Muitas têm sido as notícias que alertam para os efeitos nocivos da crescente procura turística nos grandes centros urbanos. Processos como a gentrificação e a turistificação tornaram-se temas chave na agenda política de várias cidades. O boom da reabilitação urbana, aliado à especulação imobiliária, tem levado ao esvaziamento dos centros históricos e à sua transformação em dormitórios turísticos, perdendo carácter, autenticidade e a sustentabilidade económica que os residentes lhes facultavam. Mas, afinal, as receitas geradas pelo turismo justificam toda esta desvalorização e descuido? Está visto que não. As mesmas cidades que se deixaram apanhar pelo crescimento desmedido e descontrolado do turismo são as que hoje apresentam programas e soluções para reequilibrar a balança e recuperar a identidade que se estava a dissipar. Surgem novas medidas no que toca a habitação e à sua regulação/distribuição e programas de proteção a comércios identitários que tanto contribuíram para a criação do património material e imaterial de cada cidade.

Com toda esta aprendizagem, as cidades de pequena e média dimensão têm agora a vantagem de poder precaver os desequilíbrios que o crescimento desarticulado do turismo pode trazer para a comunidade local, aprendendo e sedimentando princípios de sustentabilidade e respeito pelos seus moradores e pela sua identidade.

“Toda a cidade deve partir do princípio que ser atrativo é valorizar e cultivar o que é tão seu. Ser fiel a ela mesma singulariza-a. Proteger o que é identitário – a língua, os costumes, os sabores, as histórias, AS GENTES – faz de cada cidade um sítio único e que deve ser visitado”.

Começando pelo seu posicionamento, estas cidades encontram-se no processo de afirmação enquanto destino turístico. Esta particularidade revela-se a grande oportunidade, porque permite o afastamento necessário para uma reflexão estratégica sobre qual o posicionamento que a cidade pretende assumir, refletindo sobre o seu carácter e reconhecendo e valorizando o seu património material e imaterial. Todo este processo é extremamente rico para toda a comunidade, devolvendo-lhe o orgulho pela sua terra e pelas suas origens.

Toda a cidade deve partir do princípio que ser atrativo é valorizar e cultivar o que é tão seu. Ser fiel a ela mesma singulariza-a. Proteger o que é identitário – a língua, os costumes, os sabores, as histórias, AS GENTES – faz de cada cidade um sítio único e que deve ser visitado. Um crescimento consciente do turismo é benéfico em todas as vertentes, quer social, quer cultural, quer ambiental e até mesmo economicamente, porque, dessa forma, todos os benefícios conquistados tornam-se contínuos e sustentados.

Para vos explicar melhor o meu pensamento, gostava que comparassem este processo com um hábito tão simples e comum como o de receber visitas em casa. Não há nada que nos descreva de uma forma tão fiel como a nossa casa. Estão lá, direta ou indiretamente, representados os nossos gostos, os nossos hábitos, a nossa essência… É por essa razão que não há nenhum outro espaço que nos diga e que valorizemos tanto. Mas a verdade é que, por vivermos naquele espaço todos os dias, damos por nós a desvalorizar a importância que tem na nossa vida. Quando recebemos alguém para um jantar, uma festa ou um convívio, fazemos questão de arrumar, arranjar e colocar tudo no seu devido lugar e com o seu devido valor. Mas quando as nossas visitas começam a elogiar a casa, aí sim, surge um orgulho que nos preenche e que nos faz revalorizar o que todos os dias nos rodeia. É exatamente isto que acontece na relação morador – cidade. Estamos tão habituados às rotinas do dia-a-dia que nos esquecemos por completo das qualidades das cidades onde vivemos. Do bom que é cumprimentar o vizinho, passear no parque, jantar num bom restaurante, do brincar na rua, do visitar o museu. E é aqui que o turista pode ter um papel fundamental. Fazer o esforço para sugerir o que visitar e o que fazer na nossa cidade faz-nos parar, analisar e valorizar todas as qualidades que esta tem para nos oferecer!

Acredito que existe ainda um longo caminho a ser percorrido que se afaste da mera especulação imobiliária e económica e que se aproxime da comunidade e das mais-valias que todas as pessoas que nos visitam e querem conhecer a nossa cultura, podem trazer para o nosso desenvolvimento e, acima de tudo, para a valorização do que é intrinsecamente nosso.

Está na altura de se criar estratégias de crescimento turístico que contribuam para a melhoria das nossas cidades, sem as colocar em risco de perder a sua autenticidade, mas, pelo contrário, vendo a autenticidade como bandeira e pilar de toda essa estratégia!

Porque cidades atrativas para o turismo têm características fundamentais que atraem e fixam novos residentes, e esses, sim, são o futuro da nossa comunidade que deve ser cuidada todos os dias.

#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.