É oficial: a grande maioria das pessoas está farta da quarentena, do confinamento, do distanciamento, e desejosa de poder retomar a sua vida o mais breve possível. Nalguns países, as medidas de contenção mais severas começam a ser aliviadas e isso aumenta a expectativa sobre quando será a vez do nosso país.

Como sabem, sou psicóloga, o meu conhecimento de epidemiologia e virologia não me permite grandes aventuras opinativas sobre o que nos espera em termos do comportamento do SARS-COV2, das cadeias de contaminação, das intervenções clínicas mais adequadas e afins. A minha especialidade é outra e trata de perceber o impacto imediato e continuado desta situação nos processos psicológicos das pessoas. Creio que, até aqui, já terão percebido que esta ansiedade é natural e proporcional à situação – sim, o receio faz parte, e, sim, a ambivalência é expectável.

Existe outra parte menos óbvia que gostaria hoje de partilhar convosco e que nos remete para a natureza humana de como lidamos com o autocontrolo.

Nos anos 1970, Stanford era lar privilegiado de grandes descobertas psicológicas. Uma das séries de experiências mais famosas ficou conhecida como as experiências dos marshmallows. Basicamente, consistia em dar duas opções aos participantes (crianças do pré-escolar): uma recompensa imediata, mas pequena (uma guloseima à sua escolha), ou uma recompensa maior (duas guloseimas), mas dada mais tarde (isto é, a criança teria de ser capaz de lidar com a frustração do adiamento da gratificação).

Várias conclusões e desafios se tiraram deste estudo e subsequentes variantes, mas o que nos interessa aqui focar é a importância do adiamento da gratificação e da relevância das estratégias de cada um dos participantes para se distrair da recompensa desejada enquanto esta não chegava. Quanto mais as estratégias se distanciavam do prémio, mais fácil se tornava o adiamento da gratificação.

Desde então, a ciência psicológica tem aprimorado a compreensão de como o autocontrolo é também uma questão de capacidade de gestão da frustração. Ainda assim, o autocontrolo não é uma variável imutável e estanque, estando dependente de vários factores, como o tempo durante o qual tem de ser exercido.

“O nosso autocontrolo, em termos de distanciamento físico, está a ser testado duramente e ameaça ficar fragilizado de dia para dia. Portanto, quando as medidas de contenção começarem a ser aliviadas, teremos de ser duplamente persistentes para não adoptar um regime de interacção social ainda mais intensificado do que havia anteriormente, o que pode aumentar desnecessariamente o risco de contágio.”

Tipicamente, quando o dia começa, somos bem mais capazes de controlar o nosso comportamento. No entanto, à medida que as horas passam, o nosso orçamento de controlo vai esgotando-se ao encontrar pequenas situações desafiantes. Assim, ao longo do dia, este autocontrolo vai diminuindo, fenómeno sobejamente conhecido pela maioria das pessoas que tenha feito dieta ou aderido a uma qualquer modificação comportamental mais exigente. E quem diz ao longo do dia diz também ao longo dos dias, e é por isso que estamos já tão saturados de nos controlarmos em termos sociais e relacionais.

Adicionalmente, a diferença entre o que é comportamento aceitável e não aceitável vai esbatendo-se também, o que acaba por resultar num fenómeno popularmente conhecido como “perdido por cem, perdido por mil” e abrindo a porta a um abrandamento ou suspensão do autocontrolo.

Esta questão é também importante porque sabemos que o nosso autocontrolo, em termos de distanciamento físico, está a ser testado duramente e ameaça ficar fragilizado de dia para dia. Portanto, quando as medidas de contenção começarem a ser aliviadas, teremos de ser duplamente persistentes para não adoptar um regime de interacção social ainda mais intensificado do que havia anteriormente, o que pode aumentar desnecessariamente o risco de contágio.

Vai ser difícil. Vai ser desafiante. Mas, agora que sabemos com o que lidamos, poderemos estar mais alerta para lidar com as situações tentadoras que surgirem.

Para terminar, resta reforçar a ideia de que, nesta altura, é natural que haja momentos mais complicados e mais vulneráveis. Procure ajuda, se for caso disso. Conecte-se com a sua rede de contactos ou, em situações mais complexas, recorra a apoio profissional.

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.