O especialista em resíduos e sustentabilidade Michael Groves passou por Portugal para falar sobre o uso de novas tecnologias na recolha e gestão de resíduos urbanos e até que ponto estas permitem tornar o setor mais transparente e eficiente.
Depois de participar no 6.º Encontro Nacional de Limpeza Urbana (ENLU), realizado no Funchal, o fundador da empresa britânica Resordinate falou com a Smart Cities sobre os principais desafios do setor e, entre alguns reparos, disse acreditar que iremos ver as cidades e os municípios a adotar mais tecnologia para a recolha, transporte e triagem de resíduos.
Tem mais de 20 anos de experiência em gestão ambiental, resíduos e sustentabilidade. O que mudou nestas duas décadas e quais os desafios que o setor enfrentará no futuro?
As principais mudanças são o reconhecimento das alterações climáticas e das emissões de carbono como um desafio fundamental. Isto deu origem a novas políticas, regulamentação, investimentos e ações empresariais, embora também tenha conduzido a uma mudança de atitude em relação à sustentabilidade ambiental e social. Mas será que as atitudes mudaram o suficiente e que estamos realmente a reconhecer a dimensão do desafio e da oportunidade? Isso já é discutível. No que diz respeito à minha área de especialização, a dos resíduos, materiais e circularidade, houve certamente progressos significativos, mas, mais uma vez, o tipo de mudança no sistema ainda não é evidente. Em termos de futuro, o principal desafio é incorporar e acelerar os investimentos, a inovação tecnológica, as políticas e a mudança de comportamentos para efetuar as adaptações necessárias, de modo a podermos funcionar com um novo paradigma climático e num mundo com recursos limitados.
Estamos a desperdiçar grandes oportunidades para tratar os resíduos como um recurso valioso?
Sim. Penso que ainda existem grandes oportunidades para redesenhar os sistemas de produção e de embalagem, de modo a permitir a reutilização, a refabricação e a reciclagem. Não creio que consigamos eliminar todos os resíduos do sistema económico, mas podemos ir muito mais longe do que estamos agora. Relativamente aos resíduos – sejam eles industriais, comerciais, urbanos ou domésticos – se pudéssemos normalizar as definições de materiais e os meios de medição em toda a indústria global de resíduos, poderíamos percorrer um longo caminho para impulsionar uma maior recuperação de recursos. Se este tipo de estandardização é predominante em muitas indústrias, por exemplo, aeroespacial, automóvel, etc., por que não na indústria dos resíduos? Para isso, é necessária a colaboração dos produtores de resíduos, transportadores, transformadores, governos, cidades e outras partes interessadas.
Porque é que a indústria dos resíduos demorou tanto tempo a acompanhar os avanços tecnológicos?
Na minha opinião, a indústria dos resíduos é tradicional por natureza e tem sido lenta a adotar inovações. Em parte, isso reflete a natureza e a complexidade dos materiais e o sistema de incentivos financeiros. Por exemplo, porquê reciclar quando se pode ganhar dinheiro com a deposição em aterro ou com os combustíveis derivados de resíduos? É evidente que estamos a assistir à utilização de sistemas de sensores para medir a carga dos caixotes do lixo, de sistemas digitais de devolução de depósitos e de visão computacional para acompanhar as embalagens através das instalações de recuperação de materiais. Isto é apresentado como um progresso tecnológico, mas o meu receio é que este tipo de tecnologia esteja apenas a fazer com que o paradigma dos resíduos funcione um pouco melhor. Não altera fundamentalmente o sistema, que é aquilo de que precisamos. A redução de resíduos e a “verdadeira” responsabilidade do produtor têm de ser mais amplamente adotadas do lado da oferta. Simultaneamente, se passarmos a um sistema global de fixação de preços do carbono, isso poderá alterar a dinâmica dos custos/preços no setor dos resíduos, o que, por sua vez, poderá financiar novos modelos de negócio e inovações para mudar radicalmente a dinâmica dos resíduos para melhor
Como é que a tecnologia pode ajudar a aumentar a eficiência e a transparência no setor dos resíduos e da limpeza urbana? Pode dar-nos alguns exemplos?
Como referi antes, os sistemas de sensores de contentores, o planeamento de rotas aliado a sistemas avançados de triagem podem tornar o sistema de recolha e processamento mais eficiente. As mudanças fundamentais no paradigma dos resíduos virão através de outras soluções tecnológicas, por exemplo, novos materiais para produtos e embalagens, novos processos de produção e cadeias de abastecimento em torno da reutilização e da refabricação, sistemas de captura de materiais/componentes utilizados em edifícios e infraestruturas que permitam a sua recuperação, técnicas modulares de construção e fabrico que também permitam a reutilização, novos sistemas financeiros que englobem o custo ambiental total e/ou o valor do carbono.
Esteve em Portugal para o Encontro Nacional de Limpeza Urbana, realizado na Madeira. Com que impressão ficou do trabalho realizado pelo nosso país neste setor e como poderemos melhorar?
Fiquei muito impressionado com a forma como as cidades e os municípios portugueses estão a adotar a tecnologia para melhorar a recuperação de recursos e melhorar os ambientes urbanos. Também me interessou ouvir falar dos desafios e oportunidades para interagir com os visitantes, por exemplo, e da necessidade premente de colaboração entre todas as áreas e níveis de governo, bem como do setor privado. Dado que Portugal é um dos principais centros de inovação tecnológica em todos os sectores, o país está bem posicionado para construir uma infraestrutura digital à escala nacional para a produção, circulação e utilização de resíduos. Isto implicaria a normalização dos dados, um nível de partilha de dados e a colaboração entre os produtores de resíduos, os municípios, o setor dos resíduos e o governo nacional. Este “gémeo digital” é tecnicamente possível e os benefícios em termos de resultados para os materiais, a criação de emprego e a redução das emissões de carbono seriam significativos. Um mapa dos fluxos de materiais a nível nacional seria também seria muito interessante!
Quais são as suas previsões para a tecnologia de resíduos em 2025?
Penso que veremos cidades e municípios a adotar mais tecnologia para a recolha, transporte e triagem de resíduos. Começarão também a utilizar e a analisar corretamente os dados que estes sistemas geram. Também vejo as grandes empresas a analisarem de novo os dados sobre o seu próprio fluxo de resíduos, a fim de cumprirem requisitos mais rigorosos de comunicação e garantia, por exemplo, a Diretiva para a Comunicação de Informação sobre a Sustentabilidade. Isto implicará também o envolvimento do sector da gestão de resíduos. Espero que o relatório Circularity Gap de 2025 mostre um aumento do nível de circularidade na economia global. Mas vamos ver!
Fotografia de destaque: © Associação Limpeza Urbana