A Parqly foi a aplicação vencedora do concurso Big Smart Cities, promovida pela Vodafone Portugal e pela Ericsson. Um dos prémios consistiu na oportunidade de visitar, durante uma semana passada, a sede e pólos de inovação da empresa sueca em Estocolmo. A Smart Cities desafiou o co-fundador da Parqly Bruno Nascimento a contar-nos a sua aventura em primeira mão e exclusivo.
Dia 1 – 13 de Outubro, 2016
Depois de uma aterragem por entre um céu nublado, começa hoje o primeiro dia da visita da Parqly a Estocolmo. Na verdade, esta viagem começou há algum tempo (cinco meses, para ser mais preciso), quando decidimos embarcar na competição BIG Smart Cities, promovida pela Vodafone Portugal e a Ericsson.
A ideia com a qual participámos na competição nasceu de uma necessidade: a de encontrar lugares de estacionamento em Lisboa. Sempre que conduzo em Lisboa, sinto-me stressado com a procura por estacionamento. Pensei, claro, “não posso ser o único”. Após várias pesquisas, descobri que, em média, os condutores em Lisboa perdem 17 minutos cada vez que procuram por estacionamento. Se numa perspectiva individual já é preocupante, colectivamente ainda o é mais.
A distância percorrida pelos condutores num ano é a equivalente a ir à lua e voltar 50 vezes – e isto só em Lisboa. O combustível que desperdiçam enquanto procuram por estacionamento dava para encher três piscinas olímpicas e o CO2 desperdiçado é o equivalente ao peso de 1000 elefantes africanos.
Mas, ao mesmo tempo que isto acontece, muitos parques de estacionamento encontram-se abaixo das suas capacidade, ou porque os condutores acreditam que é mais caro do que o estacionamento de rua, ou porque, simplesmente, não sabem a sua localização.
Posto isto, desenvolvi algumas soluções com a minha equipa, mas foi na competição que a ideia realmente tomou uma forma mais concreta. Depois de várias semanas de pré-aceleração no Vodafone Power Lab, chegámos ao resultado: uma app que permite aos condutores encontrarem o parque de estacionamento mais próximo de si ou do seu destino com o menor esforço possível. E, com este resultado, alcançámos outro: a vitória no BIG Smart Cities – o que nos leva a Estocolmo.
Muitas vezes designada como a capital da criatividade do mundo, é difícil não nos sentirmos inspirados quando chegamos a Estocolmo. Se o bom design está patente em todo o lado, podemos dizer que a tecnologia também, ainda que de uma forma mais camuflada. Não falo apenas do uso de códigos QR em quase tudo e da Internet quase ubíqua, mas principalmente das empresas de tecnologia – a seguir a Silicon Valley, Estocolmo é a segunda maior criadora de “unicórnios” no mundo.
Mas o verdadeiro propósito da viagem é a visita a um dos centros de inovação da Ericsson, a “start-up com 140 anos de idade”. Amanhã vamos ser recebidos no Ericsson Studio para um demo tour e teremos mais novidades!
Dia 2 – 14 de Outubro, 2016
O constante céu nublado não torna Estocolmo numa cidade particularmente colorida – mas tal rapidamente se altera quando entramos no “T-bana” (metro). Para chegar ao centro de experiências e inovação Ericsson Studio, temos de passar por várias estações de metro, onde encontramos formações rochosas nas paredes e tecto, cobertas de arte, naquela que é considerada a exposição de arte mais longa do mundo (em quilómetros).
Ao chegar, depressa apelidamos a área de “Ericsson-stad” (stad = cidade), tal é o domínio da empresa nesta área. Contamos, pelo menos, uma dúzia de edifícios (e mais haveria, certamente), todos eles diferentes em tamanho e função, até que os nossos olhos pousam no mais distinto – o Studio.
A partir daqui, este segundo dia em Estocolmo pode facilmente ser sumarizado numa só frase: “uma janela para o futuro”. Somos recebidos pela Julia Chen, Experience Project Manager, que nos encaminha para a sala de reuniões com mesas hexagonais a formar uma estrutura molecular (aproximam as pessoas, ao mesmo tempo, que mantém o espaço pessoal). Fala-nos um pouco sobre si e o seu percurso, conta-nos que usa a Uber quando está na China, mas nunca usou em Estocolmo, onde tem bastantes problemas em arranjar estacionamento (inclusivamente, já recebeu uma multa, devido ao confuso sistema da cidade). Ficamos também a saber a importância da Ericsson nas transmissões da BBC em Londres, graças às quais ganhou um Emmy®, que pudemos mesmo segurar nas nossas mãos.
As apresentações que se seguem, de Mikael Björling, director do Networked Society Lab, sobre este laboratório de investigação para a Sociedade em Rede, e de Torbjörn Lundahl, Research Leader, com o tema “ICT Enables Transformation”, levam-nos então por uma verdadeira auto-estrada de conhecimento. Mikael fala-nos da próxima evolução tecnológica e de como as tecnologias de informação e comunicação estão a mudar os estilos de vida.
Como tinha referido, a tecnologia aqui foca-se no mundo conectado – não necessariamente em algo que é plenamente visível, mas sim naquilo que transforma os vários aspectos da nossa vida. Torbjörn faz, então, a ligação deste tema com a tecnologia 5G e como esta vai ser a evolução que permitirá a explosão da Internet of Things (IoT).
Posto isto, chega a altura de fazer o pitch da Parqly, meio intimidado com todo o know-how que temos ao nosso redor, meio entusiasmado com todas as possibilidades que se abriram diante dos nossos olhos. O feedback que obtemos, do ponto de vista de que tem uma perspectiva geral do estado da arte no sector das tecnologias de informação e comunicação, não tem preço e, certamente, vamos ter muito que discutir nas próximas semanas.
De seguida, Jon Gamble, Business Builder Experience Marketing, faz uma apresentação das implementações de tudo aquilo que aprendemos antes – e as nossas mentes expandem-se para um 5G figurativo. Desde uma sala com um ecrã em 180º que nos mostra o tráfego de transportes públicos em tempo real em Lisboa, a uma Caixa Automática para água, passando por casas sustentáveis, comboios que indicam a carruagem mais vazia com antecedência, um Volvo semiautónomo com recolha de dados que podem ser acedidos através de uma API, esgotos que servem de antenas de rede móvel, a inovação faz parte do ADN aqui. E, assim, terminamos a visita ao Ericsson Studio, concordando que nos queremos mudar para aqui (as janelas têm um filtro de cor que torna o céu um pouco mais agradável)!
Última estação: THINGS. Se a Ericsson se tem vindo a focar cada vez mais no software do que no hardware, a THINGS surge como o complemento ideal para a realização da sociedade em rede. A “growth house” sueca, que se foca exclusivamente no hardware, serve de casa para as start-ups que vão passando pelos três pisos, à medida que crescem. A gerência toma uma posição mais hands-off (cada start-up está por sua conta), mas liga os projectos inovadores às empresas que os procuram. O resultado é um tanque de conhecimento bastante específico, em que a colaboração é rainha. Em Portugal, a Productized e a No Bullshit Lab estão a trabalhar neste sentido, e esta curta visita mostrou-nos onde é possível chegar se apostarmos na partilha de recursos e colaboração – aspectos que Dhakshy Holmgren, community manager, considera cruciais para o sucesso da THINGS.
Amanhã teremos a visita à smart city Royal Seaport, onde poderemos ver tudo fora do laboratório e implementado no dia-a-dia, tendo assim uma vista de 360º sobre o futuro das cidades. Entusiasmados? Nós estamos!
Dia 3 – 15 de Outubro, 2016
Se os primeiros dias passados no centro da cidade nos transmitiram uma certa calma ao andar pelas ruas largas rodeadas de edifícios antigos e baixos, na manhã de hoje o panorama foi um pouco diferente. Ao sair da estação de metro, deparamo-nos com uma parte mais industrializada da cidade, tendo que passar por vários locais de obras até chegar aos escritórios da Royal Seaport. A primeira impressão é a de que esta área faz lembrar um Parque das Nações nos seus primórdios.
Nos escritórios, somos recebidos calorosamente por Bo Hallqvist, consultor do projecto do Royal Seaport, que nos oferece um café para começar. E é aqui, no escritório, que a sustentabilidade começa. Uma carpete verde-claro a simular um relvado confortável, mesa feita de madeira reciclada e algumas das cadeiras restauradas e reaproveitadas. Bo fala-nos de como a H&M e outras empresas suecas estão a ter a sustentabilidade em consideração, e em como a gestão de desperdícios é uma das principais preocupações. No Royal Seaport, diz-nos, quiseram que fosse fácil para qualquer pessoa viver sustentavelmente.
Estocolmo é uma cidade em expansão – na verdade é uma das que mais rápido crescem na Europa. E isso traz novos desafios. Primeiro, não existe muito espaço para construir novos edifícios ou novas ruas. Daí, a consideração de formas que tornam as viagens diárias mais simples, não só a pé ou de bicicleta, mas também apostando no car sharing e transportes públicos, tirando os carros das ruas.
“Aqui não deitamos casas abaixo, por isso, temos de pensar 100 anos à frente”, diz-nos Bo. Esta nova área é bastante próxima do centro da cidade (demorámos uns 15 minutos de metro), mas a ideia é construí-la para que as pessoas tenham tudo ainda mais próximo de si: jardins-de-infância, pubs, hospitais, etc. Não de uma forma a que sejam as empresas a decidir, mas deixando espaço para os que querem construir no futuro.
Discutimos um pouco as diferenças entre a construção em Portugal e na Suécia. Bo conta-nos que os suecos são bastante racionais, e, como tal, as casas são construídas de forma racional. Apesar das directrizes do governo para casas com baixos requisitos energéticos, o Royal Seaport quer reduzi-los ainda mais. Os vidros triplos, isolamentos externos e internos e redes de distribuição de calor contribuem bastante para tal. O lixo é recolhido num sistema de vácuo presente no átrio de cada edifício, de forma a reduzir o número de veículos a recolhê-lo. Os edifícios têm um sistema que armazena o calor do Verão na cave e liberta-o no Inverno. Cada bloco de edifícios tem o seu próprio jardim comunitário.
Esta smart city está repleta de inovações, não necessariamente tecnológicas, mas que se prendem mais com a forma de pensar as cidades. Claro que num powerpoint é sempre mais fácil vendê-las, mas não há nada como ver a implementação das mesmas. E dos escritórios seguimos, então, para a parte construída do Royal Seaport.
Com uma das maiores taxas de natalidade da Europa, Estocolmo não podia deixar de ter bastantes creches. É precisamente com uma que nos damos de caras, depois de cruzar um pequeno bosque, ao entrar numa das ruas do Royal Seaport. Com bastante espaço exterior integrado com a natureza, as crianças encontram-se no interior devido ao frio. Bo diz-nos que esta é fixa, mas outras estão em espaços multiusos porque as necessidades da população também vão mudando. Uns metros mais à frente, está um pequeno lago que serve de sapal e que recolhe a água da chuva, distribuindo-a por várias condutas de forma a evitar cheias.
Chegamos a uma praça em que podemos ver a arquitectura bastante distinta de cada edifício. Em vez de trazer uma empresa de construção e uniformizar os edifícios, a Royal Seaport trouxe várias empresas de forma a criar uma cidade mais viva. Além disso, os edifícios são construídos em blocos e em fases, num processo de aprendizagem para a etapa seguinte.
As ruas têm nomes de animais, fazendo a ligação com a biodiversidade que rodeia os edifícios. Mas, mesmo nas ruas, essa biodiversidade vai estar patente, à medida que as árvores vão crescendo, as paredes verdes se vão instalando e as pequenas hortas urbanas vão produzindo colheitas. E é, precisamente, para a natureza e para as pessoas que as ruas estão orientadas. Vimos poucos carros – só existem 0,5 lugares por apartamento, mas 2,5 lugares para bicicletas.
Sem dúvida de que ficámos apaixonados por esta área. Apesar de ser uma cidade em crescimento, apresenta uma calma e um envolvimento com a natureza que providencia verdadeira qualidade de vida. Ao perguntarmos por preços, Bo revela que são um pouco mais caras do que no resto de Estocolmo devido aos investimentos das empresas – 9 mil euros por metro quadrado para ser preciso. Parece que teremos que deixar a mudança para mais tarde!
Depois desta longa visita, decidimos ir visitar a SUB 46, incubadora de start-ups de software. A TADHack tinha acabado de acontecer (estando a acontecer ao mesmo tempo em Lisboa), e tivemos a oportunidade de conversar com os hosts, que nos falaram dos projectos inovadores que estão a desenvolver na área das telecomunicações. Trabalham numa start-up dentro da operadora Telenor e têm, principalmente, projectos na Ásia, que é actualmente um dos mercados com maior potencial. A forma energética e entusiasmada com que nos falaram das pequenas inovações que estão a desenvolver despoletou ainda mais a nossa, e quando demos por nós, estávamos a tomar um “fika” (conceito sueco de coffee-break) e a falar da vida em Estocolmo.
Wrap-up da viagem – 18 de Outubro, 2016
O nosso entusiasmo era grande, várias semanas antes de, sequer, metermos o primeiro pé no aeroporto de Arlanda, em Estocolmo. Trocar o verão prolongado de Portugal pelo outono sueco não era propriamente um sonho, nem de forma alguma um impedimento. No entanto, se antes de lá chegar pensei várias vezes que não seria capaz de me mudar para a Suécia e deixar para trás o nosso clima (por muito boas que as condições de vida fossem), rapidamente o clima passou para segundo plano.
O frio que se faz sentir na rua dissipa-se num calor humano dentro de cafés e restaurantes, com luzes esmaecidas e amareladas que contrastam com o cinzento do céu. Se na rua só os turistas ficam estáticos, dentro daqueles estabelecimentos parece que o tempo abranda. Uma grande parte dos suecos janta às 17/18h, e o valor que dão à vida depois do trabalho é exemplar, principalmente quando comparamos Estocolmo com São Francisco. Mas isto não quer dizer que trabalhem menos.
O que encontrámos foi uma sociedade onde as coisas que esperamos que funcionem funcionam (ainda que muitas apenas das 10 às 17h). Onde o trabalho é encarado de forma sustentável e as pessoas não andam stressadas. E, claro, isso reflete-se nas inovações. Spotify, SoundCloud, Skype, King, Mojang, Lifesum, Truecaller, e, claro, Ericsson, são apenas alguns dos gigantes mundiais que provavelmente não teriam tido o mesmo sucesso noutro país europeu.
Ainda que não tenhamos visto e visitado tudo quanto queríamos, conseguimos obter uma melhor “big picture” do que realmente é uma smart city – desde a alta tecnologia (Ericsson) ao planeamento urbano (Royal Seaport), às pessoas (THINGS e SUB 46). Sentimos que a colaboração e partilha de conhecimentos e recursos que vimos em ação são cruciais para uma cidade verdadeiramente inteligente. E o ecossistema que daí resulta fez-nos sonhar com aquilo que podemos alcançar em Portugal.
Se as ideias com que voltámos para o nosso país e a nossa cidade foram imensas, também o foram para a Parqly. Vislumbrámos o futuro da mobilidade e os vários níveis pelos quais ela tem de passar – e a Parqly é sem dúvida um deles. Estocolmo está a trabalhar para reduzir as emissões de CO2 e aumentar as opções de mobilidade, usando dados de várias fontes para perceber como tudo se interliga. Ao mesmo tempo, a Parqly está a trabalhar para ser um elo dessa interligação – não só ao ajudar a melhorar as opções de mobilidade, mas também ao ajudar a reduzir as emissões de CO2. O que nos espera só o futuro saberá – mas nós vimo-lo, e é entusiasmante!