Mais do que um desafio, a descarbonização é uma enorme oportunidade, porque contribui para “repensar a forma como estamos a construir e a planear as nossas cidades”. Para Rosa Riquelme, diretora executiva da Agência de Sustentabilidade Energética no Chile, o papel dos cidadãos é fundamental, mas os governos também devem ter uma posição mais ativa. Além disso, acrescenta, “utilizar energia renovável pode significar para as cidades uma nova forma de atrair investimentos energéticos”.

Leia a entrevista a esta especialista em energia, respondida por escrito no âmbito do Smart City Expo Curitiba, que se realizou no Brasil.

De que forma a descarbonização contribui para uma área urbana mais verde?

A descarbonização coloca o objetivo de repensar a cidade para as pessoas. E quando a repensamos para as pessoas, vemos efetivamente que a natureza mais próxima das pessoas nos faz viver melhor. Nesse sentido, a descarbonização também coloca o desafio de incorporar no planeamento urbano os diferentes usos da cidade, sempre considerando o bom uso dos recursos. Dessa forma, contribui para uma nova forma de repensar como estamos a construir e a planear as nossas cidades.

Pode nos dar alguns exemplos desses benefícios? Poderão eles ser aplicados em países europeus, como Portugal?

Por exemplo, hoje em dia, no Chile estamos a pensar incorporar sistemas de gestão de geração distribuída nas nossas próprias edificações. Isso porque precisamos descarbonizar o setor elétrico, mas de alguma forma também representa uma oportunidade para as pessoas se transformarem em produtoras de energia. Dessa forma, também podemos descentralizar a produção, aproximando o consumo de energia da geração de energia, permitindo-nos ser também mais resilientes. Esse, por exemplo, é um exercício concreto de como a descarbonização, que nos convoca a utilizar energia renovável, pode significar para as cidades uma nova forma de atrair investimentos energéticos.

Nós estamos a fazer isso, por exemplo, a nível habitacional também por meio de parques solares comunitários, onde espaços desocupados são utilizados para criar comunidades fotovoltaicas e, dessa forma, usamos energia renovável, descarbonizamos a nossa matriz e também damos um novo uso à cidade.

Rosa Riquelme é diretora executiva da Agência de Sustentabilidade Energética no Chile. Foto: © Smart City Expo Curitiba

Eu acho que o lado bom de repensar hoje a energia está no fato de que isso pode ser aplicado em todos os países. Não é necessariamente fácil, porque são necessários marcos normativos e sistemas de transmissão que sejam compatíveis com o uso de recursos renováveis, mas quando isso existe, então é possível. Nós, por exemplo, no Chile, temos um longo histórico desde que foi permitida a injeção de energia fotovoltaica por parte dos consumidores, e não tem sido óbvio que isso aconteça efetivamente. Foram necessárias muitas políticas públicas, vínculo com o setor bancário, estudos de viabilidade de projetos, repensar, por exemplo, como posicionar os telhados para facilitar a instalação desses equipamentos.

Esse caminho, provavelmente, outros países também terão que percorrer, e o que eu acho importante é mostrar que isso é possível. Isso também permite que os consumidores tenham uma participação no mercado energético diferente das tradições que herdamos. Certamente, viemos de mercados energéticos onde a produção de energia está centralizada e é 100% fóssil. De alguma forma, reutiliza muitas vezes os recursos do planeta que hoje já não temos e que, além disso, está associado a setores económicos muito centralizados. A descarbonização e a geração distribuída têm outros paradigmas. Portanto, mudar esse paradigma sobre como vemos o sistema energético é um desafio, mas é completamente possível.

Como garantir que as cidades globais conseguem melhorar os níveis de eficiência energética?

Eu acho que a forma de garantir isso é, primeiro, tendo regulamentação. A verdade é que, sem regulamentação, apenas com incentivos, é difícil que as cidades evoluam. Pelo menos foi assim que entendemos no Chile, e hoje temos regulamentação em termos do consumo de energia nas residências, também no tipo de materiais que podem ser utilizados.

Dessa forma, o mercado tem de alguma forma a obrigação de se adaptar, mas também, nesse caminho, desde a regulamentação, temos acompanhado com diferentes programas políticos e também estudos que permitam mostrar ao mercado que é possível adaptar-se. Assim, a regulamentação estabelece o padrão e as políticas públicas ajudam as empresas a cumprir esse padrão, e todos nós, então, conseguimos enfrentar o desafio da descarbonização das cidades.

Acredita que o caminho para a descarbonização das cidades passa pela conscientização dos cidadãos ou é necessário que os governos tomem medidas obrigatórias para reduzir as emissões?

Precisamos que os governos realmente tenham uma posição mais ativa nesse tema, mas também precisamos que as pessoas entendam que todos devemos contribuir, e isso passa por tomar decisões diferentes em diferentes níveis. Esse consumidor que às vezes vai usar um aparelho que talvez não precise ou que decide pegar o carro em vez do transporte público e então decide poluir, mas também aquele empresário que diz “vou ter tal sistema produtivo que talvez não seja compatível com os objetivos de descarbonização” versus outro, e claro, também a nível de políticas públicas para impulsionar essas mudanças.

Mas o principal, para mim, tem a ver com o fato de que as pessoas entendam que temos um papel nisso e esse papel passa por tomar decisões simples de consumo até tomar decisões estruturais, como a regulamentação. Na medida em que todos estivermos convencidos de que devemos tomar decisões nesse sentido, eu acredito que vamos conseguir avançar.

Faz parte do programa Mulheres em Energia do Museu Mundial de Medellín. Qual é o papel das mulheres no processo de transição energética e ambiental que o mundo está a atravessar?

Eu acredito que as mulheres têm um papel fundamental. A verdade é que esse mundo que temos hoje foi herdado por decisões, por visões que foram parciais e, lamentavelmente, também herdadas por apenas um género. Então, hoje, incorporar as mulheres nessa visão, incorporar a diversidade completa de pessoas, acredito que trará melhores resultados, pode dar-nos melhores respostas.

Hoje, precisamos ter diversidade de pensamento e, nesse sentido, as mulheres não podem ficar de fora, porque são metade da população, porque vivem nas edificações e entendem as problemáticas de maneira diferente. Estar presente nas discussões de políticas públicas, na implementação de projetos, na formação de novos cidadãos é fundamental para que possamos ter uma visão mais integral e que responda às necessidades de todos e todas.


Fotografia de destaque (Santiago do Chile): © Shutterstock