A partilha de viagens, na sigla em inglês carpooling, pode ajudar a melhorar a mobilidade nas cidades, tornando-a mais eficiente e sustentável. O modelo de mobilidade, muitas vezes utilizado de forma informal, tem sido impulsionado pela tecnologia. Organizações e escolas promovem a solução através do uso de aplicações móveis.
O sistema vulgarmente conhecido por “boleia” sempre foi utilizado de forma informal por condutores e utilizadores que querem poupar o ambiente e a carteira. Hoje, os processos estão formalizados, apoiados em tecnologia digital, e existem empresas que prestam serviços neste domínio. Plataformas como a BlaBlaCar ou a UberX Share permitem a utilização de veículos em simultâneo por vários utilizadores, que partilham o trajeto e os custos de uma viagem. A prática traz vários benefícios e pode ser especialmente atrativa e benéfica para empresas, outras organizações ou comunidades Jorge Pinho de Sousa, professor catedrático e investigador nas áreas de sistemas de transportes e mobilidade urbana, acredita que o carpooling tem “um enorme potencial” em grupos de amigos ou vizinhos, por exemplo, mas também em muitas organizações, que começam a criar modelos de operação eficiente e esquemas de incentivos para este tipo de mobilidade mais sustentável. “Devíamos valorizar a utilização partilhada de carros por comunidades locais ou por grupos de vizinhos e habitantes de um mesmo bairro, mas também pelas empresas, num modelo a que poderíamos chamar de carpooling corporativo. Esta utilização traz vários benefícios, tanto para as empresas como para os funcionários, de cariz ambiental, económico, mas também social e de melhoria de tráfego das cidades”, começa por explicar o professor e investigador do INESC TEC. Jorge Pinho de Sousa acredita que este é um modelo que é mais facilmente implementado junto de vários tipos de organizações ou de comunidades, uma vez que o facto das pessoas se conhecerem facilita a adesão.
Hubs tecnológicos são exemplo de sustentabilidade
A promoção das viagens partilhadas junto das empresas começou nos gigantes tecnológicos Google e Amazon e existem casos, a nível internacional, em que não só o condutor do veículo é beneficiado, através do acesso a uma viatura da empresa, por exemplo, como todos os funcionários que usufruem da viagem são recompensados monetariamente por deixarem o carro em casa. Para as empresas os benefícios podem passar pela redução do espaço físico destinado ao parqueamento, mas também pela promoção de maiores níveis de bem-estar junto dos trabalhadores. “Os benefícios sociais provenientes do contacto mais frequente entre colegas é realçado pela literatura. Outro dos fatores interessantes é o fator competitivo. As empresas que fornecem soluções de mobilidade sustentável criam naturalmente uma maior capacidade de retenção e satisfação dos colaboradores”, acrescenta Jorge Pinho de Sousa.
Um dos exemplos nacionais, no que toca ao compromisso com a sustentabilidade, é a tecnológica Blip, instalada no Porto desde 2009 e atualmente com mais de 900 trabalhadores em Portugal. Cotada na bolsa de Nova Iorque desde janeiro de 2024, a empresa criou recentemente um canal de comunicação que fomenta o carpooling entre os colaboradores, nas deslocações casa-trabalho. De forma espontânea, os funcionários podem disponibilizar os seus veículos ou, por outro lado, questionar os colegas se existe alguém a fazer o mesmo trajeto e a querer partilhar a viagem.
À Smart Cities, a Blip esclarece que decidiu facilitar a comunicação dos colaboradores, “permitindo que se conectem, partilhem viagens e dividam custos”, devido ao aumento do número de funcionários a residir fora da cidade do Porto. “A Blip está profundamente comprometida com a sustentabilidade ambiental e tem implementado várias iniciativas neste âmbito, indo muito além da mobilidade. Realizamos auditorias energéticas anuais nas nossas instalações, temos instalados pontos de recolha seletiva e de reciclagem de resíduos, implementamos políticas de inclusão digital e de upcycling e disponibilizamos uma horta comunitária no nosso terraço”, revela fonte da empresa.
Com processos de decisão orientados para responder a indicadores de sustentabilidade a nível global, a Blip promove ainda a utilização de veículos alternativos como bicicletas e trotinetes elétricas e disponibiliza vários pontos de carrregamento elétrico, sem qualquer encargo financeiro para os funcionários. Ainda na área da mobilidade, a empresa considera que o principal contributo para a sustentabilidade é o modelo de trabalho flexível, que gera um “impacto muito positivo na redução de veículos em circulação, especialmente em horários de pico, contribuindo para a diminuição das emissões”.
Aos ganhos sociais e logísticos para as empresas somam-se os benefícios para os utilizadores, que poupam nas viagens pendulares pela redução de custos em combustível e na manutenção dos veículos. Já quanto aos ganhos ambientais, a redução de tráfego diminui consequentemente as emissões poluentes. “O carpooling leva a uma redução muito significativa do tráfego devido à redução de carros em circulação. Havendo menos carros em circulação há também uma vantagem grande nos tempos de viagem”, explica Jorge Pinho de Sousa. O especialista em mobilidade urbana acredita que o modelo poderia ser mais apoiado por regulamentação a nível nacional e municipal, por exemplo com a atribuição de benefícios fiscais às empresas que incentivem os funcionários a partilhar veículos.
Estudantes criam apps para partilha de boleias
Em Portugal, além de empresas, também as escolas impulsionam a utilização de veículos por várias pessoas em simultâneo. A pedido da Associação de Estudantes da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (AEFEP), a Juni-FEUP criou uma aplicação que permite a partilha de viagens aos estudantes de toda a comunidade académica portuense. A UShare foi especialmente desenvolvida para viagens de longo curso, para estudantes deslocados que viajam para o Porto aos fins de semana. “A AEFEP tinha identificado um problema na sua faculdade mais relacionado com boleias de estudantes deslocados. A solução proposta foi desenvolver uma aplicação que otimiza esses trajetos de estudantes, que fazem a viagem para o Porto. O objetivo é, por exemplo, um estudante que vem de Lisboa colocar na plataforma que vai fazer o trajeto Lisboa – Porto. Depois, alguém que esteja algures no trajeto, é notificado e pode entrar em contacto com o condutor”, explica Francisco Maldonado, diretor de tecnologia da JuniFEUP.
A aplicação, apresentada em abril de 2023, inicialmente foi pensada para uso exclusivo de estudantes da faculdade de engenharia mas, a pedido da reitoria e pelo potencial do projeto, foi alargada a todos os estudantes da Universidade do Porto. “A UShare foi desenvolvida por sete estudantes de cursos e anos letivos diferentes. Somos uma prestadora de serviços unicamente
composta por estudantes universitários, em que o core business são soluções IT”, afirma Francisco Maldonado. A empresa da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto dedica-se sobretudo ao desenvolvimento de aplicações e está atualmente a trabalhar noutro projeto, que surgiu de uma iniciativa interna, dedicada à mobilidade.
Também na Escola Secundária Clara de Resende, no Porto, a preocupação com a mobilidade sustentável é uma realidade. Alunos do 9º. ano e do ensino secundário desenvolveram o conceito para uma app que permite a partilha de boleias entre alunos, no âmbito do programa para a sustentabilidade STEAMERS. “Como vimos que existiam muitos alunos que vinham em carros individuais para a escola, só com os pais, e muitos vinham das mesmas zonas, decidimos criar uma aplicação para os ajudar a partilhar as boleias”, explica Vasco Moreira, um dos alunos que participou na edição STEAMERS do ano passado.
O estudante de Ciências e Tecnologias do 10º. ano, na altura a frequentar o 9º. ano, desenvolveu o protótipo da aplicação, que permite que os alunos combinem boleias para a escola, com base na morada de residência de cada aluno. “Todas estas experiências realizadas fora da escola e fora de horas são sempre vantajosas. Depois da formação no CEiiA, os estudantes deram continuidade ao projeto em sala de aula. Para além da componente de projeto, para nós é sempre muito importante a componente pedagógica. Houve necessidade de perceber o que são as emissões de carbono, quais os poluentes e as unidades que são utilizadas para quantificar a poluição, por exemplo”, acrescenta Ana Cardoso, coordenadora do departamento de Ciências, Matemáticas e da Natureza da Escola Clara de Resende.
O projeto “Pegada da Tartaruga” foi de tal forma acarinhado, que alunos e professores trabalharam fora de horas, com o acompanhamento do CEiiA, para que o projeto atingisse outro patamar. “O empenho dos alunos e professores envolvidos foi de tal forma elevado que acabamos por retribuir de uma forma que não era expectável. Reunimos durante vários meses ao longo do ano letivo de 2023/2024, à sexta-feira às 18:30 horas, acompanhando todo o processo, desde a fase de diagnóstico até ao desenvolvimento do conceito. No ano letivo passado, a ideia foi desenvolver o conceito e um demonstrador”, afirma Sónia Nunes, responsável do projeto STEAMERS.
Agora, a ambição da Escola Clara de Resende é chegar mais longe na concretização do desenvolvimento da aplicação. Depois de operacionalizada, a app Pegada da Tartaruga vai permitir a partilha de boleias não só de carro, mas também de bicicleta ou a pé, por exemplo. “O ponto de inovação deste projeto tem a ver com o facto de estarmos a falar não apenas de boleias, normalmente associadas a carro, mas sobretudo de viagens partilhadas em que andar a pé é também uma possibilidade. O objetivo é incentivar os jovens a combinarem viagens em conjunto, independentemente do modo, para que estas sejam experiências mais divertidas, seguras e sustentáveis”, acrescenta Sónia Nunes.
Este ano, o projeto STEAMERS conta com a participação de novos alunos, que participam no programa durante as férias de Natal e da Páscoa. O objetivo, comum a todos os anos, é que os estudantes assumam um compromisso com a sustentabilidade, compreendendo o papel que a tecnologia e a engenharia podem ter na solução dos grandes desafios do planeta.
Este artigo foi originalmente publicado na edição n.º 46 da Smart Cities – janeiro/fevereiro/março 2025