A persistência de erros na construção de redes cicláveis, a falta de dados relativos à utilização da bicicleta, o poder da indústria automóvel e o avultado investimento em infra-estrutura rodoviária estão entre os maiores obstáculos à cultura da bicicleta em Portugal. Estas foram algumas das conclusões que saíram do evento “Academia a Pedalar – Desafios e Oportunidades”, numa apresentação do projecto U-Bike Portugal, que, na cidade de Lisboa, vai arrancar na Universidade Nova de Lisboa (UNL), ISCTE e Instituto Superior Técnico (IST). Esta sessão realizou-se no dia 2 de Maio, na reitoria da UNL, com o propósito de promover o debate sobre o estado da mobilidade suave em Portugal.
“Estamos a planear uma enormidade de ciclovias por este país sem cautelas”. Quem o disse foi José Carlos Mota, coordenador da Plataforma Tecnológica da Bicicleta, que lançou o aviso, ao fazer notar a sua preocupação com a falta de planeamento e com a repetição de erros na execução de algumas redes cicláveis. O também docente da Universidade de Aveiro não deixou, ainda, de apontar o dedo ao “enorme poder mediático” da publicidade da indústria automóvel e à dificuldade de reversão do “investimento fortíssimo” realizado em infra-estrutura rodoviária. Para fazer frente a estes desafios, José Carlos Mota considera essencial aproveitar, nos próximos anos, a onda mediática e de investimento em torno da mobilidade suave, sob pena de colocar em causa a evolução do país nesta matéria. O caminho, admitiu, tem de passar pela ligação de diversas agendas, como são os casos da mobilidade e da saúde, sendo que “este esforço de coordenação devia ser assumido pelo Estado”, caso contrário podem muito bem ser as universidades a fazê-lo, disse, aludindo ao projecto U-Bike. No final da sua intervenção, deixou uma questão no ar: “Será desta?”.
Num auditório a meio gás, marcaram presença especialistas em mobilidade urbana e activistas pela utilização da bicicleta como meio de transporte. Durante o dia, as apresentações, assim como as discussões que se seguiram, realizaram-se em torno dos temas “Mobilidade suave em meio urbano” e “A bicicleta no quotidiano”. No decorrer da sessão de abertura, o secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, José Mendes, considerou que “o game changer em termos de mobilidade ciclável será a mudança de mentalidade, a mudança de comportamentos”, que deve ser semeada nos estudantes desde cedo, neste caso, no ensino superior, embora considere que deva começar, sobretudo, “nas escolas primárias ou secundárias”. O caminho terá, igualmente, de passar por “trabalhar na transferência modal”, para fazer com que alunos, docentes e funcionários ponderem trocar o automóvel particular pela bicicleta.
Paulo Rodrigues, em representação da Abimota, destacou o facto de Portugal ser “o terceiro maior produtor europeu de bicicletas” e sublinhou o crescimento do sector, que, segundo o mesmo, pode vir a representar, “muito provavelmente dentro de três anos”, 500 milhões de euros em exportações. Quanto ao mercado interno, a oportunidade está num “potencial de convertibilidade muito grande”, na passagem do automóvel individual para a bicicleta, que hoje já deixou de ser encarada como um mero bem de lazer, para ser entendida, novamente, como meio privilegiado de transporte.
Já para Ana Santos, docente na Faculdade de Motricidade Humana e co-criadora do projecto Dar a Volta, “o grande desafio que se coloca às universidades é produzir conhecimentos, produzir dados”. “Quando vou à procura de dados, não os tenho”, lamentou. A importância da existência de números concretos que promovam eficazmente o investimento na mobilidade suave também não passa despercebida a Paulo Rodrigues, que menciona a falta de “ferramentas para analisar o impacto económico da bicicleta” e dá o exemplo do sistema de bicicletas partilhadas de Vilamoura. Segundo o responsável, este sistema apresenta um défice anual de 20 mil euros, mas conta com benefícios estimados em 200 mil euros. Neste sentido, Kobe Vanhaeren, da aplicação móvel Horizontal Cities, anunciou que está prevista a disponibilização de heat maps (mapas de calor) relativos à cidade de Lisboa, que possibilitarão avaliar os trajectos mais percorridos pelos utilizadores de bicicleta dentro da cidade, o que pode ajudar a planear, definir e adequar a rede ciclável.
O evento decorreu durante todo o dia, tendo terminado ao final da tarde, com um passeio de bicicleta entre as três instituições de ensino superior ligadas ao projecto na cidade de Lisboa que irão receber bicicletas eléctricas e convencionais. O objectivo é que estas sejam, depois, disponibilizadas à comunidade académica em regime de aluguer de longa duração. O U-Bike Portugal vai levar bicicletas a 15 instituições de ensino superior do país.