Nas últimas décadas, a introdução de novas tecnologias digitais na gestão das cidades e no ambiente urbano trouxe uma panóplia de novas oportunidades para os governos locais. Por todo o mundo, a aplicação destas soluções acontece com objectivos diferentes e a ritmos variados, mas é unânime dizer que a transição digital é um caminho que todas as cidades terão de percorrer.
Estamos ainda numa fase inicial. Isto pode soar estranho, porque vemos tanta coisa a acontecer – tanta conectividade, a chegada do 5G, tantos pilotos e tantos esforços para as smart cities – que dá a sensação de que estamos muito avançados, mas não. Estamos apenas a começar a abraçar aquilo a que chamo o paradigma de rede, em que organizamos as cidades com base em novos princípios de design, nos quais as coisas estão conectadas em rede, em vez de o fazermos de forma centralizada, como aconteceu desde a era industrial até há muito pouco tempo. A Covid-19 acabou por ser um grande acelerador desta mudança.
Começámos [este caminho] com uma agenda tecnológica, o que fez sentido uma vez que estas tecnologias eram novas, e isso foi, afinal, o que nos motivou a encontrar uma série de eficiências para a antiga “ordem mundial”.
Agora, estamos a começar a abraçar este novo paradigma, que nos permite usar a tecnologia para outro propósito. Começámos a perguntar-nos qual é o verdadeiro impacto destas tecnologias nos nossos cidadãos – o que significa, por exemplo, para a educação, para a prestação de cuidados de saúde, para a forma como trabalhamos e até onde e quando o fazemos. E esta é uma perspectiva muito mais interessante do que olhar apenas para sensores.
Compreender que o velho mundo centralizado está de saída e que temos de fazer as coisas de forma distribuída e em rede vai ser também essencial se queremos resolver o desafio das alterações climáticas. Apenas tornar as coisas “menos más” não vai salvar a Humanidade, mas abraçar este novo paradigma de rede é um passo muito importante e que está já a acontecer.
“Não pode haver um Pacto Ecológico sem um Novo Pacto Digital. Temos de nos posicionar e abraçar os novos paradigmas gerados pelo mundo digital, de modo a sermos eficazes a lidar com estes desafios [climáticos] e isto aplica-se tipicamente às nossas cidades.”
A Comissão Europeia destaca a importância de um Pacto Ecológico [Green Deal] para a Europa e para o combate à crise climática. Eu diria que não pode haver um Pacto Ecológico sem um Novo Pacto Digital [New Digital Deal]. Temos de nos posicionar e abraçar os novos paradigmas gerados pelo mundo digital, de modo a sermos eficazes a lidar com estes desafios e isto aplica-se tipicamente às nossas cidades, onde está a maior parte da população e onde se emitem mais gases com efeitos de estufa. As cidades são onde tudo acontece e, por isso, estas devem abraçar o digital e este novo paradigma de rede, que está já a desenrolar-se.
Quando falamos de smart cities, temos de ter a noção de que é algo que nunca vamos alcançar. A cidade inteligente é como um fantasma, o pote de ouro no final do arco-íris. É um conceito que vai variando à medida que as tecnologias evoluem: há 20 anos, era sobre banda larga; há oito, sobre a Internet of Things; em breve, será sobre inteligência artificial, veículos autónomos ou redes de energia inteligentes. É algo que vai estar sempre algures à nossa frente, tal como o pote de ouro.
Por isso, é mais importante pensar em termos desta nova revolução industrial, que funciona, e do papel que o digital tem nas nossas cidades do que pensar numa cidade que está associada a sensores, videovigilância, etc. Se continuarmos a falar de iluminação inteligente e de automação na recolha de resíduos, [o debate] vai tornar-se muito aborrecido.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.