Autores: João Rodrigues, Manuela Rosa, Micael Viegas, Daniel Turner, Ricardo Veiga e Nelson Sousa | * Universidade do Algarve, Instituto Superior de Engenharia

A integração de novas tecnologias está a transformar as paragens de autocarro mais inteligentes. No entanto, é preciso assegurar que este novo tipo de mobiliário urbano é também inclusivo. Essa foi a missão do projeto ACCES4ALL.

Até agora, o turista procurava destinos exóticos ou históricos, com praias infinitas, campos verdejantes ou cidades repletas de culturas e lendas. Na presente era digital, muitos destes destinos turísticos acompanharam os avanços na tecnologia e, hoje, oferecem experiências únicas, reais ou virtuais aos seus visitantes.

Neste contexto, muitas cidades, detentoras de tecnologia de vanguarda e abertura de dados, começam a constituir um exemplo de Destinos Turísticos Inteligentes, sendo muito procuradas pelos millennials. Para além da necessidade de conectividade, este turista conectado atende também à sustentabilidade e à responsabilidade social. Para isso, recorre-se a ferramentas de Design de Serviços, Internet das Coisas (IoT) e análise de Big Data. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) constituem um instrumento fundamental para a inclusão social, sendo determinantes para um Turismo Acessível e Inclusivo.

É neste contexto que surgiu a iniciativa ACCES4ALL – Acessibilidade para Todos no Turismo (2017-2019), projeto inovador português desenvolvido na Universidade do Algarve, em colaboração com o Instituto Politécnico de Viana do Castelo e o CEIIA – Centro de Engenharia e Desenvolvimento localizado em Matosinhos. Tem como objetivo principal desenvolver um estudo piloto de uma paragem de autocarros acessível, inteligente e sustentável, a localizar no Aeroporto Internacional de Faro. Neste projeto, as TIC são consideradas uma ferramenta chave para a promoção da equidade no acesso à informação.

Fig. 1 Código QR e tecnologia NFC numa paragem de autocarro em Londres.

O conceito de paragens de autocarro inteligentes não é novo, existindo já diversificadas implementações de abrigos digitais. O SmartShelter (1), em Auckland (Nova Zelândia), incorpora mapas IoT e painéis interativos, câmaras, Wi-Fi, sensores de ruído e poluição e controlo e monitorização de energia. Em São Francisco (EUA), há abrigos de paragens de autocarro(2) que dão a possibilidade de se jogar jogos enquanto se espera pelo autocarro. Em Barcelona, há paragens de autocarro(3) que têm iluminação inteligente com sensores que detetam movimento, possibilitam a monitorização do ar, disponibilizam Wi-Fi, câmaras para a segurança dos utentes, contagem automática de quantas pessoas esperam pelo autocarro e quantos assentos estão disponíveis no autocarro.

Existem também inúmeras soluções que atendem às especificidades das pessoas com deficiência, seja através do uso de iBeacons(4), seja através de interatividade por gestos(5) ou mesmo com informação em braille(6) para um utilizador com deficiência visual poder selecionar a linha pretendida. Para além destes exemplos, também se encontram já disponíveis variadas outras ofertas que integram maioritariamente a disponibilidade de Wi-Fi e informações interativas relativas à rede de transportes públicos através de códigos QR (Quick Response), tecnologia NFC (Near Field Communication) (Fig. 1) ou de painéis interativos.

No centro de Londres, existem diversas paragens de autocarro digitais que, através de um painel interativo, fornecem informações de serviço sobre horários em tempo real, linhas de transporte, mapas de localização, informação sobre o sistema de partilha de bicicletas existente, notícias diárias e condições do tempo (Fig. 2). No entanto, a superfície de vidro do painel interativo deveria ter tratamento antirreflexo para atender às especificidades das pessoas com baixa visão, pois tende-se a ver o próprio reflexo.

Fig. 2 Paragem de autocarro inteligente em Chelsea – Londres.

Encontrámos outra paragem de autocarro inteligente em Kista, bairro tecnológico localizado nos subúrbios de Estocolmo num cluster industrial. Universidades, institutos de investigação e empresas de tecnologia (ex. a sueca Ericsson) especializam-se na área de telecomunicações sem fios. É um espaço urbano com excelente conexão de fibra ótica e elevada qualidade de TIC e logística de ponta. O que é incomum nesta rede de fibras é que se optou por montar fibra em vários objetos no ambiente externo, incluindo uma paragem de autocarro(7).

Tem um painel interativo com informação sobre as linhas de transporte e bilhética. Anexa ao abrigo, há uma mini-estação base 5G, que foi incorporada com conexão à paragem de autocarro. Analisando este abrigo, constata-se que uma pessoa em cadeira de rodas não tem um acesso adequado para interagir no painel digital, pois a presença de uma divisória transparente na zona frontal do abrigo constitui uma barreira física.

Assim, apurou-se a necessidade de tornar as paragens de autocarro inteligentes mais inclusivas. Os princípios da acessibilidade da informação para todos devem ser aplicados sistematicamente neste tipo de mobiliário urbano inovador.

 

Como tornar uma paragem de autocarro mais inclusiva

Fig. 3 Paragem de autocarro inteligente em Kista – Estocolmo.

Com o projeto ACCES4ALL, pretende-se obter esta perspetiva holística e inclusiva das paragens de autocarro. Desta forma, orientou-se a implementação dos diferentes conceitos que determinam uma paragem inteligente. Para definir a arquitetura TIC por trás do conceito de Internet of Everything (IoE) de uma smart bus stop (SBS), é necessário compreender quantos subsistemas são necessários e como eles podem interagir(8). Apesar de a parte principal aqui ser a paragem de autocarros inteligente, a própria paragem é apenas um dos subsistemas. As outras duas são o subsistema “HUB” e o subsistema do autocarro (Fig. 4).

Assim, foi desenvolvido pelos investigadores e estudantes do Instituto Superior de Engenharia um estudo piloto de uma paragem de autocarros inovadora desde a geração de energia, tornando-a sustentável, à integração de informação na rede de autocarros para comunicação, por exemplo, da quantidade de utilizadores em espera na paragem, ou até à criação de um ecrã interativo que se adapta às necessidades de qualquer utilizador através de uma inovadora framework desenvolvida no âmbito deste projeto.

A integração de um sistema inovador de Interfaces de Utilizador Adaptativa(9) (AUI) num ecrã, instalado na paragem de autocarros, permite a qualquer utilizador, até a um turista demasiado carregado com as bagagens, uma interação fluida e personalizável que se adapta às características do utilizador em tempo real. Esta framework integrada é capaz de, a partir de uma simples câmara monocular, descrever os utilizadores, de uma forma não intrusiva através do uso das capacidades da visão computacional e de técnicas de machine learning. Esta solução inovadora é capaz de reconhecer a silhueta humana, a sua pose e face, e, a partir daí, ser capaz de reconhecer e classificar a pessoa de diferentes formas, tais como a altura, idade, género, emoções, enquanto também classifica as suas roupas/acessórios, tais como calças, saias, t-shirt, óculos, telemóveis, etc.

Fig. 4 Representação global do modelo IoE SBS.

Com a implementação deste sistema, é também possível prever-se quando uma pessoa se apresenta com uma bengala, característica de deficiência visual, ou acompanhada de um cão-guia, ou mesmo numa cadeira de rodas. A fusão de todas estas tecnologias permite a criação de uma paragem inclusiva que se adapta a qualquer característica do utilizador que se apresente em frente ao ecrã interativo.

Imagine-se uma pessoa de cadeira de rodas a dirigir-se a uma paragem de autocarros comum, na qual se encontram todas as informações disponibilizadas a uma altura impeditiva, que inviabiliza o acesso à informação. O sistema proposto deteta, automaticamente, a cadeira de rodas e adapta o conteúdo do ecrã para a altura do utilizador, permitindo que qualquer pessoa, de qualquer altura, possa interagir com a paragem de autocarros inteligente e não se sinta excluída desta interface modal crucial. Do mesmo modo, também as crianças têm facilmente acesso à informação.

Outro exemplo pode ser um idoso que se aproxima de um ecrã interativo e é confrontado com um excesso de informação e elevada complexidade, quando pretendia, simplesmente, saber qual o autocarro para chegar ao seu destino. Com este sistema adaptativo, é possível identificar a idade do utilizador e ajustar um menu mais simples e didático, também útil para os utilizadores muito novos, sendo estes identificados pela correlação entre a altura e a idade.

Para um utilizador com deficiência visual, é automaticamente acionado um sistema de comunicação por voz que permite que tenha acesso a todas as informações. O ecrã e o painel de LED (que indica os números dos autocarros e os tempos que estes demoram a chegar) devem ter uma superfície de vidro com tratamento antirreflexo para evitar encadeamento e possibilitar a leitura. Estes sistemas de informação em tempo real são muito apreciados pelos turistas e particularmente por pessoas com deficiência auditiva, pois garante informação sobre o autocarro que pretende apanhar. Esta também deve ser fornecida em formato áudio, para pessoas com deficiência visual, que devem premir um botão em local acessível.

Fig. 5 Paragem de autocarro inteligente e inclusiva.

Neste tipo de paragens, costumam estar disponíveis sensores da chuva, humidade, temperatura, poluição do ar e ruído, que geram uma sinergia de informação útil e relevante, seja para a manutenção e prolongamento de vida útil dos painéis solares e baterias de células, seja para a partilha de informação meteorológica com os utilizadores ou com os operadores da rede de autocarros.

Existem também câmaras instaladas na área exterior da paragem de autocarros inteligente para gestão do número de pessoas que se encontrem à espera dos próximos autocarros. São disponibilizados Wi-Fi, Bluetooth, códigos QR, tecnologia NFC e braille interativo, que permitem que os utilizadores comuniquem qual é a rota que pretendem seguir. Quando não há passageiros à espera na paragem de autocarro, há deteção por câmaras, o que, através de uma comunicação pelo subsistema, permite aos autocarros evitarem a paragem, evitando, assim, o congestionamento de autocarros numa só paragem quando desnecessário.

Os abrigos devem ter uma iluminação média mínima de 50 lux, medida no nível do pavimento durante o horário de serviço, e um valor mínimo de 100 lux no momento do embarque, pois as pessoas com dificuldades de visão necessitam de maior iluminação para vencer desníveis com segurança. A presença de níveis adequados de luz também permite às pessoas surdas maior visibilidade para leitura labial e gestual. Perspetiva-se a existência de sensor de passagem de autocarro, que, à paragem deste, desencadeie aumento de intensidade da luz.

Na paragem de autocarro inteligente, encontra-se integrada uma solução de energia renovável. Foi estudada a melhor configuração de integração de coletores fotovoltaicos e baterias de acumulação, de forma a assegurar o fornecimento de energia com a maximização dos ganhos económicos e a minimização das emissões equivalentes de dióxido de carbono. A melhor solução é obtida para um sistema autossuficiente nos meses de verão, com o apoio da rede elétrica no resto do ano.

Fig. 6 Framework integrada para a classificação de atributos humanos.

Uma paragem de autocarro inteligente deve ter quatro características essenciais10: (a) comunicação acrescentada, (b) criatividade, (c) respostas em tempo real a mudanças em horários de autocarros e (d) designs atraentes e ecológicos. Podemos destacar mais um: (e) singularidade e inclusão – a adaptação da smart bus stop a cada indivíduo (singular), promovendo a inclusão e a autonomia.

A futura implementação destas soluções em Portugal contribuirá para a promoção de uma mobilidade sustentável e inteligente, do turismo sénior e da inclusão social, ou seja, do turismo acessível.

Agradecimento

O projeto ACCES4ALL foi financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia e pelo FEDER através das CCDR Algarve e CCDR Norte, pelos Programas Operacionais CRESC Algarve 2020 e Norte 2020.

Referências

  1. SmartShelter. (2018). (s.d.). https://www.youtube.com/watch?v=fDSc5vS4Zlc
  2. Young, M. (2017). Gaming Bus Stops. https://www.trendhunter.com/trends/yahoo-bus-shelters
  3. Ericsson. (2017). A Smart Bus Stop, Smart Street Lights, Smart Metering and more from Ericsson. https://www.youtube.com/watch?v=gB7HoLHDwcs
  4. Onyx. (2017). World premiere: large scale iBeacons network guides visually impaired people to use the public transportation service. https://www.onyxbeacon.com
  5. Yu. (2017). We tested: New interactive STM bus shelters. https://yucentrik.ca
  6. ViiBus. (2017). Visually Impaired Intelligent Bus Stop. http://viibus.com.br/en/the-project
  7. Urban ICT Arena. (2017). Things are happening with the automagic bus stop! http://www.urbanictarena.se/things-happening-automagical-bus-stop/
  8. Zhou, H., Hou, K., Zuo, D., & Li, J. (2012). Intelligent urban public transportation for accessibility dedicated to people with disabilities. (8 ed., Vol. 12).
  9. Rodrigues, J. (2017). Adaptive Card Design UI Implementation for an Augmented Reality Museum Application. Universal Access in Human-Computer Interaction.