De 28 de Maio a 27 de Novembro, Veneza é palco de mais uma Bienal. Mário Caeiro, investigador e docente na ESAD.cr, esteve na 15ª Exposição Internacional de Arquitectura e, nos próximos meses, levar-nos-á numa visita guiada exclusiva por esta mostra.

Nestes termos, o Pavilhão dos Países Baixos – tal como o espanhol, que obteve o Leão de Ouro com a sua instalação minimal sobre edifícios inacabados em resultado da crise e a variedade de soluções radicais encontradas pelos arquitectos trabalhando em condições particularmente difíceis – é de uma desarmante capacidade de síntese. Porque a melhor maneira de mostrar a dinâmica do todo pode ser explorar com rigor intelectual e precisão expositiva um aspecto restrito.

Ao analisar a evolução da arquitectura dos acampamentos militares das Nações Unidas, transportando-nos para os cenários de guerra, tensão e conflito através da aplicação da cor azul, o Pavilhão reflecte sobre a arquitectura e o urbanismo das forças de paz da ONU e, em particular, a forma como os Países Baixos têm contribuído para essas missões. Ora, se a ONU, nas suas guidelines, advoga a junção dos tópicos ‘Defesa’, ‘Diplomacia’ e ‘Desenvolvimento’, Mlakit Shoshan, a curadora, acrescenta um quarto ‘D’, para ‘Design’. Assim, no caso de estudo extremamente específico do Camp Castor em Ga, no Mali, se dá um fascinante confronto entre diferentes sistemas (defesa, diplomacia, política…), gerando necessariamente uma inaudita conversa entre engenheiros militares, arquitectos, antropólogos, economistas, activistas e policy makers. O Pavilhão é, por isso, particularmente claro no entendimento do zeitgeist, já que se baseia nessa realista serenidade que assenta no facto de o conhecimento obrigatoriamente gerar atitude.

Neste, como em tantos outros pavilhões, o trabalho dos arquitectos, mesmo os mais brilhantes, não se esquiva a surgir como mero pragmatismo. Será uma espécie de novo tipo de ‘dirty realism’, em que a fluidez do aqui é consequência da implosão de todos os sistemas que os Estados sociais (tais como o dinamarquês ou o alemão…) construíram? Se problemáticas como as do planeamento económico, cultural, espacial e social estão em crise, outra coisa é certa: com a queda da União Soviética e o 11 de Setembro, a batalha mudou-se para o interior das cidades. Mais, enquanto as guerras do Séc. XX eram entre nações, lutando por soberania territorial, discutindo fronteiras, as guerras do Séc. XXI são internas e sem fronteiras. Pelo que, à arquitectura – em todas as suas frentes, incluindo um deserto no Mali –, se deve exigir que participe, como sugere a curadora, em, pelo menos, três dimensões distintas: enquanto investigação, identificando desafios espaciais e oportunidades; enquanto prática, melhorando o ambiente urbano e a vida; e espaço cultural crítico, reflectindo sobre as transições que vão decorrendo na sociedade. O Pavilhão dos Países Baixos é, assim, mais um que mostra que qualquer tipo de pretexto pode ser objecto de uma cuidada e metódica abordagem curatorial, no caso, estabelecendo-se até uma inusitada relação entre arquitecturas nómadas africanas, os Parques Infantis de Aldo van Eyeck e basecamps militares para pensar-se a essência dos espaços transicionais na cidade contemporânea.

Fotos: ©Agata Wiorko