Declaração de interesses: o meu meio de transporte é a bicicleta. Vivo numa encosta, mas isso é o mais irrelevante. Ando de bicicleta porque é barato e eficiente na maioria dos percursos urbanos e porque é – agora pasmem-se – rápido. Mas, sobretudo, porque gosto.
Reuniões – bicicleta. Supermercado – bicicleta. Café no parque com os amigos – bicicleta. Gostamos de complicar, mas isto é simples.
Gosto particularmente dos dias em que chove. De ser surpreendido a meio da minha deslocação diária pela intensidade da chuva e ter de procurar abrigo debaixo dos tapumes de uma obra. Gosto de ter de trocar de calças quando chego ao emprego. Tudo isto aconteceu, mas nada disto é rotineiro, é isso que me agrada. São apenas razões minhas. São razões emocionais, embora saiba, em boa confidência, que não são poucos os que as partilham.
Mas não preciso de gostar da bicicleta para escolhê-la enquanto meio de transporte. É uma escolha óbvia, alicerçada no empirismo do quotidiano e que se revela mais acertada a cada dia que passa. Tal como estou cada vez mais certo de que o obstáculo à utilização da bicicleta nas nossas cidades passa por factores que andam de mão dada: a falta de coragem política e a falta de infra-estrutura adequada, que depois se associam ao comodismo e ao carácter rotineiro muito próprio das nossas vidas urbanas. Demasiado ocupadas para mudar, demasiado ocupadas para experimentar. Não fosse a bicicleta ter nascido no século XIX e não seria incomum extrapolar que se trata de um elemento novo nas nossas cidades, que aparece agora a interpor-se no meio dos carros, causando embaraço num espaço público subjugado à vontade automóvel. Não é. É um veículo simples, perfeito para se tornar no nosso útil apêndice urbano.
É infeliz que, para muitos portugueses, a bicicleta descanse eternamente no imaginário da uma infância que já lá vai. E que não volta, claro. Se ao menos alguém lhes dissesse que não tem de ser assim. Esta última declaração pode – e deve – ser vista como uma mensagem. O falhanço, nesta questão, não jaz no espírito das pessoas deste país; está, antes, enraizado numa tradição política de planeamento urbano que já leva décadas e que, hoje, provoca atrasos importantes em relação ao resto da Europa, que já ruma, a passos largos, para outro destino.
Estamos em plena Semana Europeia da Mobilidade. As iniciativas multiplicam-se. Debate-se a mobilidade, apresentam-se ideias, projectos e, com alguma sorte, obra feita. É uma oportunidade para ouvirmos o que vai ser feito mas, também para tentarmos fazer parte da mudança. O paradigma da mobilidade vai mudar, não duvidem. E levar a bicicleta para a estrada tem o potencial de mudar o mundo.