Plano do Governo sobre aterros vai obrigar os cidadãos a pagar mais pelos resíduos, diz associação ambientalista Zero, impedindo também Portugal de cumprir as metas europeias de reciclagem. Trata-se do plano TERRA – Transformação Eficiente de Resíduos em Recursos Ambientais, onde figuram as supostas soluções para a emergência dos aterros. O documento prevê 1500 milhões de euros para a construção de duas novas unidades de incineração (uma na região Centro e outra no Alentejo/Algarve), e da ampliação das unidades de Lipor e Valorsul. Considerando que este montante não poderá ser financiado através de fundos comunitários, pois a taxonomia não permite financiar soluções fim de linha, o Governo propõe que Portugal se endivide junto do Banco Europeu de Investimento (BEI). Portanto, direta ou indiretamente, cada português irá pagar mensalmente o aumento de custos na fatura dos resíduos causado por esta decisão, ao longo de muitos anos, e colocará uma enorme pressão sobre as contas das autarquias.

Falta de transparência no processo mostra intencionalidade e planos ocultos 

Desde a publicação do Despacho n.º 14013-A/2024, de 26 de novembro para a criação do grupo de trabalho, até à data limite para apresentação do relatório (31/01) não houve auscultação de todas as partes interessadas, mantendo-se a informação que deveria ser de domínio público e de interesse da cidadania num pequeno grupo de interesse, fortemente influenciado pelos lóbis da incineração, numa tentativa desesperada de satisfazer o capricho de alguns grupos económicos introduzindo uma solução de fim de linha que na União Europeia está a ser progressivamente abandonada. Durante este processo, a Zero, para além de ter apresentado um plano alternativo, procurou ao longo do último mês ter acesso ao documento produzido por este grupo de trabalho, sem qualquer sucesso. Todo o processo não só demonstra um total desrespeito pelas regras básicas da transparência e da promoção da participação daqueles que defendem o bem comum,  como também revela que a atual equipa ministerial sempre seguiu uma agenda própria de terceiros, situação que é demonstrada pela realização desta comunicação pública apressada sem que haja qualquer justificação.

Demasiado caro e demasiado tarde

O plano apresentado pelo Governo assenta na ideia que Portugal enfrenta uma situação de emergência no que diz respeito à deposição de resíduos em aterro, pressuposto que a Zero não contesta. Contudo, perante situações onde o esgotamento dos aterros parece estar por meses ou por poucos anos, a maior parcela do investimento (mais de 70% do investimento previsto) vai para soluções que demorarão muitos anos a serem implementadas. É um facto que construir aterros é muito complicado em termos de aceitabilidade social, mas o que dizer da construção de uma incineradora? Qual será a aceitabilidade social e quanto tempo levará a licenciar, construir até que possa iniciar o seu funcionamento? Faz algum sentido colocar a maior parcela do financiamento numa solução que só daqui a muitos anos poderá desempenhar um papel no alívio desta situação e que irá impedir que o cumprimento das metas de reciclagem a que Portugal está obrigado – 55% em 2025, 60% 2030 e 65% em 2035 – desviando da Economia recursos fundamentais para aumentar a sua resiliência num contexto de incerteza internacional?

Eletricidade produzida pela incineração de resíduos urbanos é a mais poluente em termos de gases com efeito de estufa

Para além de ser um desastre do ponto de vista do desperdício de recursos naturais, produzir eletricidade a partir da queima de resíduos urbanos implica emissões de gases com efeito de estufa muito acima das restantes fontes usadas para o mesmo fim. Qual é a credibilidade dos planos do Governo na área do Clima, se está disposto a, em vez de trabalhar nas soluções que efetivamente reduzem emissões, pagar principescamente para emitir mais gases com efeito de estufa?

Segundo dados da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), a incineração de resíduos urbanos, de todas as fontes de energia elétrica atualmente usadas para produzir eletricidade em Portugal é aquela que liberta mais gases com efeito de estufa por unidade de eletricidade produzida.

Num momento em que é quase certa a queda do Governo, o único aspeto positivo é mesmo podermos ter a esperança que um futuro Governo abandone este mau plano e se concentre nas verdadeiras soluções que poderão, de facto, surtir efeito rapidamente na quantidade de resíduos que são enviadas para aterro, nomeadamente:

  • Investir no pré-tratamento dos resíduos antes da colocação em aterro (algo que é obrigatório, mas que Portugal não está a cumprir)
  • Investir no reforço da capacidade e na melhoria da eficiência das instalações existentes de tratamento mecânico e biológico (TMB)
  • Promover uma recolha seletiva de alta eficiência (disseminação da recolha porta-a-porta e da contentorização com identificação do utilizador)

Zero foi proactiva na apresentação de uma alternativa

A Zero partilhou através da comunicação social e em reuniões com as entidades interessadas e as participantes no grupo de trabalho (Secretaria de Estado do Ambiente, Agência Portuguesa do Ambiente, EGF, ESGRA e ANMP) uma proposta estruturada e pormenorizada para resolver a emergência de enchimento dos aterros. Esta proposta fundamenta-se em dois eixos (recolha seletiva de alta eficiência e melhoria do desempenho dos TMB) para obter resultados num horizonte relativamente curto (até 2030). Considerando a informação que existe sobre sistemas de gestão de alta eficiência, quer na recolha, quer no tratamento, não se compreende como é que o Governo aposta numa solução que está destinada ao fracasso: a incineração requer um investimento avultado, com tempos de operacionalização incompatíveis com a atual situação de emergência e compromete o equilíbrio financeiro do sistema, atuando em contra dos interesses dos cidadãos, do ambiente e da economia.

O texto acima é da responsabilidade da entidade em questão, com as devidas adaptações.