No lançamento de uma das últimas edições do congresso mundial Smart City Expo, que decorre anualmente em Barcelona, o director do certame, Ugo Valenti, sublinhou a importância do envolvimento dos cidadãos em actividades e políticas de cidades inteligentes, realçando com optimismo a mudança de paradigma nos processos de governance local em que cidadãos e residentes são envolvidos na tomada de decisão de políticas públicas e convidados a moldar o futuro dos centros urbanos. Esta argumentação é partilhada não só por agentes governativos de várias smart cities, mas também por académicos e empresas de tecnologia, que dão cada vez mais ênfase ao desenvolvimento de soluções e produtos centrados nos cidadãos – citizen-centric – apelando igualmente à sua participação.

Com metade da população mundial a residir em centros urbanos – valor que poderá aumentar até aos 70% em 2050 – e circunscrita apenas a 4% da superfície terrestre, as cidades terão de lidar, num futuro próximo, com problemas complexos de sustentabilidade ambiental, populacional e socioeconómicos.

Em várias cidades, a abordagem desta problemática é hoje feita com o investimento em soluções inovadoras e criativas, maioritariamente com suporte tecnológico, facilitadas pelos cidadãos e criadas para responder às suas necessidades. Nestas actividades, o uso da tecnologia é capitalizado na gestão das cidades e no ecossistema de governance, seja através da melhor gestão na distribuição de energia, seja na reorganização da rede de transportes, optimização do fluxo de tráfego ou redesenho de serviços públicos, de forma a melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e adaptar todas estas funcionalidades às exigências diárias do tecido urbano. Por sua vez, a comunidade local pode ser parte activa nestes projectos, através de sugestões, co-criação de soluções ou, até mesmo, como geradores de dados e informação que serão posteriormente usados na tomada de decisão de políticas locais, tudo isto suportado pelo desenvolvimento tecnológico que permite tomar decisões mais informadas e facilitar os canais de participação.

O perfil tecnológico da maioria dos projectos smart city cria um ambiente tecnocrático, em que se torna difícil a sua integração com a comunidade local. A transformação das cidades em laboratórios vivos para startups e empresas de tecnologia remete os cidadãos para um nível de participação onde apenas lhes é dada a hipótese decidir consumir, ou não, as soluções criadas por empresas quase sempre privadas.

 

No entanto, importa saber até que ponto é que as actividades citizen-centric, desenvolvidas por governos locais no âmbito das cidades inteligentes, estão de facto a potenciar a participação das comunidades e qual o impacto do envolvimento dos cidadãos no resultado final. De facto, apesar de a maioria dos projectos smart city se focar no bem-estar do cidadão e no desenvolvimento de soluções que permitam uma participação activa nos processos de decisão, a realidade não é necessariamente condizente com aquilo que é genericamente aclamado por governos locais e parcerias entre entidades públicas e privadas. Efectivamente, o nível de participação dos cidadãos em projectos smart city desenvolvidos por autoridades públicas continua a ser tendencialmente reduzido. Num estudo publicado recentemente pela universidade de Edimburgo, esta ideia é efectivamente assumida, demonstrando que centros de referência na área das cidades inteligentes, como Amesterdão, Barcelona, Helsínquia ou Viena, ainda apresentam baixos níveis de participação das comunidades locais nas suas actividades, com uma taxa média de envolvimento de cidadãos nos respectivos projectos a situar-se nos 38%, ou seja, a maioria dos projectos desenvolvidos pelo poder local nestas quatro cidades não evidencia qualquer forma de participação cívica. Esta realidade é igualmente extensível ao Reino Unido e Irlanda, onde a generalidade das cidades evidencia fracos níveis de participação dos cidadãos em políticas de smart city.

Centros urbanos, como Londres, Manchester, Bristol e Dublin, apresentam um considerável catálogo de actividades e projectos no âmbito da inovação, no entanto, o envolvimento dos seus habitantes está limitado a um papel secundário. Aqui, torna-se difícil identificar projectos que transfiram a liderança ou o poder de decisão aos cidadãos, e mesmo as actividades que potenciam a co-criação estão fortemente condicionadas a priori pelo poder local. O perfil tecnológico da maioria dos projectos smart city cria um ambiente tecnocrático, em que se torna difícil a sua integração com a comunidade local. A transformação das cidades em laboratórios vivos para startups e empresas de tecnologia remete os cidadãos para um nível de participação onde apenas lhes é dada a hipótese decidir consumir, ou não, as soluções criadas por empresas quase sempre privadas. Aqui, o cidadão não é mais do que um consumidor numa óptica de mercado.

No caso português, pode dizer-se que a realidade é relativamente semelhante ao que sucede nas demais cidades europeias, logicamente numa escala mais condensada, dado o investimento ainda esporádico de autarquias, universidades e outras entidades públicas nesta temática. No entanto, projectos como “Desafios Porto” e “HackaCity – Porto”, ambos desenvolvidos na cidade do Porto, assim como a proliferação de Orçamentos Participativos locais, demonstram uma excelente oportunidade de envolvimento dos cidadãos na definição e criação de soluções para as suas cidades. Não obstante, os níveis de participação nos diferentes projectos não oferecem aos cidadãos um controlo total e poder de decisão na definição destas iniciativas.

Torna-se, então, essencial continuar a apostar no desenvolvimento dos níveis de participação dos habitantes em projectos smart city, sobretudo quando o que está em causa é a suposta natureza das actividades centradas nos cidadãos e para os cidadãos. Num cenário marcado pela globalização, onde cidades competem entre si para captar investimento e fixação de negócios e empresas, cabe aos governos locais o desafio de gerir os dois pratos da balança, ora orientada para o desenvolvimento de hubs tecnológicos, ora focada na possibilidade de os cidadãos poderem participar mais activamente no futuro da sua própria cidade.

 

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.