Por:  

Jorge Máximo, diretor central no sector bancário e ex-vereador da CM Lisboa (2013-17), e Januário Rodrigues, investigador Doutorando em Sistemas de Energia Sustentável.

“Neste contexto, o objetivo ambicioso da UE de duplicar a taxa de circularidade até 2030 afigura-se muito difícil de alcançar”, Tribunal de Contas Europeu, maio 2023.

Começar um artigo de opinião com uma declaração pessimista de um Tribunal de Contas não é situação comum, mas permitam-nos uma exceção para falar sobre Economia Circular na Europa, e particularmente em Portugal.  

 A frase consta de um recente relatório com o sugestivo título “Economia Circular – Transição lenta nos Estados Membros, apesar da ação da UE”, relativo a uma auditoria especial realizada pelo Tribunal de Contas Europeu para avaliar se a ação da Comissão tinha influenciado eficazmente as atividades da Economia Circular nos Estados Membros. Contrariando o que muitos esperariam, as conclusões do Tribunal dificilmente poderiam ser mais negativas, referindo mesmo que “existem poucas provas de que os Planos de Ação para a Economia Circular (PAEC) da Comissão, tenham influenciado eficazmente as atividades da economia circular nos Estados Membros “.   

 Como evidência, referem o facto dos esforços legislativos e financeiros superiores a 10 mil milhões de euros que foram investidos, entre 2014 e 2020, para estimular a Economia Circular, apenas terem aumentado a taxa de circularidade média (percentagem de materiais reciclados e reintroduzidos na economia) em 0,4 pontos percentuais entre 2015 e 2021, com ritmos muito diferentes entre os Estados-Membros, e sobretudo direcionados para a gestão de resíduos, ao invés da conceção circular dos produtos e dos processos de produção, com maior potencial em termos de Economia Circular.  

Neste quadro, Portugal posiciona-se com um contributo particularmente modesto, com uma taxa de circularidade de apenas 2,5%, que compara com 11.7% da média europeia e 33,8% do líder europeu, os Países Baixos.  

Como ações, o TCE recomendou à Comissão Europeia para avançar de imediato com medidas que permitam melhorar o seu acompanhamento da evolução da transição dos Estados-Membros para uma economia circular, facilitando a tomada de decisões informadas sobre novas políticas, e o diagnóstico dos motivos pelos quais o financiamento da UE não conduziu a mais projetos centrados na conceção circular, incluindo caso se justifique o reforço dos incentivos ao desenvolvimento destes. 

Apesar do diagnóstico pessimista do TCE, também na Economia Circular é possível converter fraquezas atuais em oportunidades de futuro, sendo que o retrato atual também evidencia o enorme potencial de crescimento e oportunidades económicas que os Estados Membros e claro Portugal têm pela frente caso acelere no investimento e incentivo à Economia Circular. Neste contexto, é particularmente relevante, um maior aproveitamento e posicionamento em novos negócios associados aos setores de Economia Circular, a diminuição da dependência nacional e acesso seguro a matérias-primas e energias importadas, e uma maior eficiência do processo e ciclo produtivos. 

Em junho de 2021, a Associação Empresarial de Portugal (AEP) publicou o documento “Economia Circular: Análise do GAP nacional face a países de referência,” na qual sistematiza uma análise aprofundada das políticas e medidas relacionadas à Economia Circular em países da União Europeia, com particular foco em iniciativas orientadas para Pequenas e Médias Empresas. Neste estudo, conclui que Portugal apresenta um atraso considerável em relação às médias europeias, apesar de reconhecer uma tendência de evolução positiva observada nos últimos anos. Também ele destaca uma taxa média de circularidade de apenas 2,2%, que compara com a média europeia de 12,4% e 28,5% dos Países Baixos, e um indicador de produtividade dos recursos de apenas 1,30€/kg, equivalente a apenas a 54% da média europeia e 25% do registado nos Países Baixos.  

Concluindo, a AEP recomendou maior clareza e abrangência nas estratégias de ação que devem ser adaptadas às necessidades específicas de diferentes setores de atividade, um sistema de monitorização consolidado e centralizado que abranja todas as dimensões da Economia Circular, e incentivos a um maior envolvimento das empresas no processo de transição, incluindo a promoção de acordos circulares entre diferentes agentes económicos, e a disponibilização de instrumentos fiscais que incentivem as empresas a aderir aos princípios da circularidade. 

A avaliação do custo-benefício é assim uma etapa essencial para garantir que os investimentos em economia circular sejam bem-sucedidos.  

Mas num contexto de recursos escassos, e de tantas prioridades para endereçar desafios económicos e ambientais, será que haverá recursos públicos disponíveis para reforçar os atuais níveis de investimento em Economia Circular. 

Facto é que governos europeus têm introduzido e reforçado os “impostos ao carbono” ou “verdes” para desencorajar o consumo de produtos com uma pegada ecológica elevada e contrária à adoção de uma economia circular. 

Pode dizer-se que este é um segundo vetor de atuação de uma boa governança, mas como sempre que falamos de impostos, carece de cuidados acrescidos e de orientação estratégica que vá além de um ciclo eleitoral. Deve ser preocupação dos governos que a nova tributação não apenas impacte negativamente a economia do passado sem chegar a criar como contrapartida atividades ou medidas concretas de estimulação e crescimento da economia circular que a vai substituir. 

Desde logo ficam as perguntas, “para que saco são canalizados os novos impostos com origem na tributação adicional dos custos do carbono”? 

“Quais são os verdadeiros projetos que com transparência e equidade devem receber apoios destes denominados fundos ambientais, gerados pela sobre taxação da velha economia do Carbono?” 

Entre os instrumentos atuais, analisemos a evolução recente da Economia Circular no quadro do Fundo Ambiental, provavelmente o mais importante instrumento em termos de financiamento da política ambiental. De acordo com o último relatório e contas disponível, em 2021 e no que se refere à Economia Circular o Fundo Ambiental apenas financiou:  770m€ para projetos relacionados com o aproveitamento, tratamento e recolha seletiva de biorresíduos; 500 m€ para projetos locais promovidos por Juntas de Freguesia; e 75m€ para a reutilização de embalagens de pronto a comer! Opções e sinais claramente insuficientes num ano em que o Fundo apresentou despesas totais superiores a 955M€!  

Nos últimos dois anos, o cenário não é muito diferente. Numa consulta atual ao site do Fundo aos apoios para 2023 para a transição para a Economia Circular apenas encontramos um aviso referente ao “Sê-lo Verde” com uma dotação global de 650m€, destinada a incentivar a adoção de boas-práticas ambientais organização de eventos de massas!  

Quando o próprio Fundo Ambiental, que é de consulta e acompanhamento generalizado por muito agentes económicos, não reflete, prioriza e valoriza, explicitamente a importância de investimentos em Economia Circular, dificilmente se conseguirá estimular e aumentar de forma significativa um maior e mais rápido envolvimento dos setores económicos para a transformação e transição circular do seu modelo produtivo.  

Assim se perdem oportunidades! Assim se perde posicionamento no contexto europeu! Assim nos podemos questionar, “quais são as efetivas prioridades da fiscalidade verde?” 

Portugal é um dos países da UE que encontrou nos denominados impostos verdes uma espécie de galinha dos ovos de ouro da fonte de receita para as necessidades especiais do Orçamento do Estado. Sabe-se também que a União Europeia planeia implementar impostos de carbono na fronteira; é o mecanismo de ajustamento de carbono nas fronteiras da União Europeia.  

O objetivo é que produtos com origem de fora da UE fiquem mais caros aos consumidores europeus quando comparados com produtos semelhantes da economia circular. Espera-se que assim os consumidores escolham produtos mais económicos e simultaneamente mais ecológicos. 

Em qualquer caso, se estas medidas tiverem um impacto positivo na economia circular, cada vez circularão menos produtos que possam ser taxados com impostos verdes e no fim do túnel, a coleta de impostos dos governos terá que se focar noutras soluções mais ou menos criativas.  Este é um paradoxo que pode estar a condicionar as prioridades e ritmo de investimento público em matéria de circularidade, por fazer questionar os Estados sobre a estabilidade futura das suas atuais receitas fiscais com fiscalidade verde. E não vamos aqui falar da polémica do Novo IUC para automóveis mais antigos (poluentes), porque ainda é um não assunto, que apenas está na proposta de orçamento 2024… 

Num terceiro vetor de atuação, o Banco Central Europeu, responsável pela supervisão bancária na EU, divulgou em novembro de 2020 o guia sob riscos climáticos e ambientais. Uma vez mais a agenda 2030 está por detrás do desenho deste guia. O setor financeiro europeu terá de ter um papel fundamental para que se atinja o objetivo de tornar a Europa o primeiro continente neutro no clima até 2050. 

É suposto que a transição para uma economia circular envolva riscos e oportunidades para toda a economia e também para as instituições financeiras. Os danos físicos causados pelas alterações climáticas que aí estão à vista de todos, podem ter um impacto importante na economia real pelo que estes fatores de risco adicionais devem ser contemplados quando cada instituição financeira estiver a fazer a análise de risco e naturalmente para redirecionar fluxos financeiros para investimentos sustentáveis a longo prazo. 

Não somos capazes de prever o quanto o impacto destes três vetores de atuação no futuro próximo, pode acelerar o crescimento da economia circular em detrimento de velha economia Hiper Carbónica. Sabemos sim que do ponto de vista dos cidadãos nacionais e europeus, ainda que já sintam em cada estação os impactos das alterações climáticas, não são capazes de identificar claramente qual o seu papel enquanto consumidores, para que a economia circular acelere em definitivo e atinja os indicadores propostos para o desenvolvimento sustentável das Nações Unidas. 

São necessárias novas medidas de sensibilização e educação das populações, que visem garantir que os resíduos sejam evitados e os recursos já utilizados sejam prolongados no seu ciclo de vida, o maior tempo possível. É ainda urgente que a monitorização do progresso que a economia circular traz, aconteça em cada Estado membro da UE e seja pública através de app’s ou portais na internet, para que alcance todos, influenciando os benefícios diretos e indiretos da sua atuação enquanto cidadão e consumidor. 

Em matéria de circularidade, apesar da ambição ser muita, os resultados são ainda ténues e o caminho a percorrer é ainda demasiado longo para o planeta.   

Mas é um caminho irreversível e, claramente, uma opção smart

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 41 da Smart Cities – outubro/novembro/dezembro 2023, aqui com as devidas adaptações.