Quase dois terços dos participantes num estudo sobre pobreza energética em Lisboa (63,2%) dizem sentir frio em casa no inverno, pelo menos algumas vezes, e mais de metade (56,5%) afirma ter calor nas habitações durante o verão. Os números fazem parte do inquérito realizado pela Lisboa E-Nova (Agência de Energia e Ambiente de Lisboa) em três momentos distintos ao longo dos anos de 2022 e 2023. O trabalho indica ainda que cerca de um quarto dos inquiridos (26,7%) revela passar muitas vezes por desconforto térmico em ambas as estações.

O fraco isolamento das portas e janelas, a presença de humidade e bolores e, no caso do verão, a dificuldade em ventilar a casa, são alguns dos problemas mais referidos pelos lisboetas. A estes, o estudo acrescenta várias razões estruturais, como a relação entre a época de construção das habitações e o desconforto térmico, que afeta sobretudo as casas mais antigas (anteriores a 1960). Outro fator importante é o nível financeiro dos moradores, já que “o desconforto térmico em ambas as sazonalidades foi mais frequente entre os participantes sem capacidade financeira para aquecer ou arrefecer a casa, em habitações de agregados familiares que referem estar em situações financeiras mais difíceis e que tiveram de se atrasar no pagamento nas faturas de energia por serem demasiado elevadas”, escreve o sumário do estudo. Por exemplo, mais de um quinto dos participantes (22%) relata não ter capacidade financeira para manter a casa a uma temperatura confortável durante os meses de inverno.

Durante a apresentação do inquérito, Osvaldo Santos, investigador do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e um dos autores do trabalho, lembrou, igualmente, “que toda a pobreza é indissociável de estados de saúde mais problemáticos e, no caso da pobreza energética, a dificuldade de mantermos o conforto térmico dentro de casa, via dificuldade financeira, promove ainda mais os problemas de saúde”. Apesar disso, aproximadamente um terço das pessoas inquiridas (31,5%) considera que o calor não afeta em nada a saúde, número que baixa para os 23% no caso do frio. Simultaneamente, mais de metade dos acredita ter pior qualidade de sono por causa do calor durante o verão.

O especialista da Faculdade de Medicina acrescentou ainda a importância de reforçar a literacia energética entre os lisboetas, sublinhando que cerca de 30% a 40% das pessoas inquiridas nunca ouviu falar em programas de apoio à melhoria da eficiência energética habitacional, enquanto quase 43% desconhece se a sua habitação tem ou não classe energética atribuída.

Por sua vez, Ana Horta, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, defendeu que “as mulheres são mais vulneráveis”, desde logo “a respeito da sua situação financeira, mas também da capacidade de aquecer a casa”. Além disso, “são as mulheres que relatam ter mais problemas na habitação e que mais se queixam relativamente à perceção do conforto térmico, com diferenças significativas comparando com os homens”, acrescentou, lembrando ainda que esta vulnerabilidade também atinge as pessoas com escolaridades mais baixas.

Estratégias para combater o frio e o calor

Durante o verão, a maioria dos lisboetas fecha os estores quando há mais luminosidade (69%) e procura criar correntes de ar, mantendo as janelas e as portas abertas (68%). Um número menor de participantes (58,9%) diz utilizar equipamentos de arrefecimento ou de ventilação e um terço dos inquiridos também afirma ter ar condicionado em casa, embora apenas 13,1% o ligue sempre que precisa. Razões financeiras estão na origem desta menor utilização em 58,5% das pessoas.

Já para aquecer os dias frios, as soluções mais utilizadas passam por vestir e calçar roupa mais quente (85,5%), reforçar a roupa da cama com mais mantas ou edredões (79,5%) e utilizar equipamentos de aquecimento (74,7%). Entre os que recorrem a eles, 95,3% dizem utilizar algum tipo de aquecedores elétricos de baixa eficiência, como as resistências elétricas ou os radiadores a óleo. O aquecimento central foi referido por apenas 6,7% dos participantes.

Também a Câmara Municipal de Lisboa diz ter uma estratégia de combate à pobreza energética e ao desconforto térmico na cidade. Presente na apresentação do estudo, a vereadora da habitação, Filipa Roseta, revelou que a autarquia está a trabalhar em três frentes principais: a reabilitação do parque habitacional, a construção de novas casas municipais e a transformação do Bairro da Boavista num eco-bairro, o “Orange”, cujos edifícios têm uma classificação energética A+.

O lançamento da sessão ficou a cargo de Miguel Castro Neto, presidente do conselho de administração da Lisboa E-Nova, para quem “há uma população muito significativa que é negativamente impactada, quer pelo frio no inverno, quer pelo calor no verão, o que acaba por ter repercussões na saúde, no conforto e no quotidiano”. Para o responsável da agência, “parte destes problemas decorrem das necessidades energéticas que [as pessoas] têm para contrariar o calor e o frio, mas outra parte importante decorre de problemas no edificado”.

 

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