Mondo Cane, no Pavilhão da Bélgica. | Fotografia de Agata Wiórko
Qualquer percurso pela Bienal de Veneza – seja de pavilhão em pavilhão, seja ao atravessar a exposição principal nos Giardini e no Arsenale – faz tanto mais sentido quanto mais soubermos relacionar pequenas e grandes narrativas, tendências culturais e acontecimentos praticamente invisíveis. Sendo este equilíbrio o objectivo desta breve ‘visita guiada’, convido os leitores a estabelecer relações produtivas entre coisas que, à partida, poderiam parecer distantes; seja a Bienal essa montra de ideias e prácticas projectuais que, pelo mediatismo e investimento, vale sempre a pena conferir. Até 24 de Novembro.
PARTE II
O Chile nunca ‘brinca em serviço’ e consegue sempre surpreender pelo rigor colocado na produção dos seus pavilhões. A artista é Voluspa Jarpa, que reflecte de forma absolutamente coerente – mas também emotiva – sobre um ‘velho’ problema da civilização ocidental: a hegemonia do homem branco.
O pavilhão funciona como um museu intensamente interactivo em que somos levados, de perplexidade em perplexidade, a desmontar – de uma vez por todas? – a visão Eurocêntrica do mundo. Dois momentos são extraordinários: a “The Subaltern Portrait Gallery” com pinturas dedicadas a indivíduos que encarnam o arquétipo do oprimido (preciosamente ‘apagados’ da primeira sala para agora melhor dar a ver a violência que sofreram); e o vídeo “The Emancipating Opera” em que somos redentoramente embalados por um coro de vozes da “subalternidade”.
O Chile apresenta poderosos retratos da subalternidade. | Fotografia de Agata Wiórko
A Bélgica é outro país que investe na Bienal de forma consistente. E este ano sim, ‘brincam à séria’. Numa espécie de Museu Folclórico dedicado à figura humana, o espaço conquista-nos pela atmosfera clínica, silenciosa, que imediatamente percepcionamos como desfasada do nosso tempo. Que estão ali a fazer aqueles bonecos representando ofícios datados, vários deles atrás de grades ou simplesmente confinados detrás de um cordão museológico? O melhor – o pior – está para vir: uma a uma, pausadamente, cada figura anima-se, mecanicamente. E encontramo-nos num estranho universo em que o humor anda de mão dada com a crueldade. Claro que uma das leituras é a de que este tipo de obra interpreta psicanaliticamente o estádio a que isto está a chegar. Estaremos a viver tempos em que as sociedades regridem para um tempo de involução social, de medo e autismo? Mondo Cane.