Estamos num momento relativamente único no tempo em que, depois de anos a fio a evangelizar a revolução da Internet das Coisas (IoT), finalmente parecem estar reunidas as condições perfeitas para que a profecia se concretize.

As smart cities chegaram e estão para ficar. Porquê?

Em primeiro lugar, porque a proliferação de sensores é notória e continua a crescer, acelerada quer pelos efeitos de escala da globalização da indústria da eletrónica, quer pelos avanços tecnológicos dos últimos anos. Há uma vasta panóplia de sensores disponível para todo o tipo de medições, desde os mais simples aos mais sofisticados, com a qualidade e o preço impensáveis há 10 anos. É cada vez mais simples e mais viável sensorizar o mundo.

Em segundo lugar, porque, agora, que não nos faltam dados, estamos num nível de maturidade em que já os sabemos processar em grande escala e de forma eficiente, e acima de tudo conseguimos traduzi-los em valor real para os utilizadores e para as empresas. Ultrapassámos o patamar da mera curiosidade estatística e entrámos na fase das decisões acionáveis e com consequências.

Depois, porque a infraestrutura de comunicações é agora suficientemente abrangente, diversificada e acessível para conseguir conectar os sensores e transportar os seus dados com a robustez e a velocidade exigidas a um custo que nos permite fechar a folha de cálculo. Sejam as tecnologias de “Low-Power Wide-Area Networks”, LTE ou 5G, sejam os standards Wifi, Zigbee ou Z-wave para a conectividade local, há um leque vasto de soluções para cada caso de uso e para cada contexto.

E, por último, talvez a mais importante das razões, porque a sociedade parece estar pronta. A digitalização extrema a que fomos expostos nos últimos anos mudou o nosso comportamento e a forma como aceitamos adotamos soluções novas. A abundância de equipamentos, aplicativos, e a nossa crescente cultura de mobilidade e de partilha são agora o catalisador perfeito para a próxima etapa.

Assim sendo, parece-me inevitável que das pessoas para a casa, e da casa para o exterior e para a sociedade como um todo, o fenómeno das coisas inteligente e ligadas em larga escala se materialize nas cidades. As cidades estão, e bem, a olhar para oportunidade de melhorar a eficiência dos seus serviços municipais, dos edifícios, dos transportes públicos, do consumo energético, de reduzir o trânsito e manter os seus habitantes mais seguros e mais envolvidos com a comunidade, entre outras aplicações. Há até quem já fale não apenas em cidades, mas em distritos inteligentes.

As tecnologias de registo e descentralização, vulgo “distributed ledger technologies” (DLT), mais vulgo ainda Blockchain e “Smart contracts”, são, neste contexto, uma proposta de valor no mínimo interessante e que vale a pena explorar, investigar, desenvolver e testar com casos reais.

Eis alguns que me ocorrem:

Registo de negócios e serviços de notariado. A natureza imutável, permanente e transparente das DLT torna possível disponibilizar este tipo de informação ao público, de forma aberta e segura, e permite aos cidadãos auditar e seguir o ciclo de vida destes registos.

Mercados de dados. O transporte, a partilha e a disponibilização dos dados entre entidades e a possível monetização dos mesmos é um desafio sem resposta neste momento. Não menos importante é a forma como estes são cifrados ou anonimizados e de como é que os consentimentos de utilização destes são geridos desde a génese até ao consumo. As DLT podem fornecer alternativas modernas e inovadoras.

Soluções de pagamentos. As smart cities são em grande parte, um conjunto de serviços transacionais que requerem muita versatilidade e uma grande liquidez, quer na forma como são contabilizados, quer como são cobrados. Os meios de pagamento tradicionais não são compatíveis com a flexibilidade, velocidade e lógicas inteligentes que se exigem. Os DLT, em conjunto com as moedas digitais, são interessantes neste contexto.

Governança. E se os estatutos e o modelo de governação de uma instituição pudessem ser impostos não por contratos tradicionais analógicos, pessoas, advogados e tribunais, mas por contratos digitais, vivos, munidos com lógica inteligente, impossíveis de adulterar, facilmente auditáveis, cuja execução fosse automática e imediata, sem ambiguidade?

Eficiência energética. As cidades eletrificadas do futuro serão autênticas redes gigantes colaborativas e complexas. Os edifícios serão mais inteligentes não só na forma como consomem energia, mas também na forma como a geram e como a partilham com os residentes na comunidade. Na realidade, todos seremos consumidores e produtores de energia em simultâneo e as soluções de infraestrutura e de gestão desta nova e inevitável economia circular têm que ser criadas.

Infraestrutura inteligente. Cada vez mais, vamos ver redes a monitorizar, recolher informação e a agir sobre esta. Por exemplo, na monitorização do trânsito, das suas regras, e a reação instantânea aos acidentes, no controlo dos semáforos, nos lugares de estacionamento municipais, ou na determinação das melhores alternativas para os condutores em tempo real.

A característica mais importante de um DLT é sua natureza descentralizada. Ninguém o pode controlar, há incentivos financeiros ou outros para o manter seguro e em funcionamento, e todos podem usufruir deste, indiscriminadamente. Os DLTs vocacionados para IoT vão permitir que todos os dispositivos e sistemas conectados em rede possam transmitir informação entre si, com a garantia matemática de que esta não foi corrompida por ninguém, numa plataforma comum, aberta e sem barreiras à adoção.

A McKinsey prevê que, em 2020, existam, pelo menos, 600 cidades a usar “smart technologies” no planeta. Até 2050, estes clusters urbanos vão representar cerca de 70% do GDP e o mercado para essas cidades rondará os 700 mil milhões de dólares por ano. Durante a próxima década, todas as grandes cidades do mundo vão-se digitalizar, conectar e inter-conectar entre elas.

As cidades modernas vão mudar profundamente com a evolução das tecnologias de informação. Para garantir o progresso e a normalidade da vida urbana, vai ser necessário criar toda uma infraestrutura de sistemas em rede, comunicantes e inteligentes, que ainda não existem. Estas novas realidades e os benefícios da introdução dos DLT na equação vão ser os alicerces para a construção das megacidades do futuro. A combinação de sensores, dados, “smart contracts” e DLTs escaláveis, descentralizados e seguros são uma oportunidade que os inovadores e as startups que estão neste espaço não devem ignorar.

Mesmo que a maior parte destas tecnologias ainda seja experimental e tenha desafios por resolver antes de poder ser utilizada em larga escala, este é o momento para começar a explorar. Quem acumular conhecimento e experiência agora, vai ter uma vantagem competitiva grande amanhã.

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.