browers Beato, situada ali ao lado. A estes objetivos junta-se ainda uma dimensão social, pois a horta também irá ficar à disposição dos moradores da comunidade envolvente, que passam a ter uma parcela gratuita para plantar o que quiserem.
“Além desta importante abertura a quem está fora dos espaços de trabalho, procura-se avaliar a capacidade de produção agrícola local, quilómetro zero, num ambiente de cobertura e, ao mesmo tempo, perceber como uma infraestrutura destas pode ser utilizada para a eficiência térmica do edifício, causando aquecimento ou arrefecimento”, resume Victor Vieira, da agência de energia e ambiente Lisboa E-Nova, uma das entidades responsáveis pelo projeto.
Noutra ponta da capital, quase colada ao aeroporto, também a associação Upfarming está a inovar na estufa comunitária que criou no Parque Hortícola Aquilino Ribeiro Machado, em Alvalade. Lá dentro, encontramos quatro torres metálicas com mais de vinte prateleiras de cultivo cada uma, que vão rodando ao longo do dia para aproveitarem todo o potencial dos sistemas de horticultura vertical, ainda pouco conhecidos no nosso país. Para muitos, soluções como esta fazem cada vez mais sentido nas cidades, onde o solo disponível é um bem escasso, mas o céu não impõe limites e convida a projetar para cima.
Apesar de já demonstrada, a capacidade de produção deste tipo de hortas nem é o que mais interessa aos responsáveis da associação, apostados em fazer da estufa um elemento catalisador para o envolvimento comunitário, com especial atenção na sustentabilidade ambiental e socioeconómica dos bairros mais desfavorecidos. “Costumamos dizer que somos uma espécie de quebra-gelo ou cavalo de Troia, porque utilizamos várias ferramentas, como a agricultura vertical, para tentar alterar comportamentos. Sejam eles de uns para com os outros, de âmbito social, ou ligados aos padrões de compra, já com uma vertente mais ambiental”, explica Tiago Sá Gomes, cofundador e presidente da associação.
Para o responsável, “não basta ter um salto carbónico positivo, é fundamental contribuir também para uma cidade mais solidária”, e isso tem-se refletido em vários projetos. Por exemplo, todos os meses recebem na estufa grupos de crianças de uma comunidade cigana vizinha (ver reportagem na página 20) e doam produtos a bancos alimentares, além de dinamizarem o projeto “Da Escola para a Mesa”, que desperta o interesse dos mais novos, através da agricultura, para os temas da biodiversidade, alimentação e consumo sustentável.
Igualmente emblemático é o projeto “Agricultura Vertical, Solidariedade Horizontal”, que instalou uma horta vertical na prisão de Torres Novas, cuidada diariamente em conjunto pelos reclusos e pelos guardas prisionais. Produzidos em torres de cultivo aeropónico (sem necessidade de terra), parte dos bens alimentares já servem para melhorar a qualidade nutricional das refeições naquele estabelecimento e os restantes são entregues a famílias carenciadas da região. A ideia prepara-se agora para chegar à prisão de Leiria.
Também o município de Cascais tem apostado em práticas sustentáveis de agricultura e biodiversidade, envolvendo a comunidade em atividades de produção local. Para isso, criou o projeto Terras de Cascais, que junta diversos tipos de hortas (comunitárias, associativas, de produção, nas escolas e de integração social) a pomares e vinhas comunitárias, além de uma vinha de grande escala para a produção de Vinho de Carcavelos. Tudo junto, envolve 700 horticultores e famílias, distribuídos por 32 áreas agrícolas.
O objetivo é dar uma nova vida a espaços que estão sem uso no meio da malha urbana e promover a agricultura urbana biológica, potenciando a oferta de alimentação saudável, sazonal e saborosa a um número cada vez mais alargado de pessoas”, diz o vice-presidente da câmara municipal, Nuno Piteira Lopes. Em entrevista à Smart Cities, revela que só nas hortas comunitárias e nos terrenos agrícolas da autarquia foram produzidas durante o ano de 2024 cerca de 40 toneladas de alimentos vegetais biológicos, enquanto na Vinha do Mosteiro de Santa Maria do Mar, em Carcavelos, colheram-se 8,5 toneladas de uvas. Nesta, o foco não é tanto a quantidade de produção, mas a qualidade do vinho, adianta o responsável municipal, pois visa, sobretudo, desenvolver “práticas que promovem o sequestro de carbono no solo e aumentam a biodiversidade”.
Ao mesmo tempo, os habitantes de Cascais são incentivados a criar a sua própria horta em casa, seja num quintal, num jardim ou numa varanda. A autarquia disponibiliza formação teórica e prática a quem estiver interessado, ajudando a explicar os segredos e necessidades do cultivo caseiro de legumes e vegetais. Para muitos, basta esticar o braço e colher, aproveitando o melhor da produção biológica.
A cidade vai ao campo
Embora as hortas urbanas possam desempenhar um papel complementar ao abastecimento dos municípios, nomeadamente fornecendo produtos frescos e apoiando a resiliência local, a generalidade dos especialistas, como Cecília Delgado, considera que as cidades “estarão sempre dependentes da relação urbano-rural”. “Alcançar a autossuficiência através da agricultura urbana não é uma perspetiva realista”, defende a cofundadora da Alimentar Cidades Sustentáveis Associação, para quem “é fundamental uma abordagem que integre a agricultura urbana com a produção periurbana e rural”.
Também Alfredo Aires, diretor do Departamento de Agronomia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), lembra que “esse tipo de produção nos centros urbanos serve para sustentar apenas a comunidade local – um bairro, uma rua ou avenida -, ou seja, um pequeno nicho mais suportado na chamada agricultura urbana inteligente”. E acredita que o grande problema na sustentabilidade alimentar não é a falta de produção, mas sobretudo o desperdício. “Tanto no país como no globo produzimos quantidades de alimentos suficientes, mas falhamos nas cadeias de distribuição, umas vezes por inércia, outras por corrupção”, explica o investigador da UTAD. Resultado? “Os alimentos não chegam às populações nas quantidades que deveriam”, defende o investigador.
No mesmo sentido, Victor Vieira, da Lisboa E-Nova, diz que a possibilidade das grandes cidades se sustentarem a elas próprias não passa de uma “ideia romântica”, como mostram as contas que fez para a capital portuguesa: “articulando uma pirâmide alimentar correta, a área da cidade e a população, seriam precisas 36 Lisboas, isto sem qualquer edificado, para conseguirmos alimentar toda a gente”. Na opinião deste especialista, é preciso contrariar a atual lógica de mercado, em que “espantosamente encontramos alimentos vindos dos antípodas, mas que conseguem ser vendidos mais baratos que os produzidos aqui ao lado, num raio de 100 quilómetros”.

Projeto Terras de Cascais deu origem a mais de 50 toneladas de alimentos biológicos em 2024
A melhor alternativa passa por reativar a conectividade entre municípios vizinhos e um bom exemplo, acrescenta, é a Estratégia para a Transição Alimentar da Área Metropolitana de Lisboa (AML), que junta 18 concelhos à volta de um objetivo comum: estabelecer um sistema alimentar mais sustentável, resiliente e diversificado.
O documento tem como meta garantir que, até 2030, pelo menos 15% dos alimentos consumidos na área metropolitana são produzidos localmente, tal como já defendia a rede FoodLink, composta por vários agentes da região e a primeira no país a integrar a transição alimentar nas políticas de ordenamento e desenvolvimento territorial. Campo para isso não falta, diz o primeiro-secretário da AML, Carlos Humberto Carvalho, lembrando que mais de um terço do território está dedicado a atividades agrícolas e pesqueiras e que, em alguns casos, o abastecimento até já está assegurado. “A área metropolitana de Lisboa tem uma produção que excede as necessidades da região no caso do tomate e da carne de suíno. Além disso, o potencial de abastecimento para a sua potencial procura ultrapassa os 60% no caso do milho, do arroz e do peixe. A região também produz, potencialmente, acima de 40% das suas necessidades em leite e vinho”, revela.
Para o responsável, “estes dados demonstram que uma parte da solução para esta medida já existe na produção local”, por isso o desafio passa agora por criar mecanismos para a outra parte: o consumo local. Nesse sentido, “é essencial promover os circuitos curtos, incentivando o contacto direto entre produtores e consumidores através de mercados de proximidade, e estimular hábitos alimentares alinhados com a dieta mediterrânica, privilegiando os produtos locais, produzidos de forma sustentável”, concretiza.
Encurtar distâncias, produzir em proximidade e combater o desperdício nunca fez tanto sentido. A mudança já está em marcha. Agora, é preciso alimentar a ideia de que as cidades podem ter um papel fundamental na transição alimentar.
Associações promovem consumo de proximidade
A dinâmica passa praticamente despercebida a quem pouco vive a cidade e os modos alternativos de consumo. Quinzenalmente, nas traseiras da UPTEC Baixa, no coração da cidade do Porto, produtores e consumidores reúnem-se para partilhar o que a terra dá, de forma biológica, sem fintas à natureza. Os produtos, que são colhidos de manhã, numa pequena produção em Cinfães do Douro, no distrito de Viseu (ver reportagem na página 22), são transformados em cabazes de produtos biológicos que chegam no próprio dia à rede de clientes que fazem parte da Associação pela Manutenção da Agricultura de Proximidade (AMAP) do Porto. A associação tem dois locais de distribuição na cidade do Porto, um em Gaia, outro em Guimarães e três no Sul do país. “São grupos de consumidores que se unem para apoiar um ou mais produtores, garantindo o escoamento da sua produção, sem intermediários e ao longo do tempo. Esta lógica de consumo garante um melhor preço para os consumidores e um salário digno para os agricultores”, começa por explicar Sara Moreira da AMAP do Porto.
As AMAPs, também conhecidas como CSAs ou Community Supported Agriculture, são um modelo com algumas décadas e que existe um pouco por todo o Mundo. Em Portugal, surgiu no início dos anos 2000, com uma experiência em Odemira, e embora se tenha espalhado por outras zonas do país, ainda não está amplamente disseminada pelo território. Em França, por exemplo, existem mais de duas mil AMAPs a distribuir alimentos frescos, da época, numa lógica de respeito pela agroecologia e pelo consumo de proximidade. “Um dos três princípios basilares das AMAPs é a proximidade geográfica entre o local onde o alimento é produzido e o local onde o alimento é consumido. Queremos reduzir as distâncias aí, mas também na proximidade humana entre os produtores e os consumidores. Outro dos princípios fundamentais é o da agroecologia. Estas práticas preocupam-se com a regeneração dos solos, com o cuidado para com os ecossistemas, mas também com a promoção de uma economia socialmente mais justa para todos os que estão envolvidos no sistema alimentar”, afirma Sara Moreira.
Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 46 da Smart Cities – janeiro/fevereiro/março 2024, aqui com as devidas adaptações.