Só teremos a nossa missão concluída no Planeta quando tivermos a certeza que todas as crianças do mundo têm as mínimas condições da dignidade humana na suas vivências do dia a dia. Mas nem sempre as cidades do mundo têm sido um porto de abrigo para as crianças. Planear e desenhar cidades, é um exercício de enorme responsabilidade profissional e construção coletiva. As cidades das crianças devem ser confortáveis, seguras, inclusivas e bonitas. E se forem assim, serão desenhadas para todos.
As crianças têm a ideia de que tudo está aos seus pés e que têm a liberdade de fazerem tudo o que querem no espaço público e no edificado. Contudo, à medida que crescem deparam-se exatamente com o contrário. Percebem que não conseguem aceder à cidade como nos seus sonhos, por serem inseguras e inacessíveis, o que lhes retira a liberdade.
Ainda, a descoberta da cidade a partir do outro lado do televisor e da internet fornece imagens, mas não forma personalidades, da mesma forma que, a cidade percorrida através da janela do banco de trás da viatura dos pais, confere hipotética segurança, mas, retira as experiências multissensoriais que a cidade oferece e, que, serão tão úteis no futuro.

Os adultos não têm construído cidades para as crianças poderem brincar e crescer, muitas vezes, porque para eles, adultos, a cidade é turva e nebulosa e tem ausência de escala humana. Confundem risco com perigo, recreio com segregação de espaço, escola com edifício.
Com esta leitura dos pais, a maioria das crianças de hoje, ainda não caminham sozinhas pelas ruas da cidade, nem vão de bicicleta para a escola.
Francesco Tonucci, entre outros cientistas, dedicaram a vida a estudar os comportamentos das crianças e verificaram que todas as que brincaram ao ar livre na infância, tiveram grande sucesso no futuro. Paradoxalmente, alegam que as crianças de hoje não brincam, não correm, não rebolam pela terra, não se sujam no chão das ruas, nem trepam às arvores. Segundo Tonucci, “as crianças devem viver a cidade o mais livremente possível, sem abdicarem do direito a brincar”.
Defendem que brincar no espaço público em criança, significa aumentar a capacidade motora, a autonomia, a autoestima e a sociabilização, características essenciais para a formação de adultos ativos, preparados, capazes de resolverem problemas mais complexos e heterogéneos.
Há 50 anos, as crianças brincavam, jogavam à bola na rua e iam para a escola a pé. Os colegas juntavam-se e socializavam ao longo do percurso. O sedentarismo, a obesidade e o stress são doenças do nosso tempo que vão afetar a saúde pública do futuro. Este é um drama com que já nos confrontamos.
As escolas, através dos seus professores, têm aqui um papel absolutamente essencial nestas futuras gerações. Que a aprendizagem na formação humana e cívica, reforce a literacia associada à vida saudável e amiga do planeta, fazendo parte do portfólio escolar.
Mas não chega! Precisamos que os pais não tenham medo da cidade e deixem as crianças apropriarem-se da rua, criando as suas próprias brincadeiras. Aliás, os pais, se pudessem, deixavam o carro à porta da sala de aula, quando se sabe que os melhores alunos são aqueles que não fazem o trajeto diário de carro, pela importância do estímulo da viagem pela cidade.
Ainda, as crianças não têm espaço para a indisciplina. Aliás, o seu grave problema é o excesso de disciplina da escola, dos pais e da cidade, que as deixa incapazes de inventar, imaginar e criar. E precisamos de crianças construtoras das cidades.
Pontevedra criou os caminhos das escolas, percursos seguros e estimulantes, para as crianças irem para a escola a pé. Na Suécia, os parques infantis voltam a ter o piso em terra. Em Paris, desde janeiro, todas as ruas das escolas deixaram de ter trânsito, para que as crianças possam andar a pé alguns metros. De resto, são inúmeros os municípios em Portugal que acabam de planear a mobilidade escolar para este propósito.
Recordo, que hoje, os reclusos têm duas horas por dia ao ar livre, enquanto as nossas crianças têm, em média, apenas uma hora! Sou levada a concluir que os prisioneiros da cidade são as crianças que estamos a criar!
Pergunto, vamos continuar a desenhar cidades asséticas nos traçados, praças e caminhos incapazes de permitirem que os avós possam ir buscar os netos à escola? Precisamos de jardins, árvores, passeios seguros e cidades bonitas.
Para tal, precisam-se de políticas públicas determinadas para o redesenho das cidades, tornando-as mais funcionais, bonitas e confortáveis, com passeios maiores, passadeiras seguras, iluminação bastante e jardins acolhedores para as crianças voltarem a viver a sua rua a sua cidade.
A cidade das crianças quer-se sorridente e afável, criativa e imaginativa, desperta e curiosa. A cidade das crianças quer-se observadora e colorida, verde e luminosa, menina e irreverente.
Este artigo foi originalmente publicado na edição n.º 44 da Smart Cities – julho/agosto/setembro 2024, aqui com as devidas adaptações.
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As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.