Numa era em que os projetos e investimentos associados à sensorização e recolha de dados em espaços urbanos cresce exponencialmente e em que designações como Big Data, cidades inteligentes ou as Cidades 4.0 ocupam grande parte do espaço nos media reservado à inovação, convém não perder o foco daquilo que é mais importante e que deve ser o objetivo principal destes investimentos: melhorar a qualidade de vida de quem vive na cidade, dando novas ferramentas a quem tem que gerir estes sistemas complexos. É com base nisto que a cidade deve priorizar e otimizar os seus recursos.

Quase sempre associadas a soluções de elevado custo e de grande complexidade, existem cada vez mais opções acessíveis que se focam na resolução de problemas específicos e concretos. Neste artigo, abordaremos uma questão que tem por base um elemento chave para a compreensão da cidade como um todo e das suas dinâmicas: saber quantas pessoas. Quantas pessoas circulam diariamente na baixa da cidade (?), quantas pessoas circulam nas nossas ciclovias (?) ou quantas pessoas passeiam nos nossos jardins e parques (?). Este parece ser o elemento chave para quem gere a cidade e a “unidade de medida” mais pequena para que uma cidade se comece a conhecer a ela própria, condição essencial para conseguir evoluir e desenvolver-se como espaço mais sustentável. Maior transparência e maior facilidade em gerir, com tudo o que lhe está associado, são as principais vantagens na obtenção deste tipo de informação.

O leque de escolha para efetuar este tipo de monitorização é cada vez mais vasto e as tecnologias cada vez mais avançadas, fornecendo, por sua vez, dados cada vez mais rigorosos e fiáveis. Recorrendo a sensores não intrusivos (questão importante quando falamos de qualidade de vida dos cidadãos), é já possível, hoje em dia, fazer a monitorização de diversos pontos na cidade para perceber quantas pessoas, bicicletas ou automóveis passam, em que direção e a que horas. Atualmente, são muitas as cidades nos mais diversos pontos do planeta que escolhem esta via.

Mas de que forma podem estes sistemas ajudar na gestão e valorização dos nossos espaços verdes e parques urbanos?

Os espaços e parques verdes das nossas cidades ou espaços de transição peri-urbanos são, como sabemos, espaços extremamente importantes para a qualidade de vida dos cidadãos que as habitam. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente valorização daquilo que são as áreas pedonais e a uma crescente valorização das formas suaves de mobilidade em todas as suas vertentes, com vista a uma maior fruição da cidade por parte de quem lá vive e por parte de quem a visita. Naturalmente, as áreas verdes e praças são uma parte importante desta “nova” forma de ver a cidade. Qualquer tipo de plano, desde os Planos de Ação de Mobilidade Urbana Sustentável (PAMUS), aos Planos Estratégicos de Desenvolvimento Urbano (PEDUs) e outros, tem na sua essência o bem-estar do cidadão como elemento central do desenvolvimento.

No entanto, sendo espaços de livre acesso, torna-se difícil conhecê-los na realidade, pois não existem dados duradouros e fiáveis sobre a sua utilização. Atribuir-lhes uma importância, um valor, seja em termos turísticos, seja em termos culturais ou urbanísticos, é tarefa difícil. Assim, conhecer o número de visitantes, tipo de utilizador ou períodos de maior afluência é uma informação preciosa para quem tem de gerir e promover essas infraestruturas urbanas, o que permite a sua comparação com outros pontos de atração como monumentos e museus. Por exemplo, seria extremamente útil e interessante conhecer os números de espaços como o Parque Eduardo VII e Monsanto, em Lisboa, ou o Parque da Cidade e Jardins do Palácio de Cristal, no Porto, entre muitos outros espaços do nosso país. Certamente, os números seriam surpreendentes, o que permitiria que estes espaços fossem valorizados e olhados com maior atenção.

Estes dados ganham uma importância acrescida se tivermos em conta que os espaços verdes dentro das nossas cidades são, muitas vezes, os primeiros sacrificados, quando é necessário reduzir a despesa do município. Rega, manutenção, reparação de equipamentos vandalizados ou gastos com as equipas de vigilância são alguns dos custos que associamos de imediato a estes espaços. Um desconhecimento dos números poderá levar a uma subvalorização desses espaços e a tomadas de decisão menos acertadas.

Um bom exemplo do que atrás foi referido é o Parc de Sceaux, situado a cinco quilómetros de Paris, com uma área de aproximadamente 180 hectares, onde podemos encontrar diversos equipamentos desportivos, culturais e de restauração. Mais de 20 Eco-Contadores foram instalados nas diferentes entradas do parque, com o objetivo de fornecer informação preciosa que pudesse evitar o corte de financiamento com o qual o município pretendia avançar. Os números foram impressionantes e decisivos: mais de seis milhões de passagens contabilizadas durante o primeiro ano de contagens, o que fazia do Parc de Sceaux um dos monumentos mais visitados da capital francesa. De forma natural, verificou-se um recuo na intenção do município de cortar o investimento e os contadores ainda se mantêm em funcionamento com o objetivo de perceber o tipo de utilização do parque, perceber o impacto dos diferentes eventos e perceber quais as tendências futuras na sua utilização.

Outro projeto que teve grande impacto foi o projeto de monitorização do Gardens By The Bay, em Singapura. Trata-se de um espaço único, com mais de 54 hectares, no qual foram instalados mais de 17 Eco-Contadores com vista à recolha de dados sobre a sua utilização. Os mesmos são utilizados também para comunicar de forma original com os visitantes e premiar aqueles que representam números importantes para o parque.

Dados como estes possibilitam, igualmente, gerir os espaços verdes, tendo em conta a sua capacidade de carga, ou seja, permitem conhecer de maneira precisa de que forma o número de visitantes pode ou não interferir negativamente com o ambiente e com os ecossistemas desse espaço (caso do Parque de Collserola, em Barcelona ou Portofino, no Norte de Itália). O acesso a informação detalhada pode levar à redefinição de horários, consoante o tipo de utilizador (ciclistas ou peão), limites máximos de visitantes por dia ou aumento da vigilância, entre muitas outras ações.

Foi também isto que aconteceu no Parque Metropolitano, em Santiago do Chile. Para perceber quais as dinâmicas do parque e qual o tipo de utilização, foi encomendado um estudo alargado que permitisse recolher essa informação. Através da instalação de contadores temporários e definitivos em vários pontos do parque para a recolha de dados quantitativos, e recorrendo a inquéritos para o levantamento de informação qualitativa, foi possível criar um retrato fiável do parque e da sua utilização. Dois dos efeitos imediatos após o conhecimento do estudo foi o encerramento dos mais de 15 kms de vias rodoviárias durante os fins-de-semana, devido ao enorme afluxo de ciclistas e peões, e o encerramento definitivo e permanente do ponto mais alto do parque ao tráfego automóvel. Tais medidas, a par da forte componente de divulgação através dos meios de comunicação, levaram a um crescimento no ano subsequente, quer dos acessos a pé quer dos acessos por bicicleta na ordem dos 7 e 14%, respetivamente.

A comunicação é, então, um elemento fundamental na valorização dos espaços verdes urbanos e os dados quantitativos contribuem de forma decisiva para o sucesso dessa comunicação.

*O artigo foi publicado, originalmente, na edição #13 da revista Smart Cities. Aqui, com as devidas adaptações.