O encerramento da refinaria de Matosinhos serviu de ponto de partida para uma reflexão sobre sustentabilidade e a transição para a energia verde. “O Fecho de uma Refinaria” é o primeiro filme documental do realizador português Vasco Monteiro, que utiliza o ChatGPT para embarcar numa análise sobre a crise climática e o futuro da humanidade. 

O cineasta e argumentista Vasco Monteiro dedicou grande parte da carreira à criação de narrativas no domínio da ficção. Na sequência do encerramento da refinaria de Matosinhos, decidiu embarcar na primeira abordagem documental com uma produção de autoria repartida com a inteligência artificial.   

A curta-metragem faz parte da programação do Festival Internacional de Cinema Ambiental CineEco, que decorre de 10 a 18 de outubro em Seia, na Serra da Estrela. A Smart Cities esteve à conversa com o realizador, a pouco mais de uma semana do arranque do festival.

De que forma é que a inteligência artificial foi utilizada no filme ?

O filme está estruturado a partir de uma entrevista ao ChatGPT, que funciona como um oráculo que nos conta o que é a fábrica, o que poderá vir a ser e o que é que representa. É um oráculo com muitos defeitos e isso é muito visível para quem está a ver o filme. Não quis esconder isso, até pelo contrário, quis realçar esse lado de artificialidade. 

Aquilo que eu quis fazer foi retirar a carga política do discurso e mostrá-lo de uma forma mais crua, para obrigar à reflexão e menos à tomada de posição. Aquilo que o ChatGPT me permitiu foi criar essa distanciação em relação ao que está a ser dito e colocarmo-nos a nós, enquanto humanidade, sem vínculos políticos. Acho que me trouxe uma ironia para o filme que me permitiu desconstruir este lugar comum. 

Porque é que decidiste abordar o tema do encerramento da refinaria de Matosinhos ?

Em primeiro lugar, este projecto surgiu em contexto académico, é um filme de mestrado. Já queria trabalhar com a refinaria porque atraiu-me a questão estética do próprio edifício. Achava que a estrutura visualmente já transmitia algo. A mim remete-me para catedrais modernas da indústria. Este tipo de chaminés fazem-me lembrar esse tipo de estrutura.

Depois, houve um momento de transição da própria refinaria, que tinha acabado de ser encerrada há menos de um ano. Havia um bocado essa questão do que fazer com com os terrenos e ainda havia alguma contestação sobre o próprio fecho, que também me atraiu. Achei que era uma boa porta de entrada para poder falar de alguns temas que me interessavam, nomeadamente do antropoceno, do momento em que vivemos enquanto sociedade. Achei que a refinaria era a oportunidade para poder falar sobre esse tema. 

Tens alguma ligação afectiva a este espaço?

Não, sou de Lisboa e mudei-me para o Porto há três, quatro anos. Ao passar a primeira vez aqui fiquei logo curioso. Fiquei fascinado por isto, por esta estrutura industrial, já obsoleta, plantada ao lado da praia.

Realizador Vasco Monteiro

O que é que descobriste com a produção deste filme?

Descobri que as pessoas são adaptáveis. Mesmo estando aqui uma fábrica, as pessoas continuam a fazer a vida normal. Estamos aqui perto de um sítio onde as pessoas têm hortinhas, onde plantam batatas, couves, que depois vão comer em casa, paredes meias com uma refinaria com terrenos contaminados. Portanto, as pessoas vão fazendo a sua vida de acordo com o entorno onde estão. O facto de estarem ao lado de uma refinaria não as limita. No filme abordo este tema, que é o facto de estarmos num tempo de transição. Acho que é uma transição que exige algum reposicionamento ético, filosófico e mesmo a nível de estrutura de sociedade. Obriga-nos a repensar o nosso lugar no mundo.

A temática da sustentabilidade já te despertava interesse?

Mais do que a sustentabilidade, era o tema do antropoceno que me interessava.Tenho vindo a pensar nisso já há bastante tempo porque acho que é inevitável pensar nessas questões. Sim, já queria abordar esse tema e acho que ter aqui a refinaria neste contexto particular me deu oportunidade para poder abordar essa questão. Acabei por entrar na questão da sustentabilidade porque estava muito presente em toda a discussão em torno da refinaria.

Este é um filme de um só homem?

Sim, mas com uma exceção. É um “one man show”, mas com uma máquina. Digo que é um filme meu com ChatGPT e quero assumir mesmo esse rótulo porque é uma parte importante do filme e tem um lado irónico. É um protagonismo repartido entre uma pessoa e uma máquina. 

Digo que é um filme meu com ChatGPT e quero assumir mesmo esse rótulo porque é uma parte importante do filme. É um protagonismo repartido entre uma pessoa e uma máquina.

A inclusão do ChatGPT quase como personagem serve também de reflexão sobre o mundo atual e a inclusão da tecnologia na resolução de problemas?

Sim, existe esse lado transmitido pelo ChatGPT que é a dependência das soluções tecnológicas para resolver tudo e mais alguma coisa, neste caso as questões ambientais. Por vezes, colocamos muita expectativa em soluções tecnológicas que por si só não chegam. O ChatGPT tem esse lado de fascínio, por um lado, que parece que vai dar soluções para tudo, mas por outro lado, é catastrófico e distópico. A certa altura começo a puxar pelo ChatGPT para imaginar futuros possíveis. Aí entro numa lógica um pouco mais ficcional, em que é uma máquina que está a imaginar o futuro, dissociado da sociedade humana.

Este é o teu primeiro documentário. Ficas agora com mais vontade de apostar no cinema documental?

O meu caminho neste momento é sem dúvida o cinema documental porque, apesar de tudo, trago muito do que é a escrita para a ficção. Este filme em particular não nos vai apresentar factos, não vai dizer-nos exactamente o que é que se passa aqui neste caso em concreto, mas tem essa abordagem documental. Parte do real e, a partir daí, cria camadas por cima disso que não são factuais. Espero que esta efabulação nos permita voltar um bocadinho ao real para reflectir.

“O Fecho de uma Refinaria” faz parte da programação e vai competir no âmbito do CineEco. É um reconhecimento estar neste festival focado na temática ambiental?

Estar no CineEco é uma estreia para mim. Este era um daqueles festivais em Portugal que  fazia todo o sentido. O CineEco é o lugar certo para haver este tipo de discussão e para mostrar este tipo de filme para criar reflexão. 

O filme já foi exibido em vários festivais portugueses, mas também em festivais de cariz ambiental em Itália, Turim e em São Paulo, no Brasil. Vai estar também, em outubro, na Turquia e na República Checa, também em festivais de cariz ambiental. Tem estado a viajar um bocadinho e fico feliz por isso.