Como parte do Pacto Ecológico Europeu, a Comissão Europeia definiu a meta ambiciosa de tornar a Europa no primeiro continente a alcançar a neutralidade climática em 2050. A vontade de aumentar o desempenho energético e a sustentabilidade dos edifícios foi colocada no centro deste Pacto, através do lançamento da iniciativa Renovation Wave.
Apesar da pandemia de Covid-19, ou até à luz desta – já que as pessoas passam mais tempo em casa para limitar o risco de contágio –, a eficiência energética dos edifícios mantém-se uma prioridade na agenda política europeia. Para melhor compreender porquê e explorar as perspectivas da importância de tornar os edifícios mais sustentáveis, ao nível da cidade, falámos com Andreas Jaeger, responsável de Built Infrastructure & Sustainable Energy do ICLEI – Local Governments for Sustainability, uma rede global com mais de 1750 governos locais e regionais comprometidos com o desenvolvimento urbano sustentável. O especialista analisa como a descarbonização e a melhoria da eficiência energética dos edifícios se tornaram uma prioridade política central e explica como o ICLEI pode apoiar as cidades a enveredar por caminhos de transformação ambiciosos.
A Europa enfrentou um choque sem precedentes em 2020 em resultado da pandemia de Covid-19. Tendo como pano de fundo a perda humana e uma crise social económica profunda, porque o tópico da eficiência energética nos edifícios continua a ser uma prioridade política?
De facto, 2020 tem sido verdadeiramente desafiador e ainda estamos para ver como a pandemia se vai desenrolar completamente. Os impactos negativos ao nível individual e as repercussões que afectam as nossas comunidades e economias tornam difícil ver alguma esperança na situação desafiante em que nós encontramos.
No ICLEI, estamos determinados a ver as oportunidades na crise, assim como a possibilidade imperdível de introduzir abordagens transformativas para redesenhar as comunidades e torná-las mais sustentáveis no futuro. A pandemia lembrou-nos das nossas interdependências, dentro e entre comunidades, assim como em relação ao nosso ambiente natural. Estas interrelações pedem soluções integradas, nas quais o ICLEI está a trabalhar e a implementar no terreno através da promoção do desenvolvimento com base em cinco ideias chave para a transição: de baixas emissões, de base natural, equitativo, circular e resiliente, pensado para criar uma mudança sistêmica.
A pandemia ajudou-nos a reconhecer mais claramente a centralidade das nossas casas no bem-estar, saúde e sustentabilidade das nossas vidas. Ao mesmo tempo, a resposta à pandemia na Europa também nos mostrou que, quando pressionados, a sociedade e os decisores políticos podem responder com urgência e coerência. Essa vontade política tem agora de ser aproveitada para enfrentar a luta contra a crise climática e os edifícios, que, de acordo com a Comissão Europeia, são responsáveis por aproximadamente 40% do consumo energético e 36% das emissões de CO2, representam um sector chave e no qual os esforços devem ser reforçados. Isto, sem esquecer de que entre 50 e 125 milhões de pessoas na Europa são afectadas pela pobreza energética, sendo, por isso, necessária habitação acessível e de qualidade que garanta segurança e conforto.
Referiu os impactos económicos da pandemia. Como é que as cidades podem aumentar os seus esforços enquanto se deparam com cortes nos orçamentos, em resultado de uma grande queda nas receitas fiscais, e perante outras prioridades indiscutivelmente mais urgentes?
Os danos económicos que a Europa sofreu estão apenas a revelar-se para nós, já que só conseguiremos ver alguns deles daqui a uns meses. Em Abril de 2020, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Europeu de Investimento previram que a actividade económica na Europa cairia 7,1% este ano, com uma subida para 4.8% em 2021, ao mesmo tempo que se espera que os níveis de dívida pública superem aqueles observados na crise financeira de 2008-09. Uma vez que o continente enfrentou uma segunda vaga, o impacto pode ser bem mais grave do que isso.
As nossas vilas e cidades estão, com certeza, a sentir os impactos no orçamento, e as entidades regionais e nacionais começam em intervir para amortecer os impactos. Muitos Estados-Membros reconhecem que a indústria da construção desempenhou um papel importante na estabilização das nossas economias durante a pandemia e que o sector será uma peça importante no processo de recuperação.
No que toca às medidas de eficiência energética nos edifícios, algumas instituições de financiamento nacional já aumentaram os subsídios existentes para melhorias e estão agora a desenvolver novos mecanismos de apoio. Ao nível municipal, não só o estímulo da actividade económica está a ser reconhecido, como o sector dos edifícios e da reabilitação são vistos como uma oportunidade para criar empregos de qualidade locais, aumentar a segurança energética, reduzir a pobreza energética e melhorar a qualidade de vida e saúde dos cidadãos. De forma geral, pode dizer-se que os benefícios económicos, sociais e ambientais são bem compreendidos a todos os níveis.
À medida que o papel do sector dos edifícios é reconhecido como importante para a recuperação económica e que os governos locais, regionais e nacionais começam a tomar medidas, de que forma a União Europeia (UE) apoia estas acções?
A UE tem vindo a apoiar os esforços para melhorar a sustentabilidade do parque edificado desde há décadas. Não só financiando projectos europeus, mas também aumentando os níveis de ambição através de directivas cruciais que devem ser transpostas pelos Estados-Membros para a lei nacional, tal como a Directiva para o Desempenho Energético dos Edifícios, a Directiva para Eficiência Energética e o Regulamento para a Governação da União da Energia e da Acção Climática. Para amortecer o choque socioeconómico da pandemia e garantir uma recuperação sustentável, coesa, inclusiva e justa, a UE acordou a definição do instrumento de recuperação NextGeneration EU, que disponibiliza aos Estados-Membros 750 mil milhões de euros em subvenções e empréstimos.
Olhando para o futuro imediato, o Pacto para o Clima, que procura catalisar um envolvimento alargado da sociedade na acção para o clima e ambiente, está prestes a começar. O Pacto, que coloca ênfase considerável na sustentabilidade dos edifícios, vai procurar amplificar os esforços actuais, incubar novas abordagens e oferecer aos cidadãos, comunidades e organizações oportunidades para a troca, aprendizagem, co-criação e colaboração.
Em Outubro, foi lançada a iniciativa Renovation Wave como parte do Pacto Ecológico Europeu. O objectivo é, pelo menos, duplicar as taxas actuais de renovação dos edifícios nos próximos dez anos. A iniciativa pretende reduzir significativamente as emissões de gases com efeito de estufa atribuídas ao parque edificado europeu, criar novos postos de trabalho, ajudar a recuperação económica e melhorar a reutilização e reciclagem de materiais. Neste sentido, a Renovation Wave vai focar-se, em particular, na descarbonização do aquecimento e arrefecimento, na luta contra a pobreza energética e na renovação dos edifícios públicos. Acredito que essa iniciativa da Comissão vai trazer impactos positivos substanciais, ao direccionar e concretizar as ambições municipais para a neutralidade climática por toda a Europa.
“As nossas vilas e cidades estão, com certeza, a sentir os impactos no orçamento, e as entidades regionais e nacionais começam em intervir para amortecer os impactos. Muitos Estados-Membros reconhecem que a indústria da construção desempenhou um papel importante na estabilização das nossas economias durante a pandemia e que o sector será uma peça importante no processo de recuperação.”
O ICLEI, enquanto rede de governos locais, defende as cidades ao nível internacional e oferece aos seus membros a oportunidade de intercâmbio, parcerias e capacitação. De que forma a rede está influenciar as políticas de sustentabilidade e a direccionar a acção local no que toca aos edifícios?
O ICLEI está envolvido em iniciativas internacionais tais como a Global Alliance for Buildings and Construction (GlobalABC), que trabalha para alcançar um sector dos edifícios e construção de zero emissões, eficiente e resiliente. Para além disso, temos estado envolvidos em inúmeros projectos europeus que tornam o nosso ambiente construído mais sustentável, incluindo no que se refere à eficiência energética, integração de sistemas de energia renovável e optimização de custos, na protecção da nossa herança cultural e na luta contra a pobreza energética.
Neste contexto, procuramos envolver os nossos membros, permitindo que eles desenvolvam abordagens inovadoras para tornar os seus parques edificados mais sustentáveis. As lições aprendidas com estes projectos também são usadas no desenvolvimento de produtos e ferramentas de conhecimento para apoiar as cidades a implementar acções de transição para a sustentabilidade. Os actuais projectos do Horizonte 2020 nos quais estamos envolvidos, por exemplo, incluem o TripleA-reno, que procura desenvolver uma plataforma de gamificação que facilite o processo de reabilitação profunda para o utilizador, assim como Sav€ the Homes, que acabou de ser lançado e que vai criar “Citizen Hubs”, inspirados no conceito one-stop-shop, que torna os processos de reabilitação das casas mais fáceis, rápidos e mais acessíveis para os proprietários. O ICLEI está envolvido em projectos técnicos, como o EXCESS, que lidera quatro acções de demonstração de soluções que permitem aos edifícios produzir mais energia de origem renovável do que a que consomem no período de um ano.
Por fim, mas não menos importante, o ICLEI promove e facilita o intercâmbio e a discussão sobre a temática dos edifícios no âmbito do Pacto dos Autarcas Europeus para o Clima e Energia, que está a definir uma plataforma na qual os stakeholders possam debater e partilhar soluções de inovação impactantes para os governos locais alavancarem a renovação de edifícios. Tal irá servir para explorar como os governos locais podem ser mais envolvidos na Renovation Wave, criar oportunidades para a partilha de boas práticas relacionadas com a integração vertical de metas ambiciosas para a eficiência energética, e melhorar a qualidade e acessibilidade dos dados referentes ao parque edificado europeu, de modo a permitir a formulação de políticas com base comprovada (por exemplo, a plataforma BuiltHub e MATRYCS).
A publicação deste artigo faz parte de uma parceria entre a Smart Cities e o ICLEI – Local Governments for Sustainability, e foi originalmente publicado na edição de Outubro/Novembro/Dezembro de 2020 da Smart Cities. Disponível em inglês.