Depois de um percurso com mais de dez anos de aposta no desenvolvimento ambiental, a cidade de Guimarães foi eleita Capital Verde Europeia 2026. A cidade histórica, berço da nação, adaptou-se e transformou-se num autêntico pulmão verde que revitaliza uma cidade em mudança. As “metas ambiciosas de sustentabilidade urbana e o combate às alterações climáticas” chamaram a atenção da Comissão Europeia que, à terceira tentativa, não deixou escapar o prémio da mão dos vimaranenses.  

O sábado chuvoso e frio não impediu que dezenas de pessoas, entre elas crianças e jovens, saíssem à rua para reflorestar. Passavam poucos minutos das nove da manhã quando a comitiva partiu do Laboratório da Paisagem rumo à Pedra Fina, uma montanha na vila de São Torcato que foi recentemente devastada pelas chamas. A emergência climática e a vontade em restabelecer a natureza anularam o esforço da longa caminhada pela serra. O que para muitos poderia ser interpretado como uma obrigação, não passou de um ato de necessidade, uma boa ação para com o planeta. É assim que se pensa em Guimarães. 

Numa manhã, foram plantadas mais de 1250 árvores, numa atividade que juntou a comunidade, funcionários de 36 empresas da região e alunos da Escola Básica do Vale de São Torcato. A ideia surgiu por iniciativa dos mais jovens, de mini-governantes, que no âmbito do projeto escolar Eco Parlamento decidiram que era importante reflorestar a Pedra Fina, floresta com que convivem todos os dias. “Esta é uma área ardida, que tinha sido devastada pela segunda vez, e onde há uma grande erosão do solo. O nosso objetivo é proteger o planeta numa iniciativa dois em um. Dar a São Torcato a biodiversidade, a fauna e flora, mas também dar um parque de lazer à comunidade, envolvendo as famílias”, explica Paula Lopes, coordenadora do programa Eco Escolas, na Escola Básica de São Torcato. 

Pensar e viver em comunhão com a natureza surge quase espontaneamente em Guimarães porque o envolvimento da população e a educação ambiental foram pilares para a mudança de paradigma que a cidade tem protagonizado. Em 2014, “numa aposta única e singular em Portugal” em investigação, foi criada um centro de investigação e educação, que funciona como um impulsionador de sustentabilidade. O Laboratório da Paisagem surgiu por iniciativa da autarquia de Guimarães, em colaboração com a Universidade do Minho e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, no sentido de aliar o conhecimento científico e académico no desenvolvimento de novas soluções ambientais, rumo à transição climática. “Foi uma aposta única e singular no investimento local em investigação, algo pouquíssimo habitual a nível europeu e inexistente em Portugal. Temos uma noção muito clara de que vale a pena investir em investigação para também ajudar naquilo que são as tomadas de decisão política no dia a dia”, diz Carlos Ribeiro, diretor-executivo do Laboratório da Paisagem.        

É em contexto laboratorial que a equipa de investigadores – que passou de três, em 2014, para 20, em 2025 – trabalha em áreas muito diversas, desde a avaliação da qualidade da água dos rios, à promoção e ampliação dos espaços verdes disponíveis, passando pela transformação e reaproveitamento de materiais em fim de vida. A aposta em diferentes áreas de investigação tem ajudado o município a tomar decisões, ao mesmo tempo que a comunicação, sensibilização e educação nas escolas aumenta a literacia climática e a mobilização dos cidadãos. 

Uma década de envolvimento da comunidade 

50% a 60% dos projetos do Laboratório da Paisagem são apoiados pelo município de Guimarães.

Desde a criação do Laboratório da Paisagem foram promovidas cerca de 800 ações na área da educação ambiental, sendo que o tema da sustentabilidade passou a estar presente e a ser um dos focos programáticos em todos os ciclos de ensino. Existe já, em Guimarães, uma geração de jovens que acompanhou uma década de ensino dedicado à sustentabilidade.  

Maria Mesquita tem 17 anos e acompanhou a comitiva que se deslocou a Valência para receber a distinção de Capital Verde Europeia 2026. “Fui convidada para transmitir a perspetiva dos jovens relativamente à forma como Guimarães está a influenciar na nossa jornada ecológica. Comecei a assistir a palestras desde o primeiro ciclo. É algo que está sempre connosco, no nosso crescimento. À medida que aprendemos coisas novas na escola, aprendemos também um pouco melhor como podemos contribuir para a missão ambiental”, conta a jovem estudante.  

Enquanto aluna do 12.º ano de Ciências e Tecnologias, na Escola Francisco de Holanda, Maria Mesquita ajudou a melhorar os pontos de abastecimento de água da escola, no sentido de aumentar a poupança, no âmbito de um projeto académico desenvolvido em colaboração com o Laboratório da Paisagem. “Uma cidade são as pessoas que a constituem. Temos todos de contribuir para ter uma cidade verde e é isso que acho que Guimarães está a conseguir fazer”, afirma. A jovem nasceu e cresceu a participar em projetos de sustentabilidade, fruto da aposta do município na educação ambiental. 

Assim como as instituições de ensino, as instituições culturais, desportivas, de solidariedade social e as comunidades locais são envolvidas nos projetos ambientais do município através da iniciativa Brigada Verde. O objetivo do projeto passa por envolver localmente todos os cidadãos em projetos de sustentabilidade, num trabalho de proximidade que começa agora a dar frutos. “Estamos a falar de desafios muito complexos, de necessidades de alterações comportamentais que são processos muito longos, que não são fáceis. Só conseguimos se tivermos a comunidade envolvida. O município assume como estruturante, como prioritário, uma aposta na investigação, na educação e no desenvolvimento ambiental”, refere Sofia Ferreira, vereadora do Ambiente e Ação Climática do município de Guimarães.  

Em 2017, quatro anos depois da intensificação das políticas públicas para a sustentabilidade ambiental do município, foi assinado um consenso político entre todos os partidos representados na assembleia municipal, no sentido de centrar a estratégia rumo aos objetivos traçados para a neutralidade climática. O pacto vigora pelo menos até 2030, ano em que a Comissão Europeia espera ver cumpridos os objetivos traçados em matéria de ambiente, energia e clima.    

Empresas assinam Pacto Climático 

No âmbito da aprovação do Contrato Climático da Missão das 100 Cidades, e com o objetivo de envolver o maior número de entidades alinhadas pelo mesmo propósito, foi criado o Pacto Climático de Guimarães 2030, subscrito por mais de uma centena de instituições e entidades do setor privado. A iniciativa avançou depois de terem sido calculados os setores que provocam mais emissões na cidade, com o objetivo de serem adotadas medidas para a redução de 80% das emissões até 2030.   

Sendo os setores da mobilidade e indústria os mais poluentes em Guimarães, tornou-se necessário agir em duas frentes. “Criamos o Pacto Climático para que as empresas possam também assumir a responsabilidade climática. O Laboratório da Paisagem está a fazer um trabalho de cálculo da pegada carbónica das empresas para que elas saibam onde estão e para onde é que vão. A questão da neutralidade climática é um grande objetivo, mas é possível de atingir”, afirma Dalila Sepúlveda, diretora do Departamento de Ambiente e Sustentabilidade do município. Paralelamente ao trabalho de cálculo da pegada carbónica das empresas, a equipa de investigadores do Laboratório da Paisagem está a trabalhar em planos de atuação que ajudem as empresas a reduzir as emissões. 

Com o objetivo de ajudar a monitorizar as alterações climáticas, o município de Guimarães está ainda a investir na investigação aeroespacial, através da criação do Guimarães Space Hub. O centro de investigação, que surge em colaboração com o CEiiA, será instalado no centro da cidade, numa antiga empresa degradada que está a ser reconvertida. “Cada vez mais os satélites são importantes no diagnóstico. Com essa monitorização em campo conseguimos ter dados muito mais fiáveis. Não podemos continuar a decidir única e exclusivamente em planos. Temos de adotar políticas tecnológicas para nos ajudar na decisão”, afirma Dalila Sepúlveda.   

No que toca às decisões para o setor da mobilidade, entre as medidas de incentivo à utilização dos transportes públicos, por exemplo, está também a intenção do município de pedonalizar o Centro Histórico de Guimarães. Até final do ano, o executivo municipal pretende aumentar a área pedonal no Centro da cidade. “É importante caminharmos para aumentar as áreas de pedonalização. Obviamente que essa tomada de decisão tem de ser tecnicamente sustentada, porque queremos o melhor para a comunidade e para o comércio, mas é algo que vamos avançar”, afirma a vereadora do Ambiente e Ação Climática. Retirar os carros do centro histórico e torná-lo 100% pedonal é uma das soluções que serão avaliadas pelo executivo.  

Durante este ano o município irá traçar a metodologia e a estratégia de atuação para o ano 2026, em linha com o trabalho que tem sido desenvolvido, no sentido de dar continuidade à estratégia ambiental da cidade. O reconhecimento europeu, que surgiu depois da atribuição do título de Capital Verde Europeia 2026, irá dotar a cidade de 600 mil euros destinados a apoiar ações de sustentabilidade para o próximo ano.   

Espaços verdes a 300 metros das casas dos vimaranenses

Desde 2017, através do projeto Guimarães Mais Floresta, já foram plantadas mais de 13 500 árvores em Guimarães. A criação de mais espaços verdes é uma das prioridades do município que quer que cada cidadão tenha um espaço verde até 300 metros da sua residência, aumentando a cobertura arbórea da cidade. Os planos de reflorestação têm sido um dos instrumentos de envolvimento das empresas do município em projetos de sustentabilidade e uma das formas de sensibilização da indústria para a causa ambiental, uma vez que é responsável por cerca de 40% das emissões do município.  

Missão Cidades

A cidade de Guimarães integra a lista das 100 cidades europeias que fazem parte da Missão Cidades Inteligentes e com Impacto Neutro no Clima, da Comissão Europeia. A cidade berço, juntamente com Porto e Lisboa, é uma das representantes portuguesas do grupo restrito de cidades que receberam apoio para liderar a transição para a neutralidade climática na Europa até 2030. A distinção, que surgiu em 2022, foi vista como determinante para a eleição de Guimarães como Capital Verde Europeia 2026.   

Projetos de sustentabilidade implementados por Guimarães 

Transporte de Passageiros Flexível

Desde outubro de 2024, o município de Guimarães, através da empresa municipal Vitrus Ambiente, conta com o Vitrusbus, um serviço público de transporte flexível de passageiros. O serviço funciona a partir de um sistema de reservas onde os utilizadores podem agendar as suas viagens através do número de apoio ao cliente, do website ou da aplicação. As viaturas utilizadas são 100% elétricas e o serviço é gratuito para os utilizadores que têm passe mensal no serviço público regular, seja municipal ou intermunicipal.

RRRCiclo

A iniciativa RRRCICLO – Economia Circular em Guimarães é uma estratégia que promove práticas sustentáveis de redução, reutilização e reciclagem. Entre as medidas implementadas, destaca-se a recolha de resíduos orgânicos, que promove a compostagem doméstica e comunitária. Foi também lançada uma Ecobox, gratuita, para que os consumidores possam levar para casa as sobras da comida em diversos restaurantes. Outras ações incluem a recolha e valorização de resíduos têxteis, a introdução de sistemas para transformar pontas de cigarro e pastilhas elásticas em materiais reaproveitáveis, e a valorização de resíduos verdes provenientes de espaços públicos e privados. 

Bacias de Retenção  

Em 2015, o município de Guimarães recorreu à construção de três bacias de retenção, com a função de regulação do caudal e velocidade das águas da Ribeira de Couros. A intervenção diminuiu a possibilidade de inundações na zona baixa da cidade, sendo que mais de 50 episódios de inundação foram evitados após a construção destas bacias de retenção. A obra privilegiou a preservação e valorização de espaços verdes que se encontram enquadrados na cidade, favorecendo a sustentabilidade e a biodiversidade do sistema natural.  

Ecovias do Ave, Selho e Vizela 

O Laboratório da Paisagem e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em coordenação com a Câmara Municipal de Guimarães e as juntas de freguesia, projetou os traçados das Ecovias do Ave, Selho e do Vizela, numa extensão total de 61 quilómetros, ao longo de 27 freguesias e uniões de freguesias. O projeto já está em andamento, com mais de 7 quilómetros de percursos pedonais e cicláveis finalizados, que pretendem aproximar as pessoas dos rios e vice-versa.


Este artigo foi originalmente publicado na edição n.º 46 da Smart Cities – janeiro/fevereiro/março 2025