Mitigar efeitos, adaptar às alterações em curso. Idealizar, projetar, concretizar. Envolver as pessoas, conhecer infraestruturas e territórios.

Se há quem ainda duvide dos factos, as alterações de frequência, intensidade e sazonalidade de secas, incêndios, chuvas intensas, inundações, tempestades, ciclones e outros eventos mostram, de forma inequívoca, que o clima já não é o que era. Vivemos um cenário real, em que todas as áreas do ambiente são afetadas e influenciam outras áreas, produzindo reações em cadeia nos sistemas natural e urbano.

De facto, e considerando as recentes conclusões do Relatório para Decisores do Grupo de Trabalho III do Painel Intergovernamental da ONU para as Alterações Climáticas (IPCC, 2022), a extensão e a gravidade dos impactos das alterações climáticas ultrapassam as previsões ano após ano, originando perdas significativas e irreversíveis nos ecossistemas. Os impactos na saúde humana, nos meios de subsistência e nas infraestruturas afetam perigosamente a vida das populações e o acesso a serviços básicos, com perdas económicas e resultados nefastos para o bem-estar das comunidades, em especial dos grupos mais vulneráveis.

É fundamental, a nível global, limitarmos a amplitude das alterações climáticas reduzindo emissões e aumentando os sumidouros de gases com efeito estufa (GEE), adaptando-nos através de soluções práticas de gestão de riscos dos impactos, protegendo as comunidades e reforçando a resiliência dos ecossistemas. Mas tal exige investimentos avultados que nem todos os países podem concretizar. A falta de cooperação e a escassez de disponibilidade financeira e de recursos humanos qualificados agravam a dificuldade em integrar questões de mitigação e adaptação nas políticas nacionais e de planeamento, monitorização e avaliação, dificultando também o acesso a informação sobre soluções, partilha e gestão de dados entre setores.

Em dezembro de 2022, o Pacto Ecológico Europeu, principal referência da União Europeia (UE) em matéria de mitigação e adaptação às alterações climáticas, aprovou o Fundo Social do Clima para uma transição justa para a neutralidade climática, reforçando a importância da cooperação internacional e do envolvimento de todos os atores na descarbonização, resiliência e sustentabilidade ambiental, prosperidade económica e inclusão social. Pesem os objetivos e metas de acordos internacionais sobre esta matéria, a realidade mostra que os resultados práticos teimam em ficar aquém das expetativas.

Enfrentar a emergência climática: planear em diferentes escalas

Todos os países estão expostos a inúmeros perigos climáticos e são palco de cada vez mais eventos extremos, com maior intensidade e resultados cada vez mais pesados em termos humanos, ambientais e económicos. No entanto, as alterações climáticas não fazem parte de muitas das agendas de desenvolvimento nacional/local, embora sejam urgentes estratégias e planos de intervenção a curto prazo que permitam enfrentar estes eventos e minimizar os seus impactos. As limitações orçamentais são, por vezes, fator de peso na decisão de planear os territórios (apesar da limitada capacidade preditiva e de grandes incertezas).

Dotar as comunidades da necessária planificação e de ações para garantir a sua resiliência e o seu desenvolvimento sustentável é a tendência global, e este é o momento de explorar e rentabilizar capacidades e planificar a neutralidade carbónica. Somos chamados a participar, de forma ativa, na conceção e no desenvolvimento de estratégias e planos que promovam comunidades capazes de resistir, recuperar e adaptar-se, equilibrando as necessidades sociais, económicas e ambientais.

Dezenas de países e centenas de municípios assumiram o compromisso de crescimento neutro em carbono até 2050, incluindo a definição e implementação de políticas, metas e estruturas.

Em Portugal, particularmente vulnerável aos efeitos das alterações climáticas, as condições naturais favoráveis ao aproveitamento de fontes de energia renováveis e a aposta contínua na eficiência da utilização de recursos contribuem para o seu papel de liderança na transição energética e no crescimento económico neutro em carbono.

A transposição dos compromissos europeus para a realidade nacional deu origem ao Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050), com objetivos de redução das emissões de GEE “entre 85% e 90% até 2050, face a 2005, e a compensação das restantes emissões através do sequestro de carbono pelo uso do solo e florestas, tendo a trajetória de redução de emissões sido fixada entre 45% e 55% até 2030, e entre 65% e 75% até 2040, tendo em conta os valores registados em 2005”¹.

O RNC 2050 aborda, de forma integrada, os vetores e setores de atividade mais relevantes para a descarbonização, destacando-se “a energia e a indústria, a mobilidade e os transportes, a agricultura, as florestas e outros usos de solo, os resíduos e as águas residuais”², conciliando políticas de energia, do clima e de outras áreas governativas.

Por sua vez, os objetivos, os princípios e as obrigações em matéria de ação climática para os distintos níveis de governação estão consolidados na Lei de Bases do Clima (Lei n.º 98/2021), que, para além de estabelecer direitos e deveres nesta matéria, reforça o direito à participação dos cidadãos e determina a obrigatoriedade de desenvolver Planos Regionais de Ação Climática (PRAC) e Planos Municipais de Ação Climática³, estes últimos a criar, em cada município, até fevereiro de 2024.

A intervenção climática a nível local

A nível local, a influência sobre as emissões de GEE varia de acordo com o papel que cada município assume em setores como a produção, a distribuição e a gestão da energia, os transportes e mobilidade, o ordenamento do território, a gestão da água e de resíduos.

Os municípios são atores fundamentais no planeamento sustentável de um país face às alterações climáticas, não apenas por via da mitigação e adaptação, mas também pela definição e implementação de processos de mudança de atitude e perceção das suas comunidades. As estratégias locais para o clima baseiam-se no conhecimento dos territórios e das comunidades, obtido pela implementação de ações concretas, nomeadamente inventário de emissões de GEE e definição de metas de redução, identificação e implementação de soluções de mitigação e adaptação, criação de incentivos à eficiência energética, conceção de programas educativos, compras verdes, concretização de políticas de transporte público e criação de parcerias.

O planeamento da resposta à emergência climática assume um caráter prioritário que resulta em pressão acrescida nas estruturas municipais, tendo em conta as atuais responsabilidades perante a comunidade. A necessidade de avaliar e garantir a aplicabilidade dos planos locais à luz da atual regulamentação, das constantes atualizações legislativas e da especificação de critérios de reporte agrava a dificuldade em responder, em tempo útil, às exigências dos diplomas atuais. Mas as autoridades locais, experientes e líderes naturais em matéria de mobilização e criação de parcerias nos mais diversos setores, têm procurado estabelecer e consolidar contactos para responder à complexidade destes desafios.

A participação das autoridades locais na criação e no desenvolvimento de Agências de Energia e Ambiente tem-se revelado crucial para mais um passo em frente no planeamento da resiliência e sustentabilidade climática, contando com recursos especializados, experiência e redes de contactos que permitem apoiar, a nível científico e técnico, a implementação e coordenação das mais diversas atividades de resposta à emergência climática.

Planear com apoio à decisão: da Europa para a realidade local

Através de iniciativas como o Pacto de Autarcas, muitos municípios comprometem-se a atingir a neutralidade carbónica até 2050, percorrendo um caminho de transição em que é essencial aceder a ferramentas, informações e capacidade técnica para se assumirem como líderes locais de transformação, desenvolvendo e implementando Planos de Ação para a Sustentabilidade Energética e Clima (PASEC).

É neste contexto que o projeto EUCityCalc “European City Calculator: Prospective modelling tool supporting public authorities in reaching climate neutrality”, financiado durante 36 meses pelo programa Horizonte 2020, apoia os municípios no planeamento da neutralidade carbónica através de uma abordagem de modelação prospetiva da ferramenta web European City Calculator. Esta ferramenta, de acesso livre, fornece às autoridades locais uma perspetiva setorial de cada tipologia e ambição das medidas a implementar para alcançar a neutralidade, apoiando a criação de itinerários de transição e políticas “personalizadas”.

No âmbito do projeto, a ferramenta será testada em dez municípios – Riga, Dijon Métropole, Mantova, Zdar, Palmela, Sesimbra, Setúbal, Koprivnica, Varazdin, Virovitica – garantindo caminhos e soluções cientificamente robustos, detalhados e integrados. Através da aprendizagem entre pares e do envolvimento das entidades locais em grupos de trabalho especializados, o EUCityCalc capacitará os municípios para a elaboração de roteiros claros e concretos com vista à neutralidade climática.

O Território Arrábida, composto pelos municípios de Sesimbra, Setúbal e Palmela, e os restantes municípios do consórcio, enfrentam desafios distintos na sua transição para a descarbonização, mas partilham semelhanças que simplificam a sua aprendizagem entre pares, como a dificuldade na recolha, centralização e contextualização de dados, o desenvolvimento e a atualização de caminhos e políticas de transição e a monitorização eficaz do processo.

A ENA, Agência de Energia e Ambiente da Arrábida, única entidade portuguesa no consórcio do EUCityCalc, coordena o processo de co-criação dos cenários de transição nas cidades piloto junto dos atores-chave locais, organizados em grupos de especialistas. Este processo conjunto de planeamento, criação e transferência de soluções contribui para a conceção de diretrizes realistas e viáveis de descarbonização, visando a criação de um ambiente mais saudável e seguro, assim como de uma melhor qualidade de vida na Europa.  SC


¹Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/2019

²Resolução do Conselho de Ministros n.º 136/2022
³Art.º 14.º – Políticas Climáticas regionais e locais
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A publicação deste artigo faz parte de uma parceria entre a Smart Cities e a ENA – Agência de Energia e Ambiente da Arrábida, e foi originalmente publicado na edição de Janeiro/Fevereiro/Março de 2023 da Smart Cities.