Foi há cerca de um ano que a Kyndryl chegou oficialmente ao mercado nacional. Sendo uma spin-off da IBM, trouxe consigo o conhecimento e a experiência da área de serviços da multinacional, mas agora com a liberdade de ser uma integradora de diversas tecnologias. João Carvalho, head of sales, business development & aliances da Kyndryl Portugal, explicou à Smart Cities o que esta spin-off tem para oferecer ao mercado das cidades inteligentes em Portugal e apontou os modelos baseados em contratos de desempenho utilizados pelas empresas de serviços energéticos (ESE) como uma das soluções para desbloquear as barreiras ao financiamento de projectos tecnológicos.

 

Como surgiu a Kyndryl?

A Kyndryl nasce enquanto spin-off da IBM, que tinha várias unidades de negócio – umas mais vocacionadas para a parte tecnológica, de produção e desenvolvimento de produto e de software, e outra mais ligada a serviços. A spin-off resulta precisamente da cisão entre [estas duas]. A área tecnológica e de desenvolvimento de produto fica do lado da IBM e a Kyndryl acaba por ser uma empresa de serviços que tem o know-how e experiência técnicos e de implementação de serviços de infra-estruturas de TI (tecnologias de informação). Portanto, não estamos a falar da parte aplicacional, mas da de infraestrutura tecnológica de TI, na qual assentam as aplicações e onde residem os data centers, as componentes de networking, etc. É a parte física e lógica da infraestrutura de TI, não a parte aplicacional. Em Portugal, pela natureza do negócio da IBM na altura [da cisão], a componente de serviços tinha uma dimensão e um peso grandes e nós acabamos por ser uma empresa com uma dimensão bastante considerável, com cerca de 1200 colaboradores.

Quando se deu essa separação?

A spin-off Kyndryl foi oficializada no início de Novembro de 2021, há cerca de um ano. A área de componente de serviços da IBM de então era responsável por este tipo de soluções e nós herdámos e retivemos todo o know-how e os assets que vêm, de facto, da IBM.

E o que podem oferecer aos clientes de diferente?

A Kyndryl é uma empresa cuja mais-valia está nas competências que os profissionais trazem. A grande diferença [face à situação anterior] – e é com algum contentamento que vejo isso – é que, de facto, nós, enquanto “IBMers”, estávamos de alguma forma “quase reféns” da tecnologia IBM. Ao sermos uma empresa independente, temos a capacidade de perceber e de conseguir orquestrar as melhores tecnologias que fazem sentido para abordar determinados problemas dos clientes, seja uma tecnologia IBM, seja outra.

Um tema absolutamente importante e transversal na nossa forma de trabalhar, e não só nesta área específica [das cidades], é a nossa apetência e o nosso enfoque em trabalharmos com o ecossistema. Trabalhamos com diversas entidades e diversos parceiros tecnológicos, tendo nós a vantagem e a capacidade de perceber o que faz mais sentido para que determinado cliente responda a determinado desafio. Por isso, fazemos questão de dizer que procuramos proactivamente parceiros, incorporamos a tecnologia desses parceiros nas nossas soluções, vamos de braço dado com eles ao mercado. Uma das grandes vantagens do trabalho da Kyndryl é a forma como se relaciona e trabalha com o ecossistema para dar mais aos cidadãos, às empresas e à sociedade.

Temos, em Portugal, um ecossistema que permita essa colaboração?

Temos e é impressionante o conjunto de start-ups e de empresas que estão a aparecer em Portugal e com as quais temos tido contactos constantes. Um dos grandes objectivos da nossa presença no Portugal Smart Cities Summit foi, além de nos darmos a conhecer, conhecer [também] soluções de diferentes parceiros. Isso é algo que faz parte do nosso ADN e que vamos continuar a perseguir.

A actuação na área de negócio das smart cities também veio de trás?

As áreas financeiras, de seguros, de manufactura e de indústria são muito fortes para nós. A [presença na] área dos municípios começou há cerca de cinco anos, muito alavancada pelo nosso asset, Kyndryl Green Solutions – recentemente denominado assim.

Trata-se de uma plataforma agregadora de eventos e de informação proveniente de origens distintas, por exemplo, de sistemas de iluminação, de rega, de parqueamento, de contentores de lixo, etc. Esta plataforma tem a capacidade de agregar a informação proveniente de diversos sensores e trabalhá-la, disponibilizando reports que permitam actuar sobre a informação e dar aos gestores a capacidade de decidir e actuar.

“O nosso core business é o serviço. Estabelecemos o relacionamento com o cliente, fazemos a implementação e o acompanhamento, mas o nosso objectivo final é acompanhar o cliente no amadurecimento e no conhecimento da plataforma para que este tire o maior partido da solução. Esse é o objectivo.”

Pode dar um exemplo de uma aplicação?

Imaginemos um concelho com uma área rural substancial, onde há zonas nas quais à noite raramente passam pessoas. Fará sentido ter a iluminação pública nessas áreas na máxima intensidade? Porque não reduzi-la nesses períodos? [A plataforma] Permite esse controlo e permite recolher informação, actuar e trabalhar sobre esta informação, de modo a que os beneficiários sejam os cidadãos.

Trabalham directamente com os municípios?

Sim, tipicamente somos nós quem dá a cara ao município do ponto de vista da solução e de valor acrescentado, porque somos um integrador e somos orquestradores do que a tecnologia pode fazer em prol do município. Obviamente que somos flexíveis e se, porventura, com determinado cliente, fizer sentido um modelo contratual diferente, no qual haja um outro parceiro que estabelece o envolvimento directo com o cliente, não recusamos. Há flexibilidade de adaptação.

Este mercado exige flexibilidade?

Muita! As necessidades e as características mudam, os desafios são quase diários, com o enquadramento e a volatilidade internacionais, e agora a crise energética, a preocupação da cibersegurança, etc.

Outro tema importante que este tipo de plataformas traz é a [necessidade da] protecção dos dados. Imaginemos que há um ataque a esta plataforma e um hacker que decide controlar a iluminação pública e provoca um apagão naquele município. É o caos! Nós temos uma resposta dinâmica para isso. Olhamos os problemas nas várias vertentes e tentamos, devido à nossa experiência, incluir as áreas de problemas potenciais e necessidades futuras dos clientes.

Como fazem o acompanhamento depois da solução implementada?

O nosso core business é o serviço. Estabelecemos o relacionamento com o cliente, fazemos a implementação e o acompanhamento, mas o nosso objectivo final é acompanhar o cliente no amadurecimento e no conhecimento da plataforma para que este tire o maior partido da solução. Esse é o objectivo. Tipicamente, quando acordarmos este tipo de negócios, temos um envolvimento de longo prazo, durante o qual continuamos, de alguma forma, a acompanhar e a ajudar o cliente a aprender e a evoluir. Essa é uma preocupação constante do nosso lado.

Os municípios dispõem de competências para trabalhar com estas soluções?

Claramente reconhecem a necessidade [de ter as soluções]. Temo-nos deparado com o facto de que há muitos municípios que já têm soluções, mas são soluções avulsas que tratam um tema específico. Uma das lacunas que identificamos em muitas das conversas e discussões que temos tido com municípios e outros agentes públicos é que [estes] percebem o problema, mas tentam endereçá-lo de uma forma desagregada, vendo os temas como ilhas.

Uma das coisas que nós podemos aportar é a integração das soluções já existentes, aproveitando de alguma forma os investimentos feitos, uma vez que a nossa plataforma tem a capacidade de integrar soluções existentes para que, de facto, não haja uma perda total de investimento e que se reaproveite o know-how existente. [Resumindo] Há conhecimento do problema por parte dos clientes, há conhecimento relativamente a como resolver temas específicos, mas creio que ainda estamos a um passo de conseguirmos que haja, de facto, uma integração que permita olhar e actuar de forma global.

O financiamento continua a ser um entrave para a implementação destas soluções?

É um entrave, mas há, contudo, um conjunto de mecanismos previstos na lei, por exemplo, o modelo ESE (Empresas de Serviços Energéticos), que permite que, sem investimento inicial, o cliente possa pagar os projectos com base nas poupanças. Isto já existe para a energia e também para a água. Este modelo não cobre as situações todas, mas há cada vez mais mecanismos que permitem aos municípios evitar o investimento inicial e conseguir pagar os projectos através das poupanças que a solução traz.

É um modelo em crescimento?

Vejo estes temas a acelerarem muito rapidamente, até devido ao contexto internacional, e creio que os temas de financiamento passarão a ser cada vez menos um problema, desde que, de facto, as coisas sejam bem feitas e planeadas. E nós conseguimos claramente ajudar, com um processo até consultivo que permite ao cliente perceber quais são as possibilidades, o que existe actualmente, analisar os principais gaps e planear um possível caminho. Além disso, trabalhamos com alguns parceiros na área do financiamento que nos ajudam a perceber que programa ou solução pode haver para cada projecto, e, sempre que há essa possibilidade, partilhamos com as entidades.

Em que projectos estão a trabalhar: com quem e em que domínios?

Em diversos [mas não os posso nomear]. Estamos a trabalhar com vários municípios, de várias dimensões, alguns são sede de distrito. A iluminação tem sido um driver importante, até porque os custos continuam a escalar e existe o modelo ESE, que facilita a parte de contratação.

Claramente, estamos a assistir a muitas preocupações das autarquias relacionadas com a água – é um tema absolutamente crítico, [pois] estima-se que 60% da água não seja facturada e, aí, estamos perante um duplo problema, de renda e de desperdício de um recurso fundamental.

Mas há outras: por exemplo, estamos a trabalhar, ao nível da sensorização [Internet of Things], com uma autarquia do Algarve que tem muitos campos de golfe à beira-mar e que, por isso, está muito preocupada com a infiltração de águas com sal nestes espaços, o que causa muitos problemas. São temas vários que surgem, mas, volto a dizer, o importante é não olhar para eles como ilhas, mas, sim, de forma integrada. É aqui que os municípios podem tirar o valor acrescentado e tomar decisões importantes e estratégicas tendo em consideração o panorama geral.

O próximo ano perspectiva-se desafiante em termos económicos. Quais são as vossas expectativas?

São muito positivas, mesmo em tempos difíceis. As TI são um ponto disruptivo e acabam por ser um elemento diferenciador de qualquer entidade. Qualquer empresa que se queira diferenciar actualmente tem de o fazer pela dinamização de novas áreas, pela criatividade e, sobretudo, pelas TI. Vamos continuar a sentir essa preocupação por parte dos clientes e, por isso, antevejo um 2023 com bastante optimismo, com muitos projectos, com muitos clientes a pedirem-nos ajuda e a quererem trabalhar connosco para trazer novas ideias para os seus negócios. E a maior parte [dessas novas ideias] será alicerçada em soluções de TI.

Além disso, com os novos anúncios ao nível da União Europeia, o REPowerEU, vejo, a nível municipal, algum fulgor para se olhar ainda com mais clarividência e enfoque para temas como a energia, a água, a eficiência, mais integração, mais colaboração, etc. Estou bastante positivo relativamente ao próximo ano.