Muito se fala sobre neutralidade climática, mas são ainda poucas as cidades que têm uma estratégia para a alcançar. A Lisboa E-Nova – Agência de Energia e Ambiente de Lisboa quer inovar nesta matéria, fazendo da capital portuguesa um exemplo a seguir na mitigação das emissões de gases com efeito de estufa tanto a nível nacional, como internacional.

A neutralidade climática é, hoje, um objetivo da maioria das cidades mundiais e, embora seja de longo prazo, com a meta a apontar para 2050, o trabalho necessário para a alcançar não pode esperar. Ciente da importância que as cidades representam neste tema, enquanto responsáveis por cerca de 70% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE), Lisboa está determinada em tornar-se num exemplo mundial no combate às alterações climáticas. Na capital portuguesa, o trabalho de mitigação já começou, com a Lisboa E-Nova – Agência de Ambiente e Energia de Lisboa a colocar “mãos à obra” para assegurar que, até 2030, a capital portuguesa reduz em 70% as suas emissões, conforme definido no seu plano de ação climática municipal, o PAC Lisboa 2030. E há muito para fazer, já que Lisboa faz ainda parte do Pacto dos Autarcas e da rede C40, que junta os governos de cerca de 100 grandes cidades do mundo na luta contra a crise climática, e integra também a Missão Cidades Inteligentes e com Impacto Neutro no Clima, promovida pela Comissão Europeia e que pretende colocar 112 municípios, europeus e não só, na liderança da transição para a neutralidade climática durante esta década. Os compromissos, que serão identificados num “contrato climático”, obrigam a cidade a subir a fasquia, o que poderá resultar, em breve, numa meta mais ambiciosa para 2030 (80%), e colocam-na no foco das atenções como montra de boas práticas e de liderança pelo exemplo em Portugal e no mundo – um papel que, embora desafiante, Lisboa assume de bom grado e para o qual a Lisboa E-Nova tem já uma estratégia em marcha.

O que é a neutralidade climática?

2050 é apontado como o ano em que a humanidade conseguirá um impacto neutro no clima, mas o que significa isso? A dúvida não surpreende o técnico da Lisboa E-Nova Rui Dinis, já que são usadas várias expressões para indicar a redução de emissões que se impõe para o futuro. “Quando falamos de neutralidade carbónica, referimo-nos apenas ao dióxido de carbono (CO2); já a neutralidade climática inclui todos os GEE, como o metano, o óxido nitroso, os F-Gases, etc. É um conceito que nos diz para mitigarmos as emissões destes gases até um limiar onde já não é possível reduzir mais, sendo que, uma vez que a ideia de zero emissões não é possível, haverá sempre uma parte residual que terá de ser compensada.”

Reduzir ao máximo e compensar o que sobra, através de medidas como a conservação da floresta ou a plantação de nova, é a fórmula para a neutralidade climática, mas, antes, é preciso saber quanto se emite e em quê. Em Lisboa, esse trabalho foi feito no seguimento da adesão à rede C40 em 2019. “Não foram só palmas e champanhe; Lisboa teve de seguir um conjunto de obrigações, nomeadamente a de aplicar o Global Protocol for Community-Scale Greenhouse Gas Emission Inventories (GPC)”, conta Rui Dinis. Este protocolo contabiliza emissões dos âmbitos 1 (territoriais), 2 (derivadas do consumo de eletricidade) e 3 (não territoriais, mas relacionadas com atividades que acontecem nesse território), e permite que as cidades da rede estimem as suas emissões de GEE da mesma forma, identificando os setores onde é mais urgente intervir e abrindo a possibilidade de criação de mecanismos de compensação entre cidades e regiões. Estes últimos serão importantes pois muitas cidades, incluindo Lisboa, não terão capacidade para ter nova floresta, mas poderão desenvolver projetos de compensação florestal fora dos seus territórios que sejam contabilizados na sua redução de emissões de GEE.

Com isto em mente, um dos objetivos da Lisboa E-Nova para 2023 passa por disseminar o uso do GPC em Portugal, através de sessões de capacitação de técnicos municipais e de outras agências de energia e ambiente. Além do inventário de emissões, o GPC poderá ajudar os municípios a cumprirem, por exemplo, a Lei de Bases para o Clima, no que se refere à obrigatoriedade dos Planos Municipais de Ação Climática em 2024. “Se os municípios vão partir agora para a execução destes planos, que o façam tendo em consideração o GPC. Assim, quando quiserem desenhar políticas, podem replicar as melhores experiências de outras cidades que trabalham há mais tempo [no tema] e, se o fizerem no mesmo protocolo, têm mais facilidade e podem agilizar benefícios”, defende.

Lisboa já fez o seu diagnóstico: “Em termos totais, em 2019, a cidade emitia cerca de 2,2 milhões de toneladas (t) de CO2 equivalente; admitindo o objetivo da neutralidade climática em 2050, espera-se que, nessa altura, Lisboa emita apenas 300 a 400 mil t e que essas sejam compensadas.” Apesar de estes números terem sido temporariamente alterados pela pandemia, estimando-se uma redução de 23% das emissões em 2020 (face a 2019), a retoma da atividade fez recuperar as emissões evitadas durante os confinamentos. Na repartição das emissões por setores, há dois que “dominam claramente”. “Se somarmos as emissões dos transportes e dos edifícios, teremos certamente 85-90% das emissões de GEE”, diz Rui Dinis. “São estes os setores onde a mitigação é urgente.”

Tendo Lisboa, como meta oficial para 2030, a redução de 70% das emissões face ao ano base de 2002, a agência de energia e ambiente local foca-se na mitigação. “A Lisboa E-Nova atua desenhando políticas ou, pelo menos, identificando necessidades de determinados setores”, avança Rui Dinis. Nos edifícios, é sabido que “a cidade terá, mais cedo ou mais tarde, de intervir em cerca de 50 mil imóveis com anos de construção anteriores a 1990 e com necessidades de reabilitação muito grandes”. Em complemento aos apoios existentes, como os do Fundo Ambiental, cujos “montantes são insuficientes”, o especialista antevê a necessidade de ser criado “um fundo de ação climática específico de Lisboa”. Fará parte da missão da Lisboa E-Nova apoiar esse processo, assim como ajudar a criar mecanismos que promovam a implementação de medidas passivas – intervenções na envolvente que permitam reduzir o consumo de energia por metro quadrado – e medidas ativas – como a produção local de energia com base em fontes renováveis. Entre o que já existe, o técnico destaca a plataforma Solis, que mostra o potencial de aproveitamento da energia solar nas coberturas da cidade. “Uma das metas de Lisboa para 2030 é ter 100 MW de potência [fotovoltaica] instalada nos telhados. Hoje, temos pouco menos de 10MW, mas há muito potencial por explorar e a Solis mostra isso mesmo.”

Já na mobilidade, a questão é “mais complicada”. Com mais de 300 mil viaturas a entrarem em Lisboa todos os dias, Rui Dinis alerta para a necessidade de reduzir este número, através da “construção de parques dissuasores, de uma rede de transportes públicos mais eficiente e mais acessível, ou de um crescimento de opções individuais que façam com que as pessoas prefiram outras alternativas”. Além disso, são precisos veículos menos poluentes e que se opte pelos modos suaves para curtas distâncias. Antecipando uma “transição mais lenta” na mobilidade, a Lisboa E-Nova considera ainda que os combustíveis de base sintética terão um papel nesta matéria.

Não obstante, o esforço da mitigação tem de envolver toda a cidade e há também um acordo nesse sentido. “O Compromisso Verde Lisboa junta já 280 grandes empresas signatárias num compromisso que incide, sobretudo, sobre os edifícios, mas que integra já medidas de mobilidade”, conta o responsável, dando nota da ambição da Lisboa E-Nova: “É desejável escalar este compromisso, transformá-lo num pacto, que inclua também o associativismo e representantes [de entidades locais], com métricas e no qual haja uma co-responsabilização das partes interessadas nas metas que o município define, mas que, na realidade, dizem respeito a todos.”

No esforço de mitigação, a Lisboa E-Nova conta ainda com as novas tecnologias como aliadas. Usar novas fontes de dados abertos, transformá-los em informação e disponibilizá-la “quase em tempo real” fazem parte da evolução prevista para a plataforma Observatórios de Lisboa. Ao recorrer a novas ferramentas, será possível não só apoiar a tomada de decisão, mas também verificar a eficácia das políticas públicas, quantificando, de facto, os seus benefícios e o serviço prestado ao cidadão.

ESTE ARTIGO CONTA COM O APOIO DA LISBOA E-NOVA, AGÊNCIA DE ENERGIA E AMBIENTE DE LISBOA E FOI ORIGINALMENTE PUBLICADO NA EDIÇÃO DE JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO DE 2023 DA SMART CITIES.