Por:  

Jorge Máximo, diretor central no sector bancário e ex-vereador da CM Lisboa (2013-17), e Januário Rodrigues, investigador Doutorando em Sistemas de Energia Sustentável.

O Governo aprovou o Pacote Mobilidade Verde, em outubro do ano passado, anunciando um investindo de 115 milhões de euros até 2025, reafirmando o seu compromisso com uma mobilidade segura, inteligente e sustentável.  Será que estas medidas vêm dar resposta a este Dilema da Mobilidade Verde e a ajudar a edificar verdadeiras Smart Cities em Portugal? Vamos continuar atentos!

O pacote inclui uma dezena de medidas como o alargamento do “Passe Social +”, abrangendo 2,5 vezes mais cidadãos, a criação do Passe Ferroviário Verde nacional com um custo mensal de 20€, a ampliação do passe gratuito jovem a todos os jovens, beneficiando mais de 241 mil pessoas, e investimentos em Mobilidade Inteligente, visando melhorar o transporte público multimodal e modernizar a bilhética.

Além disso, foi publicado o Programa de Incentivo ao Transporte Público Coletivo (Incentiva+TP), substituindo programas anteriores (PART e PROTransP) e reforçando o orçamento para 410 milhões de euros, financiado pelo Fundo Ambiental das receitas da taxa de carbono dos combustíveis, representando um reforço de cerca de 50% face às verbas consignadas em 2023. Esta medida visa reduzir a pegada de carbono e promover a inclusão social, beneficiando populações de menores recursos.

Contudo, surgem questões pertinentes, quanto ao financiamento destas medidas pelo Fundo Ambiental:

– Devem os recursos para políticas ambientais ser destinados à inclusão social?

– Esse financiamento pode afetar verdadeiros investimentos ambientais prioritários?

Estas questões são certamente pertinentes em democracia, mas entendemos que não devem ser as opções ideológicas a pilotar o rumo das decisões subsequentes, mas sim a transparência dos resultados obtidos face aos objetivos enunciados.

É crucial investir em soluções inovadoras para a mobilidade, como a integração de diferentes modos de transporte e o desenvolvimento de aplicações de smartphone abertas que permitam inovar no planeamento das viagens e motivar os utilizadores frequentes a alterarem os seus comportamentos e hábitos de mobilidade para um claro sistema multimodal, da sua conveniência.

Diversas cidades do mundo tentam reduzir à sua maneira, a pegada de carbono e tornar os espaços urbanos mais sustentáveis. No entanto, a questão crítica de “…como equilibrar a mobilidade verde inteligente com uma inclusão social para todas as classes?…”, permanece um gigantesco desafio!…

Esta questão crítica, é um desafio para as verdadeiras Smart Cities que devem integrar políticas de boa governança ambiental e social usando inovações tecnológicas que geram informação em tempo real segura, capaz de melhorar a qualidade de vida de “todos os cidadãos”.

Sugerimos agora alguns pilares de pensamento que podem ajudar a alinhar respostas concertadas para responder a esta questão crítica:

  • A Revolução da Mobilidade Verde: Descarbonizar Crescendo na Competitividade Económica

A mobilidade verde deve englobar soluções projetadas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e promover práticas multimodais de transporte sustentáveis. Isso inclui veículos movidos a energias renováveis, automóveis e bicicletas partilhadas, sistemas de transportes públicos eficientes, movidos a energias renováveis de forma generalizada.

Deve ainda incluir verdadeiros sistemas multimodais que incluam o transporte privado e o parqueamento inteligente, apoiados na decisão livre do utilizador. Esta solução, carece da instalação estratégica de servidores BIG Data e de sistemas de informação em tempo real, que geram informação vital ao funcionamento das Smart Cities e que incentivam os utilizadores a tomar decisões ambientalmente favoráveis através da consulta de simples Apps, antes das suas deslocações habituais.

Mas temos de estar atentos a riscos que nos ensombram: A UE lidera o mundo em metas de sustentabilidade e da economia verde, mas o recente “Relatório Draghi”, alerta para o nosso atraso no desenvolvimento de tecnologias inovadoras quando nos comparamos com os EUA e sobretudo com a China. Por outro lado, temos a energia mais cara entre os três blocos económicos, porque importamos quase toda a energia fóssil que consumimos e porque também importamos os produtos tecnológicos críticos da economia verde, como os semicondutores e muitas matérias-primas necessárias à descarbonização. Ora sabemos que energia mais cara afeta essencialmente as classes mais desfavorecidas e o setor produtivo necessário ao crescimento económico da EU.

  • Desafios da Inclusão Social na Mobilidade das Smart Cities

Para integrar a inclusão social e a mobilidade verde nas nossas cidades, é essencial garantir que “todas as populações urbanas, independentemente de sua condição socioeconómica, tenham acesso equitativo a soluções de transporte sustentável”.

Sem um enfoque inclusivo, há o risco de a mobilidade verde agravar as desigualdades existentes e de polarizar na confrontação social, classes com diferentes condições sociais.

Por exemplo, viaturas movidas a energias não fósseis continuam inacessíveis pelo preço às classes mais desfavorecidas; comunidades sem acesso à mobilidade verde são empurradas para bairros suburbanos mal servidos em mobilidade intermodal de qualidade e longe dos locais de trabalho.

“A Inclusão Social e a Mobilidade Verde podem dar as mãos, em SmartCities que têm sistemas de informação em tempo real e redes de transportes de qualidade com integração multimodal!…”

Podemos então afirmar que a mobilidade verde inclusiva, deve permitir a qualquer cidadão, tomar a decisão “mais acertada”, para ir do ponto A ao ponto B.

Necessitamos então de BIG Data e Open Source seguro, para que a mais eficiente combinação económico-ambiental e tempo despendido, possa ser consultada em qualquer aplicação de navegação, como o Google Maps ou o Waze. Os utentes podem informar-se nelas de qual o melhor trajeto, menores emissões, meios de transporte a utilizar e em que parte do trajeto devem usar viatura própria ou onde parquear, e que parte do trajeto devem usar mobilidade ligeira ou transportes públicos coletivos e individuais como TÁXI ou TVDE.

  • Exemplos de Boas Práticas?

Algumas cidades têm encontrado maneiras inovadoras de equilibrar a mobilidade verde e a inclusão social.

Na Europa, existem diversos exemplos de cidades que optaram por simplesmente subvencionar o transporte público, visando reduzir a pegada carbónica nos seus territórios. Os resultados foram inconsistentes:

  • Em alguns casos, os programas não alcançaram uma redução significativa do tráfego automóvel, essencialmente por não haver integração multimodal das políticas e sistemas de informação que evidenciem aos utilizadores os benefícios das suas opções;
  • Noutros, o custo elevado acabou por limitar a sustentabilidade económica e a continuidade da medida;
  • Casos ainda existem em que se observou uma diminuição na dependência dos veículos particulares e uma melhoria nos indicadores ambientais, acompanhada de um alívio financeiro substancial para as famílias.

Enumeramos aqui apenas alguns dos exemplos mais notáveis, mas com a certeza de que todos são melhoráveis:

  • O Luxemburgo foi pioneiro ao implementar transportes públicos gratuitos para toda a população em 2020, com o intuito de aliviar o trânsito intenso e reduzir a pegada ambiental. O acesso para todas as camadas sociais, teve impacto limitado, uma vez que muitos residentes por conveniência, continuaram a optar pelo seu automóvel, ao não existir de todo uma integração multimodal da medida.
  • Tallinn, capital da Estónia, implementou em 2013 transportes gratuitos para os seus residentes. O sistema reforçou a coesão social e beneficiou socialmente os residentes, mas teve um impacto modesto na redução do tráfego de automóveis particulares.
  • A Alemanha lançou, durante o verão de 2022, um passe mensal de transporte público de 9 euros, aplicável a todo o país. A medida gerou um aumento substancial no uso de transporte público e uma diminuição do trânsito, além de promover uma maior adesão ao transporte sustentável.
  • Dunquerque, em França, implementou em 2018 transportes públicos gratuitos, visando reduzir a poluição e revitalizar a economia local com o centro urbano mais acessível e atraente. A cidade observou um aumento significativo de 60% na utilização de transportes públicos e uma redução do uso de automóveis, sendo considerado um exemplo bem-sucedido de integração da mobilidade verde com a inclusão social.
  • Em Copenhaga, Dinamarca, a cidade investiu em ciclovias seguras e eficientes para promover a mobilidade suave própria e partilhada, integradas com os restantes sistemas de transporte disponíveis em rede para todos os residentes, independentemente da sua condição económica. A política “ciclovia para todos” garante que a mobilidade suave, seja uma alternativa viável ao automóvel, ajudando a reduzir as emissões de carbono e a melhorar a inclusão social.

A análise desses casos demonstra a complexidade da articulação de políticas de mobilidade verde e inclusão social. É essencial equilibrar objetivos ambientais, económicos e sociais, considerando cada contexto urbano.

Em Portugal, o Pacote Mobilidade Verde e o Programa Incentiva+TP assumem passos importantes para uma mobilidade sustentável e inclusiva. No entanto, é crucial monitorar e avaliar continuamente os resultados e avaliar sua eficácia na redução de CO2 e na promoção da equidade social, ajustando estratégias conforme necessário e comunicando as decisões de forma transparente e justificando as opções políticas tomadas.

Em jeito de conclusão

Para que a mobilidade verde seja verdadeiramente inclusiva, é essencial adotar uma abordagem holística. Políticas de transporte devem ser desenvolvidas em conjunto com iniciativas sociais e económicas que corresponsabilizem os cidadãos das suas opções tomadas conscientemente, apoiando-se em sistemas de informação em tempo real. Algumas estratégias a considerar incluem:

  • Educação e Conscientização: É necessário implementar programas educacionais que promovam os benefícios da mobilidade verde e incentivem sua adoção em todas as comunidades. A Incorporação de informação permanente das soluções de deslocação disponíveis em cada momento, de quais os seus custos financeiros e ambientais e tempos de viagem, é o melhor tónico para a mudança de mentalidades e para a transparência do impacto das medidas políticas.
  • Parcerias Comunitárias e Partilha Inteligente de Informação: Incentivar a colaboração entre as comunidades, o setor privado e o público para financiar e implementar soluções de mobilidade verde que beneficiem todas as camadas da sociedade. As viaturas privadas que circulam de ponto a ponto, podem partilhar em aplicações de Smartphone, desde que em segurança, o seu itinerário em sistema de carsharing; os operadores privados de TÁXI e TVDE, podem igualmente partilhar a sua disponibilidade por localização, em lugar de estarem muitas vezes em movimento, procurando clientes ocasionais; os operadores de transportes coletivos podem disponibilizar a informação do ponto da sua rota em que se encontram e da disponibilidade de lugares disponíveis, pois é a informação que ajuda à decisão mais inteligente.

O dilema da mobilidade verde com inclusão social é um desafio complexo sim, mas não insuperável. Com planeamento estratégico e políticas inclusivas acertadas, as cidades podem avançar para um futuro onde a sustentabilidade económica e ambiental e a equidade caminham lado a lado. Ao adotar uma abordagem holística, podemos garantir que a revolução da mobilidade verde seja uma vitória não apenas para o meio ambiente e o planeta, mas para todos os cidadãos. E isso é Smart!…

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 43 da Smart Cities – abril/maio/junho 2024, aqui com as devidas adaptações.