É inegável que o planeamento urbanístico dos países tem de sofrer uma profunda alteração no sentido de conciliar a atração dos centros urbanos pelo uso e desenvolvimento das tecnologias digitais e a sustentabilidade ambiental, que, frequentemente, se encontra sobretudo fora desses centros urbanos.

A essencialidade da localização física nos centros urbanos para efeitos de exercício de muitas atividades profissionais foi colocada em causa pela pandemia que Portugal e o mundo viveram no último ano.

Assim, a deslocalização de pessoas para fora dos centros urbanos – com as vantagens ambientais e de planeamento e organização da cidade daí decorrentes – está sobretudo dependente da capacidade de as tecnologias digitais permitirem iguais níveis de garantia de serviço dentro e fora da cidade.

Ora, o Estado pode e deve ser o motor dessa mudança, como tem sucedido um pouco por todo o mundo desde o final da década passada.

Como projeto piloto, França implementou acordos intermunicipais procurando que, no desenvolvimento dos mesmos, se consigam ganhos ambientais e de transição energética, desenvolvimento económico e qualidade dos serviços no conjunto dos centros urbanos e de áreas menos densamente povoadas.

Ao fomentar uma visão integrada de zonas urbanas e rurais e, dessa forma, permitir que os habitantes destas zonas possam ter acesso aos serviços públicos, de forma particular à Saúde, à Segurança Social, às Finanças e à Justiça, em condições semelhantes às de quem reside nos centros urbanos – sendo nisso particularmente relevante as tecnologias digitais –, torna-se possível criar verdadeiros blocos urbanísticos diferentes e mais integrados.

O Plano de Recuperação e Resiliência, entregue em Bruxelas este mês, apresenta uma dimensão de transição digital constituída por cinco componentes, entre as quais destacamos a  das empresas 4.0 (e, nesta, o objetivo de desmaterialização dos fluxos de trabalho, a incorporação de ferramentas e metodologias de teletrabalho e a incorporação de tecnologias disruptivas nas suas propostas de valor das empresas) e a da capacitação, digitalização e interoperabilidade e cibersegurança na Administração Pública.

Com recurso ao enquadramento fornecido pelo referido plano, poderemos implementar soluções que permitam, de facto, dar o próximo passo no desenvolvimento de smart cities, designadamente: continuar a modernização e simplificação da Administração Pública (tendo em vista a existência de uma única plataforma que permita toda e qualquer interação com a Administração); aplicar as tecnologias digitais ao desenvolvimento e gestão dos serviços públicos essenciais para a gestão da cidade, como o transporte ou as redes de saneamento; desenvolver a aplicação prática da telemedicina; enriquecer o programa de ensino.

Naturalmente, a ambição destas ideias pressupõe a utilização e aproveitamento de tecnologias digitais, em especial da rede 5G ,que permitirá uma melhor integração entre pessoas, máquinas e serviços.

Em suma, é mais fácil ter uma smart city se formos perdendo a referência a cidade como cerne da alteração urbanística e adotarmos uma visão de conjunto, isto é, uma visão em que centros urbanos distintos se vão integrando de forma inteligente. O Plano de Recuperação e Resiliência pode, com algumas das medidas nele previstas, permitir que seja dado mais um passo nesse sentido.

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.